Salta é bem diferente das imagens que os brasileiros têm da Argentina. Depois de quatro anos da vitoriosa revolução em Cuba, o incansável Che Guevara arquitetava, em 1963, uma forma de espalhar o sonho esquerdista pela América Latina. Seu desejo era adentrar o continente através de seu país natal, a Argentina.
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Mas antes de ele próprio avançar, Che decidira enviar alguns guerrilheiros para a região de Salta, uma árida província no noroeste da Argentina, que oferecia uma inóspita geografia necessária para esconder seus homens – quilômetros de desertos de altitudes em meio a picos nevados – e um excelente posto de abastecimento: a capital Salta, a cidade mais antiga da nação, fundada em 1582.
Che então se colocou estrategicamente no sudoeste da Bolívia, limítrofe de Salta, com a intenção de se juntar aos combatentes assim que possível, fato que nunca ocorreu: o bando foi mal recebido localmente e massacrado pelo exército, assim como o próprio Che acabou fatalmente emboscado pelos bolivianos quatro anos depois. Recepção oposta oferecem os saltenhos de hoje, que mais querem é acolher bem os viajantes, grupo ainda de poucos brasileiros, mas não por muito tempo se depender dos esforços dos órgãos de turismo.
Atualmente Salta tem 1 milhão de habitantes, metade na capital. A província de 156 mil quilômetros quadrados (um pouco menor que o Paraná) concentra seu povo na cidade por um motivo natural: seus desertos de altitude são paisagens tão deslumbrantes quanto inóspitas para seus habitantes.
A província é bem diferente das imagens que os brasileiros têm da Argentina dos pampas ou patagônica. A área forma, junto com o norte do Chile e o sul da Bolívia (e também o Peru, que não é vizinho da Argentina), um território geográfica e culturalmente singular: o altiplano das cordilheiras dos Andes, com seus desertos de terra seca e ar frio, salpicados por montanhas que ultrapassam facilmente os 6.000 metros de altitude. Há desertos de sal cuja beleza não fica devendo a outros mais conhecidos, como o Salar de Uyuni, e montanhas de terra e areia coloridas que parecem de mentira.
É por isso que os turistas que chegam a San Antonio de los Cobres, uma cidade de 2.500 habitantes, 167 quilômetros a noroeste de Salta, encontram um povo de pele talhada pelo vento frio e seco, e pulmões acostumados ao ar rarefeito dos quase 4.000 metros de altitude (Salta está a 1.200 metros).
San Antonio é um retrato da influência indígena que compõe o altiplano, seja dos diaguita-calchaquis, dos quéchuas, dos taltils, e também, claro, dos incas, que dominaram os Andes antes dos espanhóis. E como outras do deserto, a comunidade ali subsiste da extração de cobre de uma das centenas de minas da região.
Em contrapartida, a charmosa Cachi (sal, em quéchua), a 162 quilômetros de Salta pelo vale Calchaquí, é o espelho dos conquistadores hispânicos. A arquitetura colonial dos casarões com arcos e paredes brancas (alguns restaurados para abrigar hotéis, como o quatro estrelas La Merced del Alto) comprova ser esta a província de maior influência espanhola de toda a Argentina.
Aliás, percorrer o Calchaquí – uma área de 100 quilômetros de comprimento sentido norte-sul por 25 quilômetros de largura, cravada entre duas cordilheiras ao longo do leito do rio de mesmo nome – é circuito indispensável para observar o resultado da falta de água na natureza: na estreita faixa longitudinal, o índice pluviométrico pode variar de 800 milímetros anuais no vale para apenas 80 mm nos pontos mais altos. Ou seja, logo depois de sair da capital sentido Cachi (que está a 2.210 metros de altitude), cruza-se uma floresta verdíssima, as yungas, semelhante à nossa mata atlântica. Mas basta ganhar altitude para notar a falta de água, como nas paisagens do Parque Nacional los Cardones (espécie de cactos), área semisseca que abriga centenas e gigantescas dessas plantas, algumas com 3 metros de altura, que chegam a viver mais de 500 anos.
Imagens tão surreais quanto às dos Cerros de la Siete Colores, formados por sedimentos marinhos, fluviais e de lagos de épocas geológicas distintas, que criaram picos multicoloridos. Ou das areias vermelhas do deserto Del Laberinto, um território de quilômetros e quilômetros sem uma única planta sequer (nenhuma!). Ou da brancura das Salinas Grandes, similares aos sais do Atacama – apenas uma pitada do que Salta proporciona de belezas naturais.
ANOTE AÍ!
– Ainda não há voo direto do Brasil para Salta. É necessário fazer uma conexão em Buenos Aires.
– Em Salta há opções de hotéis para todos os bolsos. Em San Antonio de los Cobres se hospede no Hostal del Cielo (hostaldelcielo@fibertel.com.ar) ou no De las Nubes (administracion@hosteriadelasnubes.com.ar). Em Cachi, opções mais baratas são o El Cortijo (elcortijohotel.com) e o Don Arturo (hospedajedonarturo@hotmail.com).
– Procure o pessoal da Adopta, associação que reúne os operadores e guias de esportes de aventura. Pode-se fazer montanhismo de altitude no vulcão Llullaillaco (de 6.739 metros, onde foram encontradas, em 1999, três múmias intactas de crianças incas), no Nevado de Cachi (6.380 metros), no Acay (5.716 metros), no Chañi (5.896 metros) ou nos vulcões Tuzgle (5.486 metros) e Enxofre (5.840 metros), dentre outros. Também há escaladas em rocha próximas à capital, trekkings e cicloturismo de vários dias pelo vale Calchaquí, e rafting pelas águas brancas do rio Juramento ou do Lipeo (este atravessando as yungas do norte da província).
– Salta está a 500 quilômetros de San Pedro do Atacama (norte do Chile) e a mesma distância do salar de Uyuni, sudoeste da Bolívia. Uma opção é conhecer os três destinos de uma vez: sair de La Paz de carro, passar pelo salar (e também pelo vulcão Potosí), vir para Salta e depois seguir para o Atacama. Neste caso, é necessário um carro 4×4 que enfrente os ripios (tipo de pedra das estradas, famosas por quebrarem para-brisas).
A repórter viajou a convite da Brazilian Adventure Society (bas.org.br) e do Governo da Província de Salta