Papa-milhas


EXPERIÊNCIA: Kami soube administrar seu ritmo na primeira metade da North Face Endurance Challenge para então acelerar nas montanhas da segunda metade e engolir todas as adversárias

Por Andrea Estevam
Foto por Tim Kemple

ELA ERA MONTANHISTA e chegou a escalar o Denali, no Alasca (EUA). Mas depois que teve uma filha, as longas expedições passaram a ter um preço muito alto e ela começou a procurar um esporte em que pudesse saciar sua sede de suor e endorfina, para depois tomar um banho e estar em casa na hora do jantar. Foi assim que Kami Semick, norte-americana de 42 anos, descobriu as ultramaratonas, 5 anos atrás.

É extremamente raro um corredor ter bons resultados em provas de trilha e de asfalto, e em distâncias que variam da meia maratona aos 100 quilômetros. Mas é exatamente isso que Kami conseguiu nos últimos seis meses: um 2o lugar na meia maratona do X Terra em setembro; uma vitória na maratona de Portland, EUA, em outubro (quando estabeleceu um novo recorde pessoal de 2h45m43s); um segundo lugar no IAF 100K World Championship (a final do circuito mundial de provas de 100 quilômetros), na Itália: e uma vitória nos 80 quilômetros da The North Face Endurance Challenge, final do circuito que atrai a elite das ultramaratonas em trilha com a maior premiação da modalidade, US$ 30 mil.

De todas essas conquistas, a vitória na prova da North Face foi a mais sofrida, segundo Kami. A prova foi disputada nas trilhas da Reserva Natural de Marin, uma belíssima área protegida ao longo dos penhascos e praias do litoral ao norte de San Francisco, Califórnia. “Era a segunda metade da prova, eu estava liderando e me sentindo bem. Num downhill técnico, eu acelerei demais, caí e torci meu tornozelo feio, batendo ao mesmo tempo meu joelho. Sentei no chão e comecei a gritar, como que para tirar a dor do meu corpo”, conta ela dois dias depois, ainda mancando. “Depois de alguns minutos, consegui ficar de pé e comecei a trotar, pensando em chegar ao próximo ponto de apoio para ser resgatada. Mas aos poucos consegui recuperar meu ritmo e uma hora depois a dor tinha ido embora”, lembra. Kami venceu os 80 quilômetros e mais de 6 mil metros de desnível da prova em 7h58min37s – mais de 20 minutos à frente da segunda colocada, Anita Ortiz. O fato de que agora terá que passar por uma série de exames e que talvez ela fique de molho por algumas semanas não causa arrependimentos. “Valeu a pena!”.

Entre os homens, a vitória ficou com Matt Carpenter, vice-campeão da prova em 2007, com 6h49min33s. Mas além dessa elite ultraoxigenada, o North Face Endurance Challenge também ofereceu a muitos amadores o gosto do desafio: além dos 130 corredores dos 80 quilômetros, outras 700 pessoas disputaram as distâncias de 10km, 21 km e 50 km.

7 ITENS QUE FAZEM UMA CAMPEÃ

Kami Semick conta como se preparou para os bons resultados acumulados nos últimos meses

Corrida

Faço dois dias seguidos de corridas longas em montanha, com duração de 3 a 4 quatro horas. Outros dois dias faço corridas de 15 ou 20 quilômetros, mais intensas, num ritmo entre 3’45 a 4’ por quilômetro. Corro no máximo 4 vezes por semana.

Técnica

Meu treinador é especializado em maratona e está trabalhando minha eficiência: corrigindo como movo meus braços e tronco e melhorando meu giro de pernas, para eu ganhar velocidade. Quanto mais eficiente, mais rápida eu serei. Com isso venho me dando bem em provas curtas, como a meia maratona e a maratona, e em ultras de 80 e 100 quilômetros. A combinação de endurance e eficiência permitiu que eu corresse a maratona num ritmo de menos de 4’ por quilômetro. Nos 100 quilômetros do Mundial, corri para 4’30” o quilômetro. Os treinos de velocidade melhoraram minha resistência ao ácido lático, tornando esse ritmo confortável para mim.

Força

Faço fortalecimento funcional, com exercícios de propriocepção e equilíbrio focando o core e pontos mais exigidos em corridas de montanha, como quadril, glúteos e tendões do tornozelo. Pedal e escalada também fortalecem meus músculos.

Cross training

Sou adepta fervorosa do cross training. Quando está nevando, saio para fazer esqui cross-country. Se não, pedalo, escalo ou faço trekking levando minha filha nas costas. Quando estou me recuperando de uma prova, gosto de correr numa piscina com água na altura do meu peito para soltar os músculos.

Idade

Mais importante que a idade, é o tempo que a pessoa está competindo em esportes de endurance. Não importa que eu tenha 42 anos, mas sim que estou correndo ultras há apenas 5. Tenho ainda uns bons 3 anos de evolução antes de estagnar. Nos últimos 6 meses melhorei muito. Tudo se encaixou: a parte física, mental e técnica.

Mente

Já competi o suficiente para saber que em toda prova há momentos difíceis. Eles são parte do esporte e é preciso saber a sair deles. O céu vai clarear, sempre clareia. É só agüentar firme.

Objetivo

No começo do ano devo correr algumas maratonas. Em maio, disputo a Comrades, de 90 quilômetros em asfalto, na África. Quatro semanas depois tem a primeira etapa do mundial de ultras na Bélgica. No segundo semestre, com certeza irei para a Jungle Marathon, no Brasil, em outubro.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2009)