Por Fernando Tucori
NÃO É APENAS O ESPÍRITO DE AVENTURA que faz com que algumas celebridades deixem o conforto de suas mansões para arriscar o pescoço em trips insanas, competições exaustivas e escaladas arriscadas. Aos poucos, o que famosos do mundo todo vão percebendo é que há nos desafios dos esportes de aventura uma maneira fantástica de chamar a atenção para causas nobres.
Bono Vox, vocalista do U2, sabe perceber essas oportunidades como ninguém. Justamente por isso, ele intimou ninguém menos que o astro do futebol britânico, o galã David Beckham, a encarar uma escalada, em nome da UNICEF, ao ponto mais alto da África, o Kilimanjaro, na Tanzânia. O convite surgiu no ano passado, porém ainda não deu em nada. O jornal inglês The Sun, citando informações de uma “fonte não-revelada”, disse que Beckham, apesar de enrolado em compromissos profissionais e preocupado com a segurança, está a fim de encarar o desafio. Rolando ou não, Beckham já deve estar percebendo, como várias outras celebridades perceberam antes dele, o quanto Bono pode ser irritantemente pegajoso quando bota uma idéia dessas na cabeça.
Se Bono e Beckham ainda não se acertaram, Justin Timberlake passou à frente dos dois. Em abril deste ano, Justin confirmou que está em plena preparação para encarar a subida do Kilimanjaro. Ao lado dele, estarão o rapper norte-americano Lupe Fiasco (que tem um nome terrível pra quem quer encarar desafios) e o cantor etíope Kenna. A expedição parte neste segundo semestre e quer aproveitar a cobertura da mídia para chamar a atenção para a crise mundial da água. Timberlake pode ser o nome mais conhecido entre os três, mas a iniciativa partiu de Kenna, por razões pessoais. “Foi por pouco que meu pai não morreu quando era criança por causa de uma doença relacionada à água contaminada, na Etiópia. Então, ele me falou sobre cavar um poço lá. Pensei que tenho muitos amigos que se preocupariam com a mensagem da água limpa e que eu poderia ajudar”, disse Kenna em entrevista à revista Elle norte-americana.
Só que nem Bono nem Justin serão os primeiros a encarar essa pedreira. Antes deles, em março, um grupo de nove celebridades – incluindo Cheryl Cole e Kimberley Walsh (da banda Girls Aloud), Gary Barlow (do Take That) e o cantor Ronan Keating – chegou ao topo do Kilimanjaro, depois de cinco dias de martírio, tudo devidamente registrado pelas câmeras da rede estatal britânica BBC. O desafio rendeu 1,4 milhão de libras para a entidade assistencial Comic Relief (www.comicrelief.com), que ajuda a combater a pobreza em países em desenvolvimento.
Se as pessoas adoram ver celebridades sofrendo em reality-shows, porque demorou tanto pra que alguém fizesse com que eles sofressem de verdade, só que por uma causa nobre? “Cheryl [Cole] disse que jamais em sua vida fez algo tão desgastante física e mentalmente, e não resta dúvida que as outras pessoas da equipe também passaram por isso. Uma temperatura de -15º C e com o ar tão rarefeito que seus pulmões queimam de desapontamento cada vez que você respira significam que você não pode ficar parado por muito tempo”, relatou o blog oficial da expedição (rednoseday.com/climb).
O ator Ewan McGregor (que interpreta o jovem Obi-Wan Kenobi de Guerra nas Estrelas) é um apaixonado por motos desde moleque e, em 2004, resolveu fazer uma viagem de 31 mil quilômetros ao lado do amigo Charley Boorman, indo de Londres até Nova York pelo caminho mais longo – atravessando a Europa e a Ásia para chegar à América do Norte pelo Alasca. Com nome de Long Way Round, a viagem virou série de TV, DVD e livro. Durante a jornada, a dupla visitou instalações da UNICEF para registrar e divulgar o trabalho da entidade.
Entre maio e agosto de 2007, McGregor e Boorman se reuniram novamente para uma nova trip, desta vez partindo de John O’Grotes, na Escócia, rumo ao Cabo das Agulhas, extremo sul do continente africano. Exibida em série de TV, lançada em livro e em DVD com o nome de Long Way Down, a viagem da dupla mostrou outras instalações da UNICEF e, por exemplo, como a entidade cuida de crianças que foram feridas por minas terrestres na Etiópia e o trabalho de recuperação de crianças que eram usadas como soldados pela guerrilha de Uganda, o Lord’s Resistance Army. Recentemente, McGregor confirmou que, em 2010, vai haver uma terceira parte da empreitada, chamada Long Way To Go, com destino à América do Sul e, mais uma vez, às instalações da UNICEF.
NÃO SÃO APENAS NOMES DO SHOWBIZ que enfrentam desafios para ajudar causas nobres. Enquanto fechávamos esta edição, foi dada a largada (no dia 20 de junho) da competição de equipes do Race Across América (RAAM), a ultramaratona ciclística que atravessa os Estados Unidos de oeste a leste. Nesta prova, a participação mais badalada é a da equipe chamada Surfing USA, que está no RAAM para chamar a atenção e arrecadar fundos para pesquisas em relação ao autismo e à esclerose lateral amiotrófica (ou mal de Lou Gehrig, doença degenerativa que afetou o músico de jazz Charles Mingus e o físico Stephen Hawking). A equipe conta com o surfista de ondas gigantes Laird Hamilton, o baixista do Rage Against The Machine Tim Commenford, o ex-quarterback do Texas Tech e atualmente mountain biker Jason Winn, e o lendário Don Wildman, que do alto de seus 76 anos de idade tem nove Ironman no currículo, já pedalou na RAAM, corre regularmente as maratonas de Nova York e Los Angeles, veleja e ainda desce ribanceiras no Alasca ao lado do campeão de snowboard Tommy Moe.
Sir Ranulph Fiennes é outro aventureiro que pouco se importa com a idade na hora de encarar um desafio, principalmente quando é por uma causa em que acredita. Em maio passado, ele chegou ao topo do Everest, com 65 anos de idade, depois de duas tentativas frustradas. Na primeira, em 2005, Sir Ranulph teve um ataque cardíaco e foi obrigado a parar. Ano passado, na segunda tentativa, foi acometido por grave exaustão e forçado a desistir. Agora pergunte-se o porquê de um cara que tem medo de altura se meter em uma dessas. Saiba, então, que no curto espaço de um ano e meio Sir Ranulph perdeu mulher, mãe e irmã para o câncer. A insistência em escalar o Everest foi movida pelo desejo de arrecadar fundos para a entidade Marie Curie Cancer Care, que financia pesquisas sobre a cura do câncer e arregimenta enfermeiras para que elas cuidem de vítimas da doença em suas próprias casas. Embora já tenha dito que “chega de montanhas” na sua vida, Sir Ranulph não vai parar tão cedo. Sua meta é arrecadar a quantia de três milhões de libras para a entidade. Não por acaso, o “Sir” diante de seu nome vem da Ordem do Império Britânico com a qual ele foi condecorado, em 1993, por ter arrecadado mais de 5 milhões de libras para causas nobres.
NO BRASIL, O MOVIMENTO das celebridades no sentido de encarar desafios em nome de causas nobres varia entre muito pouco e quase nada. Isso não significa imobilidade, de modo algum. Veja, por exemplo, o cantor Felipe Dylon e o ator global Omar Docena que, no fim de maio, foram até o Maranhão surfar na pororoca do rio Meari, em Arari. Os dois participaram do projeto Onda Solidária, que dá assistência aos desabrigados pelas fortes chuvas que castigaram o estado.
Os esportistas também fazem sua parte como podem. Fernanda Keller tem sua própria entidade, o Instituto Fernada Keller (institutofernandakeller.com.br), voltada para trabalhos sociais. E a Ação Social dos Sertões, uma iniciativa do Instituto Brasil Solidário (IBS), ajuda escolas por onde o Rally dos Sertões passa. São bons exemplos e nem de longe são os únicos. Mas por mais que haja empenho por parte dos esportistas em dedicar esforços a causas nobres, falta sempre uma parte importante, que uma celebridade pode conseguir de graça, que é a divulgação de um projeto na mídia apenas por ter seu nome envolvido nele. Nessas horas, dá a impressão de que falta celebridade pro tanto de “montanha” que o Brasil tem.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2009)
METAMORFOSE: Laird Hamilton se transformou em ciclista
(Foto: Brendon Purdy)
FINAL FELIZ: O ator Ewan McGregor e seu parceiro de expedições, Charley Boorman, comemoram o fim de mais uma viagem de moto para visitar as instalações da UNICEF na África
(Foto: Ron Gaunt)