Por Grayson Schaffer
CAMPEÃO DO TOUR DE FRANCE POR SETE VEZES, Lance Armstrong, 37, tem passado seu tempo ultimamente em Aspen (Colorado, EUA), vivendo num elegante apartamento estilo moderno-vitoriano a poucas quadras da rua principal. De acordo com alguns vizinhos, ele já se tornou uma presença constante na cidade. Lá vai ele treinar para a corrida de mountain bike Leadville Trail 100, com os durões de Aspen Max Taam e Len Zanni. E lá está ele, comendo sushi no Matsuhisha, com sua namorada e o filho deles, Max, de oito semanas. E o tempo todo Lance está no Twitter, divulgando desde o nascimento de seu filho até sua reestreia e comentários feitos pelo vencedor do Tour de France deste ano, Alberto Contador, diretamente para seus 1,7 milhão de seguidores. Ele recebeu um editor da Outside para o café da manhã duas semanas antes da Leadville, disputada dia 15 de agosto, para falar a respeito dos treinos de mountain bike, de seu novo contrato de patrocínio com a RadioShack e de seus planos para o próximo ano.
GO OUTSIDE Como foi que a Leadville 100 se tornou a segunda corrida mais importante do mundo para você?
LANCE: O Tour era só um treino para a Leadville [risos]. Tenho passado meus verões aqui em Aspen nos últimos três anos, e ela é disputada logo aqui. E todo mundo fala dela. Em 2008 cheguei em segundo lugar, e quero aproveitar o condicionamento que ganhei para o Tour para tentar a vitória este ano.
Você vai bater Dave Wiens? Talvez romper a barreira das seis horas?
Não vai ser fácil vencer o Dave. Ele venceu a Leadville nos últimos seis anos, inclusive ano passado, e tem feito boas corridas, como na Trans-Alps, na Europa. E é preciso fazer as coisas certo em Leadville. Não há espaço para pneus furados, por exemplo, e deve-se respeitar a distância e as subidas. Pode ser que não rompamos a barreira das seis horas, mas eu tenho me sentido bem treinando por ali.
Nota da redação: Lance venceu a prova em 6h28min50 e bateu o recorde da Leadville em mais de 15 minutos, apesar de um pneu que insistia em murchar. Dave Wiens chegou em segundo, 29 minutos depois de Lance.
Ouvimos que você montou um mini-time para estabelecer o seu ritmo na Leadville. Levi Leipheimer faz parte?
Ele está fora. O time será de ciclistas locais, mas eles provavelmente estarão colados atrás de mim. Eu só acho que se deve chegar no retorno o mais rápido possível se você realmente quer bater o recorde. Depois do retorno não há vantagem em ter um pelotão. Serão um, dois, talvez três caras e só um empurra-carrega-bike depois disso.
Onde você tem treinado?
Nas subidas Columbine e Powerline, as duas mais duras de Leadville. O campeonato estadual que foi disputado aqui perto no fim de semana passado largou de 2.750 metros e subiu até 3.505. Por coincidência, você está falando com o campeão do estado do Colorado. Venci a prova.
Acho incrível que caras com empregos normais consigam pedalar tão bem quanto você.
O segredo deles é ter um estilo de vida incrível. Eles comem bem e não têm muito estresse na vida. O Len Zanni [co-proprietário da fábrica de equipamentos Big Agnes e da fábrica de barras energéticas Honey Stinger], por exemplo, é um cara superpreparado, que tem um trabalho em período integral, dois filhos. Ele diz: “Vou pegar leve esta semana”. E eu: “O que você quer dizer com esta semana?”
Parece que você tem vivido e comido bem, também, tendo em vista seus posts no Twitter.
Estou tentando. É saudável estar aqui – especialmente com o bebezinho. Qualquer coisa depois das nove da noite está fora de cogitação. E, você sabe, isso simplifica a vida, o que é bom.
Vamos falar da RadioShack, ou melhor, The Shack, como eles querem ser chamados agora. Eles te procuraram e ofereceram patrocínio para o Tour 2010?
Sim. Um dia, do nada, eles simplesmente ligaram. Não sei o quanto a nova estratégia de marketing da empresa tem a ver com a decisão de criar o time. Acho que tem mais a ver com sangue novo e novas ideias na empresa.
Da última vez que conversamos você queria primeiro conseguir publicidade para a Fundação LiveStrong e talvez ganhar o Tour. A ordem se inverteu?
Bem, nós não vencemos o Tour, mas acho que vencemos a questão da crise econômica. Se você olhar para a maioria dos empreendimentos sem fins lucrativos atualmente, verá que estão sendo esmagados. Nós ficamos protegidos por algumas razões, principalmente por termos a atenção do público. Não vencemos o Tour porque apareceram uns caras que eram melhores. Um deles era muito melhor. A decisão de correr novamente em 2009 baseou-se na avaliação do Tour do ano passado e na matemática dos tempos do ano passado. Acho que posso dizer, com segurança, que meu desempenho neste verão estaria perto de uma vitória se fosse no Tour do ano passado. A matemática não foi ignorada. Só que o Contador era muito melhor. E, na verdade, eu fiquei um pouco para trás na etapa 17, em Grand-Bornand. Deveria ter saído no começo. Quando você fica 20 segundos para trás, se tentar tirar a diferença, leva uns caras com você. Isso não é legal.
Você acha que o Contador teria feito a mesma cortesia para você?
Nem vou comentar este assunto.
Vocês já conversaram depois do Tour?
Foi tipo, você vai pela esquerda e eu vou pela direita.
Você acha que pode vencer o Tour do ano que vem colocando mais caras bons ao seu redor do que o Contador conseguiria?
Acho que podemos montar uma equipe melhor. Mas isso não é como tecnologia aeroespacial. Temos que evitar erros e acidentes. Para vencer, tenho que pedalar consistentemente nas subidas, meu ritmo deve ser rápido e tenho que diminuir meu próprio tempo. Não posso mais acelerar como fazia antes. E o que se viu do Contador este ano – isso eu nunca vou bater. Nem teria batido tempos atrás. Mas, quem sabe, aquilo pode ter sido um episódio único na vida. Não é importante. O que importa é que vamos lá, e vamos nos esforçar muito. As pessoas sabem que eu sou um velho. Ninguém está esperando um 2001 de novo.
Mas os caras mais velhos sempre têm mais truques na manga.
Supondo que eu encarasse caras como Levi e [Andreas] Klöden – com caras como esses dá para brincar. Mas com um cara como o Alberto, dá para jogar todas as fichas, mas não dá para ganhar.
Você vai voltar para o triathlon? Devemos esperar por você em Kona?
Treinei em Kona antes do Tour Down Under. Gostaria de voltar e tentar mais eventos de Ironman. Não só Kona.
Você consegue competir naquele nível? Você olhou os números?
Não os números, mas sei em que tempo eu consigo pedalar. E sei em que tempo eles conseguem pedalar. A grande questão é: que tempo consigo fazer na corrida? Teria que fazer a maratona mais rápida da minha vida.
Você tentaria terminar a bike com uma grande vantagem?
Não acho que isso seja necessário. Acho que a receita seria pedalar conservadoramente e realmente planejar a corrida. Daria para se esfalfar de pedalar e ganhar dez minutos – mas perderia 20 ou 30 na corrida.
Então, em vez disso, você conserva energia e termina a bike sentindo-se melhor do que todo mundo.
Essa é a ideia. Mas funciona agora, na conversa. Quando se está lá tudo muda. É por isso que preciso fazer uns dois eventos. Eu preciso participar de uns meio-ironman, para recuperar minha natação. Não sei se consigo vencer. Alguns daqueles caras são rápidos.
Não parece que você precisa vencer para envelhecer com graça.
Quero permanecer bem preparado e manter um grande estilo de vida. Não preciso, necessariamente, vencer o Tour, o Ironman ou fazer uma maratona em 2h20min. Também tem a ver com o que fazemos na fundação, e com a equipe. As pessoas veem isso e pensam: “Cara, olha qualquer outro ciclista aposentado; eles certamente não estão fazendo nada parecido”.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de outubro de 2009)
DIANTEIRA: Vice-campeão na prova em 2008, este ano Lance desovou os adversários logo no começo da subida mais longa. Ninguém mais conseguiu buscá-lo