Por Bruce Barcott
NUMA TARDE GELADA de quarta-feira em dezembro, o Centro de Artes de Big Bear Lake, na Califórnia, está coalhado de garotos. É noite de filmes do Warren Miller – lendário diretor de documentários sobre esqui e outros esportes outdoor – na cidadezinha de montanha logo acima de Los Angeles, e uma multidão de novatos locais, todos com seus cabelos desgrenhados e bonés da moda, estão balançando em suas cadeiras como se fossem macacos que acabaram de tomar Red Bull.
Em meio a esse festival de déficit de atenção, um garoto alto e calado passa pelo corredor, parando para conversar com adultos no caminho. Ele tem um sorriso tímido e olhos amendoados que espiam por detrás de uma cortina aberta de cabelos castanhos e ondulados. Seu nome é Jordan Romero e ele tem 13 anos. Em maio, ele pretende se tornar a pessoa mais jovem a escalar o monte Everest. Caso consiga, poderá ser um dos garotos famosos mais jovens de sua geração. Com cada vez mais colegas jogando videogame, lutando contra a obesidade e contraindo diabetes, ele pode se tornar um poderoso exemplo contrário. E Jordan quer inspirar os garotos norte-americanos a escalarem suas próprias montanhas. Ou, pelo menos, levantar o traseiro da cadeira.
Mas nesta noite ele espera inspirar seus vizinhos a contribuírem com algum dinheiro para seu desafio. Jordan terá que desembolsar US$ 40 mil para escalar o Everest, e sua equipe inclui seu pai, Paul Romero, 40, e a companheira dele Karen Lundgren, 44, ambos corredores de aventura profissionais. Eles se intitulam Team Romero, e o Everest é apenas uma parte do seu objetivo final. Se Jordan escalar a montanha mais alta do planeta e também o monte Vinson, na Antártica, terá se tornado a pessoa mais jovem a escalar os Sete Cumes, pontos mais altos de cada continente. Poucas pessoas conseguiram vencer o sétimo cume antes dos trinta. Pode ser que Jordan consiga fazê-lo antes mesmo de aprender a se barbear.
As luzes diminuem. Uma imagem de Jordan enche a tela. “Um cinegrafista local editou isso para nós”, cochicha Paul. “Eu ainda não vi.” Começa a narração: “Aos 13 anos de idade, Jordan Romero, de Big Bear, já conseguiu algo que muitos montanhistas com três ou quatro vezes a sua idade apenas sonham… Quando tinha 9 anos, Jordan inspirou-se num painel apresentado em sua escola a respeito dos Sete Cumes, e disse a seu pai, Paul, que queria realizar tal feito. Paul Romero, paramédico aéreo e corredor de aventura, juntamente com sua companheira, Karen Lundgren, seriam os treinadores perfeitos para realizar o sonho de Jordan.
E eles não perderam muito tempo. Quando Jordan tinha 10 anos, escalou o monte Kilimanjaro (África, 5.895 metros), o monte Kosciusko (Austrália, 2.228 metros) e o monte Elbrus (Europa, 5.642 metros). Aos 11, estabeleceu o recorde de idade escalando o Aconcágua, na América do Sul, com seus 6.959 metros, e o Denali, na América do Norte, com 6.194 metros. No ano passado, ele escalou a Pirâmide Carstensz, ponto mais alto da Oceania, com 4.884 metros, também conhecido como o “oitavo cume”. Assim, ficam faltando apenas o Massivo Vinson, na Antártica, com 4.897 metros, e o Everest, com 8.848 metros.
E a narração continua: “O lema de Jordan, Ad Alta (‘Para o Cume’), capta o espírito da sua jornada… A importância de se estabelecer e atingir objetivos, viver uma vida ativa e saudável, e ser um modelo para outros garotos, fazem parte do seu desafio”. Paul Romero gosta do que vê. “Ótimo trabalho”, diz ao final do filme. “Espetacular.” Jordan sobe ao palco para contar à galera da campanha saia-de-casa-e-caminhe que ele está liderando. “Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer a todos pela presença”, diz. “Bom, eu quero contar a vocês a respeito do Seven Summits Youth Challenge [Desafio Jovem dos Sete Cumes], que é um desafio a todos os jovens, para que subam as sete montanhas mais altas da região de Big Bear.”
Ele é um pouco tímido, e está submerso em uma camisa extra grande. Mas a plateia o saúda e ele corre de volta à sua cadeira, aliviado por ter terminado a sua parte. Seus amigos tiram um sarro durante algum tempo. Logo o filme de Warren Miller começa e ele volta à sua condição de anônimo, apenas mais um garoto empolgado com a visão de muita neve.
Em vários aspectos, Jordan é um garoto normal, em outros ele não é. Ou talvez seja tudo um grande engano. Talvez Jordan Romero represente o que um garoto de 13 anos deveria ser.
ESPERE AÍ. 13? NO EVEREST? Isso mesmo. Um novo fenômeno emergiu no mundo da aventura: garotos realizando feitos monstruosos. No mar, a quebra de recordes se transformou numa gincana de idades, com marinheiros cada vez mais jovens içando as velas assim que o recordista anterior atraca. Em 1968, o marinheiro britânico de 29 anos Robin Knox-Johnston completou a primeira circunavegação do globo em solitário. No ano passado, dois garotos de 17 anos, o americano Zac Sunderland e o britânico Mike Perham, repetiram a jornada. A australiana Jessica Watson, 16, está na metade do caminho da sua navegação solitária, e a irmã mais nova de Zac, Abby, também com 16, saiu em janeiro, com a intenção de quebrar a marca do irmão.
Há algo semelhante acontecendo nas montanhas. Anos depois do empresário das estações de esqui Dick Bass ter inventado a loucura da lista de cumes continentais em 1985, a lista de escaladores que a completaram mais parece um rol de estrelas do alpinismo, que vai desde o incomparável Reinhold Messner até o lendário guia neozelandês Rob Hall. Atualmente, há escaladores que conseguiriam incluir os Sete Cumes em seu histórico escolar. Há três anos, a norte-americana de 18 anos Samantha Larson subiu ao cume do Everest. Ela não bateu o recorde de idade que pertence a Ming Kipa Sherpa, garota nepalesa que fez o cume aos 15 anos, em 2003, mas arrancou o título de “mais jovem montanhista a alcançar os Sete Cumes” de Rhys Miles Jones, britânico que ensacou seu sétimo cume aos 20.
Foram tantos adolescentes que apareceram no Campo Base Sul do Everest na última primavera, que receberam o apelido de Brat Pack [que é o termo usado pelos norte-americanos para um grupo de jovens que tiveram rápido sucesso numa determinada profissão]. Lá estavam Johnny Strange, vindo do sul da Califórnia, Johnny Collinson, rato de esqui de Utah, e Erica Dohring, escaladora vinda dos arredores de Phoenix – todos os três com 17 anos. Erica desistiu no meio do ataque ao cume, mas os dois Johnnys subiram, um ultrapassando o outro, em expedições separadas, chegando ao cume com 24 horas de diferença. Algumas semanas mais tarde, Johnny Strange ticou o item Kosciusko da Austrália como a última tarefa do seu desafio dos Sete Cumes, roubando o título do “mais jovem” de Samantha Larson. Johnny Collinson foi escalar seu sétimo cume em janeiro. Apesar de não ser o mais jovem, ele adicionou uma cereja ao seu bolo: escalou os sete em um ano (bem, 367 dias).
Toda essa brincadeira de criança está chamando a atenção da comunidade aventureira – e, às vezes, da comunidade legislativa também. Entrevistando um número de conhecidos escaladores e guias do Everest, não encontrei um único sequer que acreditasse que guiar um adolescente de 13 anos até a montanha mais alta do mundo fosse uma boa ideia. Apesar de um escalador dessa idade poder possuir a energia necessária, e apesar de todos os adolescentes usarem oxigênio suplementar em suas ascensões, a maioria dos guias tinha sérias reservas a respeito da força emocional, sensibilidade psicológica e o bom e velho know-how. “Eu não vejo como jovens abaixo dos 18 anos possam ter experiência suficiente sobre o montanhismo ou sobre si mesmos para entrar com segurança num projeto como esse”, disse Russell Brice, um dos mais bem-sucedidos guias do Everest.
Elizabeth Hawley, historiadora do montanhismo estabelecida em Katmandu, não é a favor dos limites de idade. Mas sobre os garotos de 17 anos ela declara: “É uma idade muito jovem para se estar escalando montanhas gigantes”. O físico dos adolescentes ainda não está totalmente formado, ela disse, “e da mesma forma, se não mais importante, seu bom senso e seus reflexos baseados na experiência ainda não tiveram tempo para serem bem desenvolvidos”.
No ano passado, preocupações semelhantes levaram as autoridades holandesas a deixar de castigo Laura Dekker, adolescente de 13 anos de idade que queria dar a volta ao mundo velejando sozinha. O desejo de Laura, e a intenção de seu pai de deixá-la ir, desencadeou uma comoção internacional a respeito do limite entre aventuras ousadas e ameaças a crianças. Na Holanda, pelo menos, essa linha divisória da legalidade foi estabelecida. Em outubro, um tribunal holandês colocou a garota sob tutela temporária (ela ainda vive em sua própria casa, mas precisa de permissão para velejar). Os Dekker apelaram, na esperança de que Laura ainda consiga bater o recorde de idade.
Os tribunais norte-americanos não demonstraram a intenção de ir tão longe, e a mãe de Jordan, Leigh Anne Drake, professora e patrulheira de esqui que compartilha a guarda de Jordan com o pai, apoia a ambição do filho. “Quando eu penso em Jordan no Everest, me parte o coração”, afirma. “Eu perco o fôlego só de pensar nos riscos. Mas por outro lado, fico muito empolgada com as oportunidades que o alpinismo lhe trouxe. Ele se abriu para o mundo e amadureceu muito por causa disso.”
Mas se algo der errado com o Team Romero no Everest – e, convenhamos, é o Everest, tudo pode acontecer – a comoção poderá ofuscar qualquer coisa que tenhamos visto em relação a tragédias anteriores. Um adulto que morre escalando pode causar comentários de desaprovação do mundo não escalador, mas a morte de um garoto poderia trazer para a briga Nancy Grace, comentarista jurídica da CNN, e uma tropa de deputados enfurecidos. “O que esses garotos estão fazendo não é necessariamente uma coisa má”, diz Todd Burleson, cuja empresa Alpine Ascents International guiou Johnny Strange no Vinson. “Mas quando começarmos a enterrar garotos no Everest, aí será uma história diferente. E, à medida que aumenta o número de jovens ali, aumentam as chances de que isso aconteça.”
O TEAM ROMERO TREINA MUITO para evitar que isso aconteça. Jordan pensa o tempo todo no Everest. Treina todos os dias. Ele tem piquetas de gelo penduradas na parede, ao lado de um pôster do Ed Viesturs e um mapa gigante do Grande E. A família tem duas câmaras hipóxicas de quatro mil dólares emprestadas para simular os efeitos de se dormir no ar rarefeito.
Em janeiro, Jordan aderiu a um programa de estudos independentes, para poder treinar durante o dia e estudar durante a noite. A família partiu para o Everest em abril, planejando atacar o cume no começo de maio pela face norte (tibetana), em vez de ir pela face mais popular, a sul (nepalesa). “Eu e a Karen fomos ao Himalaia em maio do ano passado, para escalar o Nuptse, montanha de 7.861 metros próxima ao Everest”, diz Paul. A dupla desistiu a 300 metros do cume, o que não foi problema para eles, já que haviam ido lá principalmente para pesquisar a rota do Everest, que os escaladores do Nuptse usam antes de tomar a bifurcação a 7.300 metros. “Eu aprendi uma coisa”, diz Paul. “A cascata de gelo do Khumbu é um lugar que eu nunca mais quero visitar. Foi como jogar roleta russa. Vimos seracs [blocos de gelo que, amontoados, formam os glaciares] imensos caindo. Uma pessoa morreu. Foi o que me convenceu a não querer levar Jordan na via tradicional.”
Em vez disso, eles vão avançar pela parede rochosa e vertical da Aresta Nordeste. Indo por esse caminho eles economizam dinheiro, porque a autorização chinesa é mais barata, além de evitar o limite mínimo de idade estabelecido pelo governo do Nepal. Há dez anos, o garoto nepalês de 15 anos Temba Tsheri perdeu cinco dedos durante uma investida no Everest, o que resultou na proibição de montanhistas menores de 16 anos pelo lado nepalês. Na China não há nenhuma regra desse tipo.
Além da idade de Jordan, a maior polêmica gerada pela Team Romero é a seguinte: eles irão escalar sem guia. “Até agora fizemos todas as nossas escaladas dessa forma, menos o Kilimanjaro, onde o guia local é obrigatório”, diz Karen. “Nós escalamos como corremos – muito leves, levando apenas o absolutamente necessário. E não há quem possa nos convencer de que o Jordan é muito novo para isso.”
É uma autoconfiança que nasceu em parte da necessidade. Um guia profissional iria cobrar o dobro e isso quebraria o já limitado orçamento da equipe. Eles têm pelo menos uma dúzia de patrocínios de empresas como palmilhas Sole, botas Vasque, fogareiros Jetboil e bebidas energéticas FRS, contribuindo com equipamentos, e recentemente Jordan recebeu um patrocínio de US$ 5 mil da Polartec Challenge. Mas a maior parte dos US$ 120 mil da expedição vem das economias da família.
Paul e Karen acreditam que a experiência deles como corredores de aventura irá ajudá-los na resistência, manuseio das cordas e tomadas de decisão. Além disso, Paul tem a experiência de ser um paramédico profissional de resgate aéreo. “Chegaremos aclimatados, tendo dormido em nossas barracas hipóxicas nas últimas cinco semanas a 2.000 metros de altitude em Big Bear”, diz Paul. “Então não precisaremos fazer o esquema de subir muito e descer para dormir. Escalaremos o menos possível, economizando nossa energia e evitando a perda de tempo.”
Parece lógico, mas alguns veteranos do Everest encaram as tendas hipóxicas com um certo ceticismo. Sua falta de experiência também causa alguma preocupação – a única experiência de Himalaia de Paul e Karen é o Nuptse e Jordan nunca esteve acima de 6.959 metros de altitude. “Eu ficaria muito preocupado pelos outros escaladores ao redor desse menino”, diz Russell Brice, “e certamente evitaria levar minha equipe ao cume no mesmo dia deles”.
Se Jordan fizer mesmo o cume, será o único adolescente a tê-lo feito sem um guia profissional na outra ponta da corda. Até mesmo a Sherpa Ming Kipa, de 15 anos, escalou com sua irmã mais velha, que já havia feito o cume duas vezes. Os adolescentes do ano passado todos foram guiados por pessoas experientes: Scott Woolums (com Johnny Strange), Damian Benegas (com Johnny Collinson) e Dave Hahn (com Erica Dohring). Foram necessários os olhos experientes de Hahn, que já esteve no Everest onze vezes, para reconhecer que Erica estava subindo muito lentamente para fazer cume e voltar viva. Ele estava confortável guiando a menina porque já havia trabalhado com ela no Denali. Mas guiar um adolescente de 13 anos, ele diz, “não é uma situação em que alguém queira se envolver. É muito perigoso”.
A Team Romero não está indo totalmente por conta própria. A Sherpa Adventure Travel, empresa de Katmandu, irá fornecer estrutura de acampamento base, comida, oxigênio e três Sherpas escaladores para o ataque ao cume. Esse tipo de pacote de apoio com Sherpa está ficando mais comum no Everest atualmente, com algumas agências pedindo apenas US$ 28.800 em vez dos US$ 65 mil cobrados pelo serviço completo por algumas agências. “Devido ao alto nível de segurança e sucesso com a melhora das operadoras de Everest”, diz Guy Cotter, diretor do serviço de guias Adventure Consultants, “fica fácil acreditar que escalar o Everest não é tão difícil ou tão perigoso… Mas muitas expedições que se apoiam apenas nos Sherpas falham, a não ser que o líder ocidental tenha muita experiência em levar uma expedição de 8 mil metros”.
Há alguns anos, Guy trabalhou com Chris Harris, garoto australiano que, aos 12 anos, teve vontade de subir a montanha. Os guias de Guy trabalharam o garoto progressivamente em montanhas mais e mais desafiadoras até que, em 2006, aos 15, Chris declarou estar preparado. Fazendo o cume, ele se tornaria a pessoa mais jovem a pisar no topo do Everest. Guy aceitou, mas com a condição de que Chris e seu pai fizessem uma escalada “privada”, ou seja: contratassem guias exclusivos para eles. Os Harris desistiram. “Eles não tinham a real noção do que seria levar escaladores jovens demais ao Everest”, diz Guy. “Você tem que se precaver e estabelecer um esquema de segurança suficiente para lidar com qualquer eventualidade.”
Na verdade, os Harris passaram raspando por uma tragédia. Eles se inscreveram no 7 Summits Club, serviço Russo à la carte, cuja lista de clientes incluía o montanhista alemão Thomas Weber, que morreu perto do cume, e Lincoln Hall, que foi dado como morto até ser resgatado por uma outra expedição no dia seguinte. O mal de altitude barrou a escalada de Chris Harris, talvez por sorte.
Os Romero já se depararam com ceticismo antes. Quando Jordan tinha 11 anos, tiveram que obter um mandado judicial na Argentina para autorizar a escalada de Jordan no Aconcágua, que tem um limite rígido de idade de 14 anos. “Eu sei que há críticas por aí”, diz Paul. “Mas eu não posso ficar perdendo tempo com isso. É claro que eu penso. É uma das coisas que passa pela minha cabeça quando vou me deitar. Karen e eu pesamos isso o tempo todo. Mas me sinto mais confiante e forte do que nunca ao ver como Jordan e a equipe se desenvolvem. Fisicamente, Jordan está muito forte. Claro que eu sei que isso vale apenas 5% no Everest.” O que preocupa são os outros 95%.
OS ROMERO VIVEM num bairro afastado, numa casa cercada de pinheiros ponderosa. Quando passo pela residência na manhã seguinte à exibição do filme, o lugar está fervilhando. Enquanto Jordan está na escola, cursando a oitava série na Big Bear Middle School, Paul desfaz as malas da recente viagem da família à América do Sul, onde competiram na extenuante corrida de aventuras Ecomotion, no Brasil. “Ficamos em terceiro lugar, o que foi um pouco decepcionante.”
Paul é um cara eternamente sorridente e ridiculamente bem preparado, com o físico longilíneo de um montanhista. Ele fala num Bluetooth e veste uma camiseta de evento cheia de patrocinadores. Ele fala como se tivesse sofrido uma lavagem cerebral para remover qualquer resíduo de pessimismo ou dúvida. Sua secretária eletrônica encoraja quem liga com um “Vá rápido, arrisque!”.
Karen trabalha no laptop na cozinha. Atrás dela, quatro relógios de parede mostram a hora local em Beijing, São Paulo, Christchurch e Londres. Na parede da sala há mais de uma dúzia de fotos de cumes e capas de revistas, inclusive a favorita do garoto, Weekly Reader. Na porta de entrada há um pôster de Jordan, todo equipado, num cume de montanha feito em estúdio.
Enquanto Paul conversa no Bluetooth, me vem uma sensação de déjà vu. Leva um segundo, mas finalmente me dou conta: sinto-me entrando num filme de Wes Anderson, A Vida Marinha com Steve Zissou ou Os Excêntricos Tenenbaums, onde paixões estranhas são tratadas com indiferença, como fazendo parte da rotina. A Vida Aventureira da Família Romero.
– Karen, você sabe a que horas J. chega em casa?
– Hoje é meio período, acho que lá pelo meio-dia.
O relógio que mostra a hora local marca 12:15. “O que será que o está atrasando?”, questiona Paul. Ele e Karen discutem a rotina vespertina de Jordan. “Eu estava pensando em arrastar uns pneus, talvez andar um pouco com raquetes de neve e pedalar ao redor do lago”, diz Paul. “Precisamos também de um tempo para repassar o discurso no Rotary de hoje à noite”, relembra Karen.
Às 12:45 Jordan se arrasta pela entrada da casa. Com seu cabelo desgrenhado, bonezinho enfiado na cabeça e seu caminhar, é um típico garoto de oitava série.
– O que você aprendeu hoje?, pergunta Paul.
– Umas coisas.
– Fala uma, pressiona Paul.
– Sobre reações atômicas.
– O que sobre reações atômicas?”
– Que eu não gostaria de estar perto quando uma acontecesse.
O pai sorri. Um ponto para o garoto. Paul relata os planos para a tarde. “Quantas vezes você acha que devemos arrastar pneus esta tarde?” Jordan matuta uns segundos. “Mmm, cinco?”. “Já faz um tempo”, diz Paul após uma longa pausa. “Tá bom, dez”, responde Jordan, entendendo a dica.
Depois de uma rápida troca para a roupa de treino, Jordan põe nas costas uma mochila carregada de pedras e clipa sua cadeirinha de escalada a um radial BF Goodrich Traction T/A. Ele arrasta o pneu até o pé da ladeira de 400 metros onde fica sua casa, e logo bufa até o topo. Vira e faz mais uma vez. E mais uma vez.
– O que te vem à cabeça enquanto você faz isso?, pergunto.
– Eu só penso o quanto isso me deixa mais forte, responde.
No meio da oitava puxada, Karen chama. “Hora de parar, Jordan! Seu pai fez um sanduíche de peru para você.” Na cozinha, Jordan devora a comida. “Como estão suas pernas, J?”, pergunta Paul. “Bem”. E logo, mais alto: “Fortes”. “Bom garoto”, orgulha-se o pai.
Quando Jordan vai para sua volta de onze quilômetros na bike, Paul, Karen e eu sentamo-nos ao lado da lareira. “Esse é um projeto do Jordan”, Paul me assegura. No começo Jordan falava sobre isso como uma coisa para fazer no futuro, mas quanto mais a família conversava a respeito, mais ele pensava: por que não agora? “Nós verificamos regularmente se isso ainda é o que o Jordan quer fazer, que ele está curtindo”, diz Paul.
Umas poucas pessoas com quem conversei no mundo da corrida de aventura questionam a motivação de Jordan. Será que o garoto realmente quer fazer a escalada, ou será que é o pai, levando sua paixão pela aventura (e talvez seu ego) a perigosos extremos? “O pai de Jordan é meio maluco, meio… intenso”, diz um escalador que já trabalhou com a família. E é verdade. Pessoalmente, Paul emana um tipo de energia excêntrica, apesar de parecer muito bem equilibrado com a presença centrada e ponderada de Karen. “Isso não é para ser a cena de um pai maluco alimentando seu ego ou sua fama com os feitos do filho”, insiste Paul. “Quando ele chegar eu pergunto na sua frente, se quiser.” “Não precisa”, respondo.
Mais tarde, quando Paul sai da sala, eu pergunto ao Jordan como ele responde quando lhe perguntam se ele não é muito novo para o Everest. “A incredulidade das outras pessoas só me faz mais forte”, responde. “Estou determinado a provar que elas estão erradas.”
Pergunto do que ele mais gosta nessa busca. “Eu me foco no objetivo que estabeleci quando tinha 9 anos de idade, que é escalar os Sete Cumes. Eu simplesmente não vou desistir. Não vou parar por nada. Eu não deixo que a dúvida de outras pessoas me esmoreça.”
MAS HÁ UM FANTASMA que assombra esses jovens sonhos: Jessica Dubroff. Jessica era uma criança californiana de 7 anos que sonhava em se tornar a pessoa mais jovem a voar através dos Estados Unidos. Em abril de 1996, enquanto ainda era um piloto trainee – e ainda tinha 7 anos – ela assumiu os controles de um Cessna 177 Cardinal e decolou de um local próximo a São Francisco, acompanhada do seu pai e instrutor de voo. Ela precisava de uma almofada extra para conseguir ver através do parabrisa.
Enquanto Jessica e seus acompanhantes brincavam de voar em direção ao leste, a atenção da mídia crescia. Logo o desastre se abateu. Em Cheyenne, Wyoming, ela decolou em meio a uma tempestade pesada. O Cessna estolou e caiu logo depois da decolagem, matando todos a bordo. O que poderia ser uma história fofa a respeito de uma garotinha corajosa transformou-se em um festival de culpa. O governo norte-americano (FAA – Federal Aviation Administration) não emite mais brevês para ninguém com menos de 17 anos.
A combinação de quebra de recordes com altitudes elevadas pode levar a uma trágica semelhança com o caso anterior. Recordes de idade têm um limite: Ou você ganha o troféu até uma certa idade, ou não. Essa é exatamente a atitude equivocada para se ter quando se está na Zona da Morte.
Os Romero já ouviram tudo isso antes. “Não importa realmente que idade se tem”, diz Jordan. “Eu sou uma pessoa muito forte. Quando vou à montanha, estou física e mentalmente preparado.” E com isso seu pai concorda: “O que importa é o que está entre as orelhas”.
Talvez sim, mas o que há entre as orelhas adolescentes? A sociedade estabeleceu vários tipos de limites para os garotos. Na maioria dos estados norte-americanos, não se pode fazer sexo antes dos 16. Não podem se alistar no exército antes dos 17. Aos 18, podem votar, comprar cigarros e ir para a cadeia. Aos 21, as portas se abrem para pecados acima de qualquer limite: jogo e bebida. Esses números não são arbitrários, são estabelecidos a partir de um conhecimento comum a respeito da maturidade psicológica. Qualquer um com 15 anos consegue fumar, beber, deitar e rolar. Mas talvez não tenham juízo para avaliar tudo isso.
Alguns poucos estudos foram feitos com garotos em altitudes elevadas, mas o que a ciência consegue nos dizer é isto: o cérebro adolescente funciona de forma diferente. Na última década, a tecnologia de ressonância magnética demonstrou que o cérebro adolescente está apenas 80% desenvolvido. As áreas que controlam as funções espaciais, sensoriais, auditivas e de linguagem estão maduras, mas o lobo frontal, responsável pela razão, planejamento e avaliação ainda não está totalmente maduro até os 20 e poucos anos.
“Não é falta de experiência”, diz a doutora Lynn Ponton, psiquiatra de São Francisco (Califórnia) e autora do livro The Romance of Risk: Why Teenagers Do the Things They Do [O Romance do Risco: Por que Adolescentes Fazem o que Fazem]. “É o desenvolvimento físico do cérebro. Alguns desses garotos podem ter escalado dez montanhas, mas ainda assim não têm a capacidade de tomar decisões ou escolhas sofisticadas. E isso engana as pessoas. Seus pais podem pensar que os filhos já fizeram isso ou aquilo – e que estão prontos para desafios ainda maiores. Mas seu cérebro ainda está se desenvolvendo”, finaliza a médica.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2010)
TEAM ROMERO: Jordan, Paul e Karen