Batalha de sereias


BRASILEIRINHA: Maya Gabeira em Dungeons, Àfrica do Sul, na onda que está concorrendo ao XXL deste ano
(Foto: Redbull Photofiles)


Por Mario Mele

QUE O NÚMERO DE MULHERES SURFISTAS no outside está em fase de crescimento, isso não é nenhuma novidade. No entanto, não se sinta diminuído se no dia em que as ondas ultrapassarem os 10 pés você ver alguém de traços delicados e cabelos longos pondo pra baixo numa parede de água que te faria pensar em puxar o bico. De fato, já existe um seleto grupo de mulheres que está dividindo as maiores ondulações com os melhores big riders do planeta. E elas não estão fazendo feio.

Em junho, a argentina Mercedes Maidana estreou no tow-in (modalidade em que o surfista é rebocado por um jet ski até a onda) em grande estilo. Puxada por um surfista local, ela deslizou no mar de El Buey, no Chile, num dia em que as ondas estavam potentes e alinhadas. “Ainda tenho que aprender a pilotar melhor o jet ski, o que exige habilidade. Surfar é a parte fácil do jogo”, explica Mercedes, que após a iniciação vem treinando forte, com o auxílio do waterman californiano Darrick Doerner.

No mês seguinte, num dia de ondas grandes em Puerto Escondido, no México, a californiana Jamilah Star dropou na remada e, segundos depois, de backside, se entocou num tubo gigantesco. Ela não conseguiu sair antes que a onda fechasse em cima de sua cabeça, mas só pela coragem e atitude que demonstrou, já ganhou o respeito da ala masculina. “Todos os anos eu corro atrás das maiores ondas do mundo, como se fossem um presente de Deus pra mim”, justifica Jamilah.

Para fechar a trinca, em agosto a brasileira Maya Gabeira foi puxada pelo seu parceiro de tow-in, Carlos Burle, em frente a uma montanha d’água de mais de 40 pés de face, em Dungeons, um conhecido pico de ondas grandes da África do Sul. Naquele dia, Maya estava dividindo o mar com o sul-africano Grant “Twiggy” Baker e o californiano Greg Long, dois dos caras mais destemidos do surf extremo. “Foi o dia de surf mais complexo de minha vida e uma das ondas mais difíceis que já surfei”, diz ela. “Além de a água ser muito fria, o mar estava bem mexido, e eu ainda tinha a responsabilidade de puxar o Burle naquelas condições. Lidei com muitas variáveis”. Chegando àquele país, Maya ainda teve que fazer um curso intensivo para tirar a habilitação de arrais, e só então poder pilotar o jet ski.

Por essas demonstrações de ousadia, Mercedes, Jamilah e Maya são as principais candidatas ao título feminino do Billabong XXL, a maior premiação do big surf, que acontece desde 2001.


HERMANA: Mercedes Maidana no Havaí
(Foto: Arquivo pessoal Mercedes Maidana)

OS CAÇADORES DE ONDAS GRANDES – tanto homens quanto mulheres – geralmente são atletas livres, e não têm uma agenda de competições para cumprir. Apesar disso, estão sempre atentos à previsão das ondas e, portanto, não espere encontrá-los em casa no dia em que uma frente fria se aproximar de uma potente bancada como a de Maverick’s, Jaws ou Teahupoo, entre muitas outras que são capazes de levantar ondulações gigantes com perfeição. “Começamos a avistar um swell com uma antecedência de sete a dez dias”, conta Maya. “Mas só é possível decidir se vamos ou não atrás dele três dias antes, pois as previsões mudam muito”, emenda.

Mas essas surfistas não se jogam em maremotos porque são mais loucas ou corajosas do que outras mulheres. É claro que uma dose a mais dessas qualidades contribuem nesse esporte, mas elas passam por um treinamento técnico, físico e psicológico que diminui os riscos e dão certa tranquilidade quando se está ao lado – ou até mesmo embaixo – de maçarocas d’água que poderiam facilmente encobrir um prédio de cinco andares. Só que nem a preparação nem os equipamentos de segurança, como coletes de flutuação, são garantia absoluta de sobrevivência. Às vezes, também é preciso contar com a sorte.

No começo deste ano, no Havaí, Maya tomou o maior susto de sua vida, quando o jet ski pilotado por Burle passou raspando pela sua cabeça. “Foi em Phantoms, em frente à minha casa, fazendo tow-in num dia relativamente pequeno, com ondas entre 4 e 5 metros”, lembra. Depois de posicioná-la, seu parceiro se enroscou no lip e, para piorar, o motor do jet apagou. “O Burle foi engolido com o jet ski pela minha onda, e caiu bem perto de mim”. Felizmente, o episódio não passou de um grande susto e ambos saíram ilesos.

Acostumada a frequentar picos havaianos como Sunset e Waimea, a argentina Mercedes também já passou aperto no mar. “Eu pensei que as ondas não ultrapassariam os 12 pés naquele dia em que surfava em Waimea. Só que, em menos de uma hora, as séries já estavam maiores do que 20 pés. Realmente tive medo, senti que não estava preparada física e mentalmente para encarar aquela situação”, revela Mercedes, que a partir de então aprendeu a ler as bóias espalhadas ao longo da costa para não ter mais surpresas como aquela.


HAVAÍ: Mercedes Maidana pega algumas ondas em Waimea
(Foto: Arquivo pessoal Mercedes Maidana)

ALÉM DO RECONHECIMENTO PELO TRABALHO arriscado dessas mulheres, o Billabong XXL vem proporcionando a elas uma exposição extra. Maya, que aprendeu a surfar em 2001, já é tricampeã na categoria “melhor performance feminina”. Nos últimos três anos, de acordo com o júri especializado do evento, nenhuma mulher surfou mais ou melhor do que ela as grandes ondulações que sacudiram os oceanos. “O prêmio tem sido importante na minha carreira, aumentou a minha exposição na mídia”, reconhece a surfista, que já estampou diversas capas de revistas nacionais e gringas.

Para Mercedes, que na edição passada foi uma das finalistas com uma onda surfada em Waimea, além da motivação, a premiação dá a motivação necessária para buscar uma evolução constante, o que costuma acontecer entre os atletas que competem. “É uma boa oportunidade para as mulheres mostrarem ao mundo o que estão fazendo, mas o principal é ser movida pelo prazer de descer ondas cada vez maiores”, explica a argentina, que descobriu o surf em Búzios (RJ) durante as férias que passou no Brasil.

Jamilah, bicampeã do Billabong XXL que foi destronada por Maya, parece dar menos importância. “Surfo ondas grandes bem antes de o XXL existir”, diz. “Na verdade, criaram a categoria feminina para premiar a minha performance”. Apesar da presunção, ela tem moral para falar. Aos 32 anos de idade, a californiana de Santa Cruz mora hoje no North Shore havaiano, mas também persegue frentes frias em países como México, Taiti e Chile. Em 2003, seu nome foi impresso no livro Guinness dos Recordes como “a mulher que surfou a maior onda na remada”. Isso aconteceu em Waimea, e depois desse megadrop, ela inspirou surfistas do mundo inteiro, inclusive Maya e Mercedes. “Me sinto confiante e relaxada quando remo numa onda grande”, assegura.

Jamilah pode estar querendo desviar a atenção da premiação, já que nos últimos três anos a brasileira Maya Gabeira ficou com a taça. E com o desempenho que essas três principais big riders vêm demonstrando, a mídia especializada não perdeu a chance de colocar lenha e esquentar a disputa feminina para a décima edição do Billabong XXL, que nos anos anteriores foi bem morna. Se quiserem melhorar as ondas que já pegaram este ano, elas terão até o dia 19 de março de 2010. Ou seja, a temporada havaiana pode ser decisiva nessa corrida. “Dizem que o El Niño vai trazer boas ondas ao hemisfério norte nesse inverno”, diz Maya. “Estou preparada para surfar os maiores mares do Havaí e da Califórnia”, completa.

Ao lado de Darrick Doerner, Mercedes espera se aperfeiçoar no tow-in. “Acredito que estou em boas mãos, e terei condições de surfar as maiores ondas da minha vida”, promete. Jamilah prefere manter suas próximas remadas sob sigilo. “Tenho objetivos e sonhos, mas é melhor eu cumpri-los antes de contá-los, porque muitas pessoas me perseguem. Daqui pra frente, quero focar em ações leves, palavras leves e pensamentos leves”, divaga. Fica a torcida para que pelo menos seu surf não perca peso.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de outubro de 2009)







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