Por Erika Salum, Mario Mele e Michael Roberts [Visionários]
Peter Yee & Hans Moritz, Oakley
Quando se considera que a Oakley é conhecida tanto por revolucionar os óculos de performance como por criar a estética esportiva moderna, pode ser surpreendente descobrir que até os designs mais técnicos começam com um rabisco no papel. “Estamos tentando apelar para o senso de liberdade e rebeldia das pessoas”, diz o diretor sênior de design Peter Yee, 41, que tem um dedo no desenho de mais de cem produtos desde que se juntou à empresa, em 1993. “Não é algo que simplesmente se possa espremer de um computador.” O mais recente projeto de Peter que, no fim, envolveu vários computadores, uniu-o em trabalho com Hans Moritz, 38, e outros membros do grupo de Design de Produtos Avançados da Oakley na nova coleção Elite, que inclui o modelo C Six, que custa US$ 4 mil – cada par requer mais de 24 horas de acabamento. Segundo Peter, “É a junção de ideias mirabolantes com a física do mundo real”.
[Sinergista]
Yves Béhar, Fuseproject
Quando Yves Béhar tinha 16 anos, decidiu unir duas grandes paixões, esqui e windsurf. Ele construiu uma gambiarra medonha parecida com um trenó com mastro e usou-a para atravessar lagos congelados na Suíça, sua terra natal. Atualmente, como um dos mais procurados desenhistas industriais do mundo, o designer de 42 anos continua a fazer combinações surpreendentes. Sua empresa, a Fuseproject, fundada em São Francisco (Califórnia, EUA) em 1999, oferece serviços exclusivos a seus clientes, unindo design de produto, branding e estratégia de marketing para compor “experiências impecáveis e histórias impecáveis” para os consumidores. Apesar de ter trabalhado com uma ampla lista de grandes marcas – Swarovski, Samsung, Birkenstock e muitas outras –, ele também trabalha com empresas novas, inclusive a One Laptop Per Child, para a qual desenhou o computador XO, de US$ 180, e um novo tablet (minicomputador que serve basicamente para ler e navegar na web), que sairá em 2010; e para a Mission Motors, que fez Yves projetar uma motocicleta elétrica que parece saída diretamente de Blade Runner. “Há a expectativa de que as coisas têm que ser desenhadas à frente da curva de energia”, diz ele. “Mas uma moto elétrica ainda assim deve te fazer sentir-se machão.”
[Eco-surfe]
Daniel Aranha, prancha ecológica e-board
Surfista desde os 7 anos e shaper há quase uma década, Daniel Aranha sempre teve consciência do quanto seu esporte do coração polui o meio ambiente. “É inacreditável a quantidade de gases emitidos para se fazer pranchas tradicionais em poliuretano e poliéster”, diz esse paulistano de 24 anos formado em engenharia de materiais. “Todos os componentes usados na produção derivam da extração do petróleo. Fora os resíduos que sobram desse processo.” Quando as discussões sobre aquecimento global ganharam força de uns anos para cá, ele decidiu que também faria sua parte para salvar o planeta e lançou-se um desafio: criar uma prancha que não agredisse a natureza, 100% livre de emissões de gases. A tarefa não era fácil: todo o material utilizado, da resina até a tinta, tinha de ser sustentável. O projeto começou a ser colocado em prática em novembro de 2008. Dez meses e 80 protótipos depois, Daniel já tinha em mãos sua versão final, batizada de e-board e lançada na feira de surfe ARS, na Califórnia. Para isso, o shaper desenvolveu uma resina epóxia a base de água e sem cheiro. O bloco da prancha, de poliestireno, também usa água para sua expansão, e não solvente, e o processo de expansão é livre de resíduos. Além disso, sua massa é 100% reciclável.
Já a longarina, que envolve e reforça o bloco, é de caixeta ou bambu com certificado de reflorestamento. Na pigmentação e coloração da prancha, são utilizadas somente bases orgânicas e naturais. Para dar um fim aos resíduos, foram encontradas duas opções, que ainda precisam de parceiros para serem comercializadas: esquentar o pó que sobra, extrair dele seu óleo e fazer sabonetes. Ou ainda triturar tudo, misturar ao betume, matéria-prima do asfalto, para pavimentação. Até as capas da prancha e quilha são feitas de PVC reciclado elaborado por uma cooperativa do Morro do Cantagalo, no Rio. O projeto contou com apoio da Osklen e do Instituto-e, voltado para a promoção de iniciativas sustentáveis. Também ganhou um selo “carbon free” da empresa CantorCO2, especializada em certificar se projetos como o de Daniel realmente conseguem neutralizar as emissões de gases estufa. A prancha, feita artesanalmente, pode ter o logo de ONGs como a WWF e a Sea Sheperd, que, em contrapartida, recebem parte das vendas. Por falar em valores, a e-board tem um preço salgado: custa, em média, R$ 1.600, quase o dobro de uma prancha normal. “Não criei a e-board só porque amo a natureza. Acredito que esse seja o caminho de quem trabalha nesse e em outros ramos: ou você se adapta às novas exigências ambientais de seu tempo ou está fora do mercado”, afirma.
[Eco Design]
José Wagner Garcia, Noosfera
“O design não é uma premissa estética, é uma necessidade”, diz o arquiteto José Wagner Garcia, sem hesitar. Quem passa em frente a uma casa projetada por ele não imagina que aquelas paredes dobradas com tetos suspensos que mais parecem um grande origami de concreto, aço e vidro, escondem total funcionalidade. “Eu chamaria de arquitetura algorítmica, que propõe uma coisa inaudita para pessoas ousadas e sensíveis”, diz Wagner, tentando achar uma definição para seu estilo arquitetônico. Apesar disso, ele continua sendo mais um artista do que um matemático. Os algoritmos, ou seja, o raciocínio baseado num processo numérico, que nesse caso é usado para estabelecer o formato de suas construções, são aplicados através do exclusivo software Design Evolucionário, desenvolvido em seu próprio escritório, o Noosfera.
O programa facilita a vida do projetista, gerando várias possibilidades de configuração estética. No entanto, seu objetivo principal é outro: colaborar para uma arquitetura sustentável. “A primeira coisa em que eu penso são os impactos ambientais”, diz Wagner. As paredes inclinadas e retorcidas, pela própria forma, podem reduzir as ondas de calor, interferir na acústica e ainda controlar a luz natural do ambiente. “Com isso, se está 37 ºC na parte externa, por exemplo, você consegue reduzir a temperatura a 27 ºC na parte interna, sem ter que ligar o ar condicionado”, explica. Um de seus trabalhos referenciais é uma residência na serra da Cantareira, em São Paulo, projetada no começo dessa década. Nela, duas vigas arredondadas seguram dois cubos suspensos, na verdade os aposentos da casa, que parecem flutuar sobre a serra. “Hoje, a mata já está tomando conta, até os macacos invadem. A intenção é se disponibilizar para a natureza, e não repeli-la”, conclui.
[Visão Global]
Peter Birch, Google Earth
Pergunte a Peter Birch qualquer coisa a respeito do Google Earth e ele voltará a dois temas: torná-lo mais poderoso e mais acessível. Isso para um programa que já foi baixado mais de 500 milhões de vezes e, basicamente, mudou a forma como planejamos nossas aventuras. Peter, 41, graduado em engenharia e administração, assumiu a gerência de produtos do Google Earth em 2006. Desde então, o programa introduziu imagens do oceano, da lua e de Marte (Google Solar System?), modelos 3-D das cidades e imagens históricas. O desenvolvimento mais impressionante do projeto desde seu lançamento é o Google Earth para iPhone. “Há cinco anos, a ideia de ter esse programa num aparelho nas suas mãos era uma fantasia. Mas ela se concretizou mais cedo do que poderíamos imaginar”, diz. O sonho a longo termo de Peter é criar um “espelho que reflete tudo, e de forma precisa”. Sua principal ferramenta: você. “A parte mais poderosa do Google Earth é que é uma plataforma”, diz. “Qualquer um que tenha informações geográficas tem que disponibilizá-las”.
[Música a jato]
Bruno De Marchi Filho & Armando Perico, Funstation
Você está indo tranquilamente para o trabalho quando bate aquela vontade de ouvir uma música específica. Não, ela não está em nenhuma lista de seu tocador de MP3. Se o mercado está entulhado de bons aparelhos e programas para você baixar e ouvir música, opções criativas de venda de conteúdo são ainda bem limitadas. Foi pensando nessas falhas que Bruno De Marchi Filho, 34, e Armando Perico, 23, criaram o Funstation. Tratam-se de totens espalhados em algumas lojas de São Paulo, Rio e Piauí que comercializam na hora músicas, vídeos, audiolivros e ringtones. Basta você plugar seu tocador, pendrive ou celular, escolher o que deseja e comprar ali mesmo na hora, em poucos segundos. As faixas são vendidas separadamente e, dependendo do local de venda, são disponibilizados conteúdo gratuitos – devidamente autorizados pelas gravadoras. “Empresas como a Apple pensam sempre no mercado europeu e americano, onde todo mundo tem computador e grana para comprar seu iPod”, diz Bruno.“Mas aqui a realidade é outra, principalmente quando se sai dos grandes centros urbanos.
No interior do país, as pessoas já têm celular, mas nem sempre têm meios de comprar um computador. Ignorar essa faixa de consumidores é idiotice.” Em alguns lugares, uma música pode ser comprada através da Funstation por menos de R$ 2. “Mas nossa grande vedete é o conteúdo gratuito, cedido pelas gravadoras que sacaram que podem se promover fazendo isso”, conta o músico. O pagamento é feito em dinheiro ou com cartões pré-pagos que usam pincode. A ideia é espalhar os totens por todas as regiões, principalmente em lugares de grande movimento como metrôs, supermercados, aeroportos e livrarias. A partir de 2010, o Funstation também oferecerá games.
[Produtor de Parques]
James Corner, James Corner Field Operations
James Corner não é muito chegado a lindos mirantes. “A experiência mais profunda da paisagem vem da participação física – usá-la”, afirma. Seu projeto mais famoso até agora – um incrível parque de caminhadas erguido numa estrada de ferro abandonada, a High Line, na ilha de Manhatan (Nova York, EUA) – certamente será muito bem utilizado. Mais cedo ou mais tarde, isso também acontecerá com o parque que pouco a pouco James está “criando” no infame aterro Fresh Kills, na vizinha Staten Island (seu plano-mestre demanda geração natural de solos e precisará de 30 anos para estar pronta para ser inaugurado). James, 47, presidente da University of Pennsylvania School of Design e chefe da James Corner Field Operations, que tem escritórios em Nova York e Filadélfia, é figura líder no grupo de paisagistas, redefinindo sua profissão com projetos enormes que recuperam espaços urbanos conturbados e os tornam, bem… divertidos. Para ele, isso significa amplificar atributos já existentes – mesmo que esses atributos sejam montes de lixo. “Usar o design para melhorar as experiências é diferente do que apenas usá-lo para fazer um parque com trilhas ou espaços abertos”, diz. “Estamos tentando dramatizar as coisas”.
[Energia Eólica]
Dudu Mazzocato
Depois que se formou em engenharia naval, em 1995, o brasileiro Dudu Mazzocato se juntou a ninguém menos que os norte-americanos Don Montague e Robby Naish, na mesma época em que a dupla trabalhava para tornar os equipamentos de kite viáveis (leia-se mais seguros). Desde então, ele vem colaborando com o kitesurf – e com outros esportes que se utilizam do vento –, criando softwares e fabricando pipas, barras e pranchas cada vez mais leves e eficientes. “Com Don e Robby aprendi que, na verdade, a criação começa com o desejo do usuário”, diz Dudu. “O mercado não é formado apenas por profissionais e, portanto, dou ênfase ao desenvolvimento de um produto que seja fácil e seguro de ser usado”, completa ele, que velejou pela primeira vez aos 8 anos, em Ilhabela.
Para Dudu, nunca estar plenamente satisfeito com a própria criação também é uma maneira de encarar o trabalho como uma constante evolução. “É muito difícil sentir aquela sensação de ‘eureca’. Somente com muito esforço você aprende uma coisa nova a cada dia”, diz. Isso não o impede de se lembrar dos bons momentos. “Os primeiros kites em produção permitiram que o mundo aprendesse esse esporte. Conseguir quebrar o recorde mundial de velocidade sobre a água, propulsionado pelo vento, em 2005, graças a uma vela de windsurf que criamos, foi outro grande acontecimento.” Hoje o recorde pertence ao trimarã francês Hydropter, que chegou a 83 km/h. Mas, no que depender de Dudu, isso será por pouco tempo. Junto a Don Montague e a uma afiada equipe de engenheiros, ele atualmente concentra suas forças no inédito kiteboat, um catamarã impulsionado por pipas gigantes que podem chegar a até 100 metros quadrados (a pipa de um kiteboard varia entre 8 e 16 metros quadrados). “É uma inovação substituir as tradicionais velas por uma pipa”, conta. “Mas creio que teremos bons resultados que, além da quebra do recorde, poderão ser usados em outras áreas.”
[Corredores de Números]
Michael Tchao & Stefan Olander, Nike+
“Não há nada mais valioso para as pessoas do que suas próprias conquistas”, diz Stefan Olander, 42, diretor de conexões globais de marca da Nike. E esta é a ideia básica por trás da Nike+: dar aos corredores um sistema simples que registre sua velocidade e distância para que alcem seu próprio voo. Lançado em 2006, o Nike+ não foi o primeiro aparelho a registrar esses números. Mas as traquitanas da marca – um sensor embutido no tênis que, sem fios, transmite as informações para seu iPod – tornaram o processo fácil e barato (R$ XXX para o kit de primeira geração). O resultado: dois milhões de corredores desde então começaram a registrar sua quilometragem e colocar seus resultados na internet, em nikeplus.com (e, mais recentemente, postar desafios e rotas favoritas). Atualmente, Stefan espera aumentar essa comunidade oferecendo mais ferramentas para interpretar e divulgar os números enquanto Michael Tchao, 46, gerente geral da Nike TechLab/Nike+, faz experimentos com as novas capacidades de captação de dados do hardware. “No espaço onde o físico e o digital convergem”, diz Stefan, “temos uma oportunidade incrível de tornar os esportes mais ricos e divertidos – e com isso tornar os atletas melhores”.
[Off Road ]
Rogério Farias
Mesmo que o cearense Rogério Farias teime em dizer que o jipe Troller não foi sua melhor criação, uma coisa é certa: foi a que fez mais sucesso. Ele já havia assinado invenções anteriores insubstituíveis, como o carro Anfíbio – uma espécie de buggy que, graças ao motor propulsionado por hélices e à carroceria reforçada, era capaz de flutuar e atravessar pequenas distâncias sobre a água.
O Troller, apesar da aparência tradicional de um 4×4, guarda peculiaridades. A principal é o chassi tubular e vedado, para afastar qualquer possibilidade de ser corroído pela maresia do litoral cearense. A também a tinta especial, mais “elástica” quando seca, para que a pintura não se descasque com as inevitáveis pancadas na trilha. “Sempre fui um apaixonado por jipes e pela sensação de liberdade”, entrega Rogério. “Portanto, minha ideia era fazer um carro capaz de transpor as dunas, que me permitisse desbravar o lugar onde moro.”
No começo de tudo, em 1994, eram produzidos no máximo três veículos por mês – um trabalho artesanal que durou até 1998, quando o empresário Mário Araripe entrou para a sociedade e uma linha de produção foi estabelecida. “O que faz um projeto crescer são as críticas. Elas machucam, mas sem elas você não evolui”, acredita Rogério, que vendeu as primeiras unidades aos amigos.
Em 2007, a Ford assumiu a administração da Troller. E Rogério, que se desligou da empresa antes disso, em 2002, continua até hoje como um fornecedor de peças. “O Troller é um carro específico para quem gosta de aventura. É como comprar uma Harley-Davidson, só quem gosta e convive com esse mundo vai entender. Hoje mesmo comprei um Troller novo pra mim”, finaliza, sem ironia.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2010)
Fotos Emily Shur