Por Manoel Francisco Brito
NA MADRUGADA DE 21 DE JANEIRO, uma quarta-feira, primeiro dia de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, a Casa Branca inaugurou um novo site na internet. Na capa, há links para dois temas do plano do governo de Obama. O primeiro é óbvio: economia, o drama do momento. O segundo é surpreendente. De uma lista de outros 24 assuntos da agenda governamental da qual fazem parte questões como política externa, Iraque e impostos, o que mereceu destaque foi o meio ambiente.
Quem clica no assunto, vai para uma página que fala, sobretudo, de energia – um tema que, desde o início da campanha, Obama associou à questão ambiental. A página traz cinco promessas. Algumas são grandiloquentes, como a que diz que o governo federal investirá US$ 150 bilhões para criar 5 milhões de empregos no setor de energia renovável. Outras são mais modestas, como a que promete colocar 1 milhão de veículos híbridos até 2015 nas ruas de um país onde hoje trafegam 70 milhões de carros e caminhões.
Por sinal, esta última é a proposta de execução mais rápida. A meta de gerar 25% da necessidade norte-americana de energia a partir de fontes renováveis ficou para 2025. A redução de 80% na emissão de gases que causam o efeito estufa está marcada para 2050. Prazos tão longos são compreensíveis. Largar o vício do combustível fóssil não acontece de uma hora para a outra. Mas poderia ser mais veloz. Afinal, não faltam ao novo presidente nem as tecnologias e nem as cabeças capazes de acelerar a mudança. Obama instalou várias em postos importantes da burocracia federal.
Uma delas pousa sobre os ombros de Stephen Chu, o secretário de Energia. Físico, dono de um prêmio Nobel, Chu passou os últimos anos estudando a crise do clima e as fontes de energia alternativas. É um crítico veterano dos combustíveis fósseis. Defende a taxação como meio de reduzir o consumo de gasolina e chama o carvão de pesadelo ambiental. Mas Chu, na audiência em que foi confirmado no cargo, suavizou suas críticas aos combustíveis fósseis. Preferiu um tom mais conciliador, reconhecendo que aumentar imposto sobre a gasolina seria um desastre para o bolso dos norte-americanos.
Obama também deu sinais de que na questão ambiental vai andar, pelo menos por enquanto, com o freio de mão puxado. A União Européia pediu para ele adotar um sistema de limite e troca de créditos de carbono. Arnold Schwarzeneger, governador do estado da Califórnia, enviou uma carta ao presidente querendo permissão para adotar padrões mais restritos do que os autorizados pelo governo federal para a emissão para veículos. Obama respondeu aos dois apelos com um eloquente silêncio. De concreto mesmo, ele tomou apenas uma decisão, que tem mais valor simbólico do que prático e reverteu uma diretriz de seu antecessor, que abria os parques nacionais à exploração de petróleo e gás.
Por mais que o presidente diga que o meio ambiente será parte importante de seu governo, o derretimento que é sua prioridade neste momento não é o da calota polar, mas o da economia do país. Foi para isso que os norte-americanos o elegeram. Se Obama não conseguir virar esse jogo, os planos para o meio ambiente – que custarão caro e exigirão sacrifícios das empresas e da população – dificilmente sairão do papel. Ainda assim, é bom que se diga que ele já prestou relevantes serviços à causa ambiental.
O simples fato de lhe dar importância ao longo da campanha, e reiterá-la no seu discurso de posse, fez com que a agenda verde saísse do armário, onde foi escondida por George W. Bush. Graças a Obama, os Estados Unidos redescobriram que apesar de seu antecessor, muita gente continuou a tocar suas vidas pensando em maneiras de ter um futuro melhor.
Soube-se que a ciência do clima avançou mesmo com a insistência do governo federal em substituí-la por uma ideologia em favor dos combustíveis fósseis. Viu-se também que várias universidades não ficaram paradas e recorreram aos seus professores e alunos para adotar a biomassa como energia padrão para aquecer suas salas de aula. O movimento orgânico, que andava quieto, recuperou a ousadia e reapareceu patrocinando banquetes nas festividades da posse de Obama, e pedindo que, como exemplo, ele crie uma horta na Casa Branca. Até quem sempre achou uma bobagem esse negócio de meio ambiente, entendeu o recado. As montadoras, que passaram os anos da era Bush ganhando dinheiro com a venda de jipões à base de diesel ou gasolina, agora falam em híbridos e carros elétricos.
No dia seguinte à posse de Obama, a Tropicana, subsidiária da Pepsi Co. que produz suco de laranja, revelou o tamanho da sua pegada de carbono. Para chegar aos supermercados, cada embalagem do seu suco emite 1,7 quilo de gases do efeito estufa. A revelação foi voluntária e a decisão de torná-la pública teve dois motivos. Sua diretoria suspeita que essa é uma informação que breve será vital para o consumidor. E a empresa – do mesmo modo que Google, Dell e Coca-Cola – resolveu saber o quanto ela polui para se adiantar a uma eventual regulamentação impondo restrições a emissão de carbono. Como dizia o slogan de Obama na campanha, a mudança é possível.
Diamantes em meio à sujeira
Mesmo antes de assumir, Barack Obama já escutava pedidos para demolir toda e qualquer política dos últimos oito anos. Calma lá. Fizemos uma investigação e listamos as ideias bushianas que funcionaram
1. Um parque grande e molhado
O Monumento Nacional Marinho de Papahanaumokuakea – um trecho de oceano um pouco maior que o estado brasileiro de Mato Grosso do Sul que engloba a maioria das ilhas havaianas mais distantes – é um imenso feito conservacionista. Em 2001, James Connaughton, presidente do Conselho de Qualidade Ambiental dos EUA, iniciou a pesquisa do projeto. Em abril de 2006, o explorador de oceanos Jean-Michel Cousteau foi à Casa Branca para embasbacar o presidente e a senhora Bush com uma projeção do seu filme Voyage to Kure (Viagem a Kure), gravado na área. Em 15 de junho, dois dias antes de anunciar o novo santuário, Bush deu um upgrade no plano. De acordo com Connaughton, “o presidente disse: ‘Jimmy, eu não quero propor um santuário, quero criar um monumento’”. E o fez.
2. Mais guarda-parques
Entre os beneficiários do orçamento de 2008 de Bush estavam os parques nacionais norte-americanos, que levaram US$ 208 milhões a mais do que em 2007 para suas operações – um aumento de 11,8% (na maioria dos anos anteriores, era mais para 3,5%). E por ser um dinheiro destinado a custos operacionais, ele foi para coisas como a contratação e aparelhamento de novos guarda-parques, em vez da construção de novos centros de visitantes ou estruturas para camping e trailers.
3. Dias mais longos
A partir de 2007, os EUA adicionaram um mês a mais de horário de verão. A medida gerou a economia de aproximadamente 1,3 terawatt-hora de eletricidade por ano, ou seja, aproximadamente 0,5% da demanda do país, de acordo com o departamento de energia.
4. Uma mão à África
Em seu discurso oficial de 2003, Bush surpreendeu o mundo ao pedir que o congresso de seu país direcionasse US$ 15 bilhões à luta contra a aids na África e no Caribe. O Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids (PEPFAR) apoiou o tratamento de quase 2 milhões de pessoas. Apesar de seus esforços terem inicialmente atraído críticas por sua ênfase na educação pela abstinência sexual, essa queixa foi amaciada quando o plano foi renovado com US$ 48 bilhões, em julho. Ao ser questionado a respeito da gênese da ideia, o embaixador Mark Dybul, coordenador U.S. Global AIDS, disse “o ímpeto foi do presidente. Veio do seu coração”.
5. Mais artigos outdoor em cada closet
Bush era notavelmente amigo dos US$ 289 bilhões gerados anualmente pela indústria outdoor norte-americana, e fez importantes reduções tarifárias em materiais de alto desempenho, como botas impermeáveis e respiráveis e tênis de Gore-Tex de corrida em trilha.
6. Trens, navios e tratores mais limpos
Apesar de ter feito pouco para melhorar a eficiência dos carros que rodam nos EUA, a Campanha do Diesel Limpo de Bush – com leis estabelecidas durante os últimos oito anos – reduzirá as emissões de veículos pesados novos em até 90% até 2014. O Conselho de Defesa dos Recursos Naturais dos EUA (NRDC) aprovou o feito: “A poluição por diesel é uma estrela brilhante na noite escura que é a lista ambiental de Bush”, diz Richard Kassel, advogado da NRDC.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2009)