Você (ainda) não acredita em aquecimento global?

Por Erika Sallum e Yuri Vasconcelos

LEIA AS SEGUINTES ALTERNATIVAS e escolha a que melhor espelha sua opinião sobre o aquecimento da Terra:

a) lógico que acredito;


b) é tudo mentira;


c) para ser sincero, não sei direito o que eu acho, ando meio confuso.

Se você optou pela última resposta, não fique acanhado, você não está sozinho. Há meses as discussões sobre mudanças climáticas têm gerado tamanha enxurrada de informações, muitas delas contraditórias, que está cada vez mais difícil saber em quem confiar. Manipulação política? Conspiração da indústria do petróleo? Armação de ambientalistas inescrupulosos para enganar leigos? Afinal, por que há tanta confusão envolvendo o tema? E, o mais importante, existe mesmo uma ameaça climática?

A Go Outside resolveu te dar uma força e saiu em busca de respostas para essas e muitas outras perguntas a respeito do clima. A ideia central deste dossiê é dissecar o que já está acontecendo no planeta e, quando possível, revelar o que pode vir a ocorrer conosco no futuro. Durante dois meses, nossa equipe de reportagem selecionou os principais fatos que ajudam a demonstrar se, e como, o equilíbrio da Terra vem sendo alterado devido às elevações de temperatura. Foram consultados alguns dos especialistas mais renomados do Brasil, além das pesquisas mais recentes.

Com o perdão do trocadilho, esse se trata de um tema quentíssimo. Nunca na história da ciência teorias e modelos tornaram-se tão populares mundo afora. Mais do que terrorismo, tráfico de drogas ou perigo atômico, o clima é a questão internacional de maior relevância da atualidade. Principalmente por dois motivos: primeiro, porque suas soluções dependem do engajamento de todas as nações coletivamente, e não só de uns poucos países. Segundo, essas soluções envolvem, necessariamente, uma ambiciosa revisão de hábitos e paradigmas relacionados à forma como o homem se comporta neste planeta. Como bem descreveu o jornalista Claudio Angelo, em seu livro O Aquecimento Global, reverter a situação significaria “não só abandonar rapidamente um modelo de produção de energia que opera com sucesso desde o século 19, mas abrir mão de padrões de produção e consumo aos quais todos os seres humanos aspiram”.


COMEÇO: Sessão de abertura do IPCC, na sede da União Europeia, em Bruxelas, na Bélgica, em abril de 2007

POR TUDO ISSO, O DEBATE CLIMÁTICO acabou extrapolando a arena científica. “Deixou de ser tratado como caso de ciência e virou parte de um grande jogo político”, diz o professor Tércio Ambrizzi, especialista do clima e diretor do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Como consequência, seus debatedores dividiram-se em diversas frentes. Nas extremidades mais radicais, está, de um lado, a corrente dos chamados “céticos do clima” ou “negacionistas”, que protesta dizendo que pouco se sabe sobre o aquecimento global e que, por isso, mudar nossos hábitos seria condenar a humanidade à pobreza e mediocridade. Esse é o discurso de muitos setores nos Estados Unidos, especialmente da ala republicana ligada à grande indústria do carvão e petróleo. Na outra ponta do ringue, a corrente furiosa dos defensores do aquecimento contra-ataca, defendendo que, se nada for feito, destruiremos a Terra num futuro não tão distante. Um dos mais influentes articuladores desse grupo, o Greenpeace, começou recentemente a dar nome aos bois: segundo a ONG ambiental, multinacionais como a Koch, gigante da indústria energética, estariam financiando largamente pesquisas para negar a ocorrência do aquecimento.

As divisões não são simples, nem se restringem a defensores e céticos do clima. Em nível internacional, há um racha profundo entre países emergentes e nações ricas desde que estas últimas declararam que é preciso conter a ameaça climática por meio de um controle maior sobre a maneira como regiões mais desfavorecidas se desenvolverão, e consumirão recursos naturais, daqui para frente. Nesse ponto, a peleja se divide entre Estados Unidos e Europa, contra Brasil, China e Índia, que acreditam que não poluíram tanto quanto os rivais e que merecem se desenvolver como bem entenderem.

DA POPULARIZAÇÃO, VEIO A ESPETACULARIZAÇÃO. “Ao se popularizar, o assunto passou a ser tratado de forma excessivamente simplista, em que, geralmente, imagens catastróficas acompanham textos imprecisos”, afirma Ambrizzi. O professor integra um seleto grupo de cientistas que participou da produção e revisão do mais importante documento global sobre o clima, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). O órgão, criado pelas Nações Unidas, em 1988, não faz pesquisa, apenas avalia estudos já publicados. Reúne cerca de dois mil cientistas de 113 países com a função de analisar informações disponíveis sobre os efeitos das mudanças climáticas, destacar seus impactos ambientais e socioeconômicos e traçar respostas estratégicas para conter e minimizar o fenômeno. Até hoje, produziu quatro relatórios de avaliação, sendo o mais recente de 2007. No documento, afirmou-se que o aquecimento do sistema climático era mesmo “inequívoco” e que, “muito provavelmente”, a causa de grande parte dele seria a ação humana.

Nos últimos meses, no entanto, o quarto relatório (conhecido pela sigla AR4, de Assessment Report 4) virou alvo de ataques violentos. Tudo por causa de uma crise de confiança detonada em novembro de 2009, quando foram tornados públicos emails roubados do servidor de uma universidade europeia, cujo teor sugeria que seus pesquisadores tentariam bloquear no IPCC estudos que atacassem as teses do aquecimento global. O bafafá causou alvoroço e terminou ganhando o apelido infame de Climategate, em referência ao escândalo de Watergate que derrubou o presidente norte-americano Richard Nixon. (Em tempo: em meados de abril deste ano, um inquérito independente conduzido pela universidade inocentou os cientistas que escreveram os tais emails, afirmando que eles não agiram de má-fé e que em nenhum momento fraudaram qualquer pesquisa ou manipularam dados.)


DESTRUIÇÃO: A passagem do furacão Katrina, em Nova Orleans (EUA), é só um indício da força dos furacões do futuro próximo

O episódio do Climategate deu-se um mês antes do maior evento anual na área, a Conferência das Partes sobre o Clima, conhecida pelas iniciais COP, que, em 2009, foi realizado em Copenhague. Como se sabe, a conferência revelou-se um fiasco político, afastando ainda mais países ricos e nações em desenvolvimento, e quase sepultando de vez o surgimento de um consenso mundial sobre o problema.

Para piorar a situação, pouco depois da COP-15 foi revelado que um dado contido no AR4 estava errado. O polêmico parágrafo em questão dizia que as geleiras do Himalaia estavam derretendo muito mais rápido que em qualquer parte do mundo e que era “alta a probabilidade de elas desaparecerem por completo até 2035 ou antes disso”. O governo da Índia, onde se localiza grande parte da cordilheira, declarara em muitas ocasiões anteriores que não havia evidências de que suas geleiras fossem mesmo sumir dentro de 25 anos, levando o presidente do painel, Rajendra Pachauri, a chamar o ministro do meio ambiente indiano de arrogante.

Meses depois, o mesmo Rajendra teve de ir a público admitir que houve “falha humana” em relação às previsões. Avisou ainda que os cientistas do painel terão de revisar a informação para chegar a uma data mais precisa. Como um dado incorreto dessa magnitude acabou sendo incluído no relatório mais famoso sobre o clima no mundo? Vai vendo a novela: tudo teve origem em uma entrevista feita com um glaciólogo, em 1999, e publicada pela revista New Scientist. Os mesmos dados ressurgiram em 2005, em um documento da ONG ambiental WWF e, de lá, foram parar no relatório do IPCC, usado para ajudar a pressionar governos e influenciar políticas públicas. Mais queimação de filme, impossível.

Como se isso não bastasse, em fevereiro outro furo veio comprometer ainda mais a reputação do IPCC: a informação contida no documento de que 55% do território da Holanda encontrava-se abaixo do nível do mar também estava incorreta. Só que, agora, a culpa era do próprio governo do país, que passara dados errados (na realidade, os Países Baixos têm apenas 26% de suas terras sob o nível do mar, e 55% correm risco de inundações). Mesmo assim, o fato arranhou a imagem do AR4.

Todas essas confusões foram amplificadas mundialmente pelos céticos do clima, com provocações que causaram reações agressivas de grupos ambientais. Até Al Gore acabou levando sopapos cinematográficos. Produzido para destruir as teses ambientalistas expostas pelo político em seu premiado documentário Uma Verdade Inconveniente, foi lançado recentemente, nos Estados Unidos, o filme Not Evil Just Wrong (em tradução livre, algo como “Não Perverso, Apenas Errado”), cujo subtítulo nada sutil é “o custo real da histeria do aquecimento global”. Bem produzido, o filme diz aos americanos que seus empregos e sonhos estão correndo perigo por causa de cientistas incompetentes e teses furadas sobre elevações de temperatura na Terra.


CABULOSO: Megatempestade sobre Bancoc, na Tailândia

EMBATES COMO ESSES TÊM, de certa forma, desviado a atenção da sociedade de discussões mais profundas e sensatas sobre os fatos por trás do falatório do aquecimento global. E, claro, muitos grupos ganham com a desinformação generalizada do público.

Por mais que os inimigos de Al Gore e os donos de poços de petróleo batam o pé e falem o contrário, não há como negar o fato mais certeiro de todo esse imbróglio: a Terra realmente está se aquecendo. No último século, o planeta esquentou, em média, 0,74 ºC. Entre 1995 e 2006, teve 11 dos 12 anos mais quentes já registrados desde que se começou a usar termômetros para fazer medições, em 1850. Isso não é chutação, e não há como refutar dados registrados ao longo de tantos anos. Essa elevação de temperatura já tem impactado a natureza. Só no século 20, o nível médio global dos oceanos subiu 17 centímetros, enquanto geleiras na Antártida, Alpes, Andes e Himalaia têm apresentado degelo generalizado, como explicaremos ao longo desta reportagem.

“Já estamos sentindo os efeitos do aquecimento global”, diz o pesquisador Nelson Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “No Brasil, há inúmeras evidências disso no passado recente, como o furacão Catarina no oceano Atlântico Sul, a grande seca na Amazônia em 2005, as chuvas anômalas em Santa Catarina no final de 2008 e as inundações e chuvas severas que ocorreram na região Sudeste em 2009 e 2010.” Ele frisa que, evidentemente, um evento isolado como as fortes chuvas em São Paulo não caracteriza mudança climática. “Todavia, o aumento na frequência de eventos como esse já é um sinal de que o clima está mudando.”

Ferreira não é uma voz dissonante: praticamente todos os especialistas no tema concordam que eventos estranhos e extremos têm ocorrido com mais frequência aqui e em outras regiões do mundo. Não dizem, geralmente, que esses eventos tenham acontecido apenas devido ao aquecimento, mas a uma série de fatores combinados. “As causas desse processo são incertas. Infelizmente, o conhecimento científico atual e a disponibilidade limitada de séries de dados ambientais impossibilitam um diagnóstico concreto das causas do aquecimento global”, admite Ferreira.

Há correntes que dizem que o planeta sempre apresentou longos ciclos de aquecimento e resfriamento e que as elevações de temperatura fazem parte de um processo natural da Terra. “É inegável que a temperatura global aumentou nos últimos 100 anos”, concorda o negacionista Luiz Carlos Baldicero Molion, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas. “Porém foi por processos naturais e não por causa do ser humano. O gelo do Ártico já derreteu entre 1938 e 1942, quando o homem lançava menos de 10% do carbono que despeja hoje na atmosfera.” Os 2000 cientistas do IPCC e uma boa parte dos pesquisadores mundiais não comungam totalmente dessa visão. O AR4 concluiu que há mais de 90% de chance de o aquecimento observado nos últimos 100 anos ser decorrente de atividades antropogênicas, isto é, feitas pelo homem.

Ué, mas o relatório do IPCC não está cheio de furos? Na verdade, não. Realmente o painel apresentou erros, alguns deles vergonhosos, mas se apressou em reconhecê-los e corrigi-los. A ciência erra, sempre errou e vai continuar errando em sua busca para compreender fenômenos da natureza. Falhas assim são naturais em qualquer pesquisa científica e deram-se dentro das margens previstas. Muitas das previsões do órgão são, inclusive, conservadoras, como as relativas às projeções sobre o aumento do nível do mar até 2100. Segundo o IPCC, o nível das águas deve subir, provavelmente, entre 18 e 59 centímetros até essa data, mas várias outras pesquisas projetam aumentos muito maiores. Como explicou Rajendra Pachauri, presidente do painel, “digamos que tenhamos nos equivocado sobre um número, mas isso não invalida as provas científicas referentes ao clima”.

Que a Terra sempre se aqueceu e resfriou, não se discute. Pela primeira vez em sua longa trajetória, no entanto, os ciclos do planeta têm de levar em conta um fator importante e perturbador: o homem. José Marengo, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CETEC), do Inpe, sintetiza de forma clara o que isso significa: “O aquecimento global é um processo natural, já aconteceu no passado mesmo com a ausência do homem. O que se passa atualmente é que as atividades humanas, associadas a um aumento na concentração de gases de efeito estufa, principalmente pela queima de combustível fóssil e desmatamento, têm gerado um grande volume de gases, ajudando a intensificar e acelerar as elevações de temperatura. Ou seja, o homem não causa o aquecimento, este é um processo natural. Mas ele acelera e intensifica esse processo, agravando e adiantando possíveis consequências.”

O GIGANTE ADORMECIDO

Os oceanos são peça fundamental em qualquer debate sobre alterações do clima. E se eles se desequilibrarem, teremos impactos profundos que ainda mal sabemos mensurar

POR MAIS INCRÍVEL QUE POSSA PARECER, só recentemente os oceanos começaram de fato a despertar a atenção do meio científico nas discussões sobre aquecimento global. Os primeiros relatórios do IPCC, por exemplo, quase não traziam menção aos impactos das mudanças climáticas nos mares. Mas cientistas apontam que no próximo relatório, previsto para ser divulgado entre 2013 e 2014, o tema vai ocupar posição de destaque.

O assunto vem ganhando mais espaço também no Brasil. A próxima reunião anual da renomada Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a ser realizada em julho, será inteiramente dedicada, pela primeira vez, às chamadas ciências dos mares. E notícias sobre novas pesquisas alertando para possíveis consequências das elevações de temperatura nas águas, vira e mexe, ocupam manchetes de jornais e revistas. “Enfim parece que o mundo acordou e começou a perceber que os oceanos são peça fundamental em qualquer debate sobre alterações do clima”, diz o oceanógrafo Edmo Campos, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

Mas, afinal, por que demorou tanto tempo para que cientistas e sociedade despertassem para um fato um tanto óbvio? Edmo acredita que isso se deve, em parte, à chamada inércia térmica dos oceanos. Traduzindo em linguagem simplificada, trata-se da memória térmica da água, ou seja, sua maior lentidão para se aquecer e resfriar se comparada à atmosfera. Todo mundo que já passou uma temporada na praia e arriscou um banho de mar noturno sabe disso: depois de um dia calorento, a temperatura do ar cai à noite, mas a água continua quentinha, conservando o calor que adquiriu do sol. A capacidade térmica da água, uma das maiores na natureza, é mil vezes maior que a do ar. Por conta dessa propriedade, os oceanos demoram muito mais para refletir os impactos de um aquecimento global acentuado. “Como mídia e sociedade em geral não curtem muito esperar por mudanças lentas, os oceanos foram sendo deixados de lado. Pelo menos até agora”, afirma Edmo.

Para ele e outros especialistas, como a oceanógrafa Ilana Wainer, também do Instituto Oceanográfico da USP, já há sinais claros de que os mares estão sendo afetados pelo aquecimento global – o traço mais evidente disso é a elevação de seu nível médio em 17 centímetros nos últimos cem anos.

UM DOS GRANDES FOCOS ATUAIS dos cientistas dos mares tem sido descobrir de que forma elevações nas temperaturas do planeta podem afetar as correntes termohalinas, como eles chamam a circulação global das águas dos oceanos. Devido a variações de temperatura e salinidade, águas quentes das regiões dos trópicos viajam em direção ao Ártico, aquecendo as áreas mais frias por onde passam. É graças a essa massa de água aquecida, conhecida como corrente do Golfo, que as temperaturas da Europa Ocidental mantêm-se relativamente amenas. Por ser menos densa, essa corrente quente viaja rumo ao norte pela superfície do mar.

Já perto do Ártico, encontra águas frias e mais salgadas, retornando ao hemisfério sul como uma corrente de temperaturas baixas.

Agora mais salgada, e portanto mais densa, essa nova corrente fria afunda e, no caminho de volta, ajuda a resfriar as regiões quentes. “É como um perfeito e equilibrado ar condicionado, que vai mantendo amenas as temperaturas do planeta”, diz Ilana Wainer. “Se mexermos nesse mecanismo, teremos impactos profundos que ainda mal sabemos precisar.”

Por serem extremamente lentas – se despejássemos um objeto nessas correntes termohalinas, ele levaria mil anos para completar o percurso todo –, terem uma memória térmica poderosa e se localizarem nas profundezas do planeta, elas ainda são um mistério para os que estudam os impactos do aquecimento global nos oceanos. Há quem diga que, quebrando-se esse potente ar condicionado, a região da Europa mergulharia numa verdadeira era do gelo, já que as águas quentes vindas dos trópicos não mais circulariam por ali.

Isso poderia acontecer, por exemplo, devido ao degelo do Ártico, que despejaria tanta água doce (geleiras praticamente são compostas só de água doce) no oceano que alteraria as densidades da água da região e, por consequência, influenciaria na maneira como as correntes percorrem o planeta. Outros estudos dizem que isso é balela, que a corrente do Golfo não enfraqueceu ainda e que não teríamos motivo para tanta preocupação. O relatório do IPCC de 2007 foi categórico: mudanças na circulação oceânica ainda não podem ser avaliadas.

Cá entre nós, é difícil acreditar que mudanças no clima em nada alterariam as correntes dos mares. Para o professor Edmo, o oceano funciona como um caminhão-jamanta, daqueles difíceis de serem colocados em movimento. “No começo, pode levar um tempão para o tal caminhão se mexer. Depois que ele pega o embalo, no entanto, aí é duro de fazer parar.” Por isso, defende ele, mais do que atenuar nossa pressão sobre o meio ambiente, temos de nos adaptar a novos tempos, em que as correntes talvez não mais se comportem como antes. A hora que esse gigante adormecido nos mostrar que está em desequilíbrio, será quase impossível reverter a burrada que fizemos.

POR ÁGUA ABAIXO

O que você faria se o seu país estivesse, literalmente, afundando?

Enquanto para a grande maioria de nós, o real efeito das mudanças climáticas parece ainda algo distante, habitantes dos chamados países insulares já vêm sentindo na pele os efeitos bizarros do aquecimento global.

Desesperados, os moradores da pequena ilha de Tuvalu, no Pacífico, têm feito de tudo para chamar a atenção do planeta para o futuro negro, e ao que parece bem próximo, que os aguarda. Sem nenhum ponto de terra com altitude maior que 5 metros, Tuvalu está entre os lugares mais ameaçados de desaparecer do mapa por causa do aumento no nível médio do mar. Na micada Cop-15, que aconteceu em dezembro de 2009 em Copenhague, os tuvaluanos subiram nas tamancas, protestaram aos gritos e até exigiram a suspensão dos trabalhos da conferência enquanto não fossem decididas metas mais ambiciosas de redução de gases-estufa. Foi uma cena à la Sansão e Golias: diante de gigantes como Estados Unidos, Brasil e Índia, a mini nação – eles são menos de doze mil habitantes distribuídos em nove atóis entre o Havaí e a Austrália – não conseguiu nada além de algumas poucas reportagens veiculadas mundo afora durante o evento na Dinamarca.

Os tuvaluanos não estão sozinhos nesse mar de tragédia. Lugares como Maldivas, Ilhas Marshall, Tonga, Fiji, Samoa e muitos outros correm o mesmo risco. Tanto que alguns desses países decidiram se unir na Aliança dos Pequenos Estados Insulares, composta por 42 integrantes que esperam, juntos, conseguir pressionar nações mais ricas (se quiser saber mais, dê um pulo no site deles: sidsnet.org/aosis).

Em algumas regiões, a água já engoliu a terra. O primeiro desses casos a se ter notícia foram pequenas ilhas inabitadas do atol de Kiribati, no Pacífico, que sumiram no fim dos anos 1990 [conheça um dos habitantes afetados na reportagem “De olhos bem abertos, nesta mesma edição de Go Outside]. Composto por trinta ilhas e com cerca de cem mil habitantes, Kiribati pode desaparecer por completo em uns 50 anos, segundo líderes locais. Também no Pacífico, Vanuatu, outro estado insular sob ameaça do oceano, teve parte de sua população retirada da costa por precaução.

Em 2006, uma reportagem do jornal britânico Independent revelou que, pela primeira vez, uma ilha habitada tinha desaparecido devido ao aumento do nível do mar. Localizada na Baía de Bengala, na Índia, a ilha de Lohachara era ocupada por 10 mil pessoas, que tiveram de ser realocadas. A ilhota era tão remota que pesquisadores locais só se deram conta do ocorrido quando não mais puderam identificá-la em fotos de satélites. A notícia causou comoção mundial, mas alguns estudiosos apontaram que não havia sido feita uma análise precisa para determinar se Lohachara foi mesmo engolida pelas águas ou sumiu devido à erosão de seu solo.

Se há controvérsias sobre o real motivo de a ilha indiana ter sumido dos nossos olhos, há certo consenso de que o aumento do nível médio dos oceanos coloca sob ameaça pelo menos 200 milhões de pessoas. Com uma extensa costa, o Brasil, infelizmente, não está de fora dessa lista.

A AGONIA DAS MONTANHAS

Os picos eternamente nevados correm o risco de não serem mais assim, contribuindo para o aumento da fome no mundo

O RELATÓRIO DO IPCC errou ao cravar que as geleiras do Himalaia desapareceriam até 2035. Mas não se engane: a data pode até estar errada, mas não o fenômeno do degelo da cordilheira com as maiores montanhas do planeta.

Para as cerca de 1,3 bilhão de pessoas que vivem na região, reverter esse quadro significa garantir a própria sobrevivência. Durante as estações mais quentes, parte dos 15 mil glaciares da cordilheira se derrete e corre para inúmeros rios e afluentes, como o mítico Ganges. A água mata a sede e irriga plantações, contribuindo para a cadeia alimentar de um em cada seis habitantes do planeta. O IPCC ainda precisa revisar os dados sobre a velocidade do derretimento dessas geleiras, mas imagens obtidas por satélites e pesquisas realizadas nas últimas quatro décadas mostram que elevações na temperatura da Terra estão provocando um recuo dos glaciares himalaios jamais visto desde que se começou a observar o fato, no último século.

O derretimento de geleiras como a do Himalaia podem provocar diferentes tipos de catástrofes. Uma delas são inundações provocadas pelo gigantesco volume de água que desce as montanhas até rios e lagos. O colapso de grandes massas de gelo pode gerar tsunamis, como o ocorrido em abril deste ano em uma cidadezinha a 320 quilômetros de Lima, no Peru. Uma enorme geleira, do tamanho de quatro campos de futebol, se desprendeu e caiu num lago, provocando ondas de mais de 20 metros, que arrastaram três pessoas e destruíram parte do município de Carhuaz. Tragédia parecida se deu no Nepal, em 1985, inundando o vale Langmoche e causando a morte de 20 pessoas.

A outra catástrofe causada pelo desaparecimento das geleiras se dará mais a longo prazo: com o fim do gelo que os alimenta, rios terão seu volume drasticamente reduzido, provocando seca, fome e destruição. Se isso acontecer só com o Ganges, por exemplo, cerca de 37% do território cultivado da Índia será afetado e deixará famintas mais de 500 milhões de pessoas.

Outro cartão-postal que já padece com os males do aquecimento é o Kilimanjaro, o pico mais alto da África. Segundo um estudo publicado em 2009 pelo site e revista científicos Proceedings of the National Academy of Sciences, o “gelo eterno” (outro nome para geleira ou glaciar) no topo da montanha poderá desaparecer completamente nas próximas duas décadas. A pesquisa aponta que a área total coberta pelo gelo encolheu cerca de 85% entre 1912 e 2007. Isso se dá devido à elevação de temperatura combinada com secas cada vez mais frequentes e falta de nuvens. Sem chuva e proteção das nuvens, o calor se dissipa com mais dificuldade na região da montanha, aumentando o derretimento de gelo.

Tema global, que não ataca apenas países pobres, o aquecimento já faz estragos também na Europa. Cientistas da Universidade de Zurique realizaram pesquisas durante uma década e comprovaram que as neves eternas dos Alpes estão desaparecendo. Ao longo desse período, 12% do gelo nas montanhas suíças já foi para o espaço. Os cientistas afirmam que a última década registrou o derretimento mais acelerado desde que se começou a medição desse tipo de dado, há 150 anos. Segundo eles, até 2050 os invernos nos Alpes serão 1,8 °C mais quentes, enquanto os verões apresentarão temperaturas 2,7 °C mais elevadas. Estimativas recentes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que uma elevação de apenas 1,5 ºC na temperatura do planeta teria o poder de eliminar cem dias anuais de neve nos Alpes. Se isso se comprovar, será um duro golpe para esquiadores, escaladores e amantes dos esportes de neve na Europa, sem contar as mais de 60 milhões de pessoas que vivem diretamente do turismo de inverno na região.

CADÊ A NEVE QUE ESTAVA AQUI?

Aumento da temperatura média pode acabar com o lazer esportivo dos canadenses – fora o prejuízo para a indústria dos esportes de neve

No Canadá, aquecimento global é que nem futebol no Brasil: costuma ser discutido com fervor. Isso porque, nos últimos anos, temperaturas mais altas e falta de neve têm dado a impressão de colocar em risco uma das paixões nacionais, os esportes de inverno.

Na última Olimpíada de Inverno, que aconteceu em fevereiro passado, em Vancouver, cenas de helicópteros e caminhões transportando neve para as pistas foram um prato cheio para canadenses mais radicais que defendem que a neve do país está desaparecendo. Apesar de ser um tanto leviano apontar a falta de neve do evento como consequência direta do aquecimento, os canadenses têm certa razão em ficar receosos.

Segundo entrevistas à imprensa dadas pelo metereologista Matt McDonald, um dos trinta especialistas da área que trabalharam para os Jogos de Vancouver, as temperaturas de janeiro de 2010 foram as mais quentes já registradas. Este ano, a média de temperatura em janeiro foi de 7,1 ºC, batendo o recorde anterior de 6,2 ºC registrado em 2006, e bem acima da média histórica de 3,2 ºC.

Se isso é causado ou não pelo homem, os cientistas ainda estão a debater. Enquanto isso, a indústria dos esportes de inverno já anda de cabelo em pé. Não é por menos: só o setor de esqui contribui para a economia local com cerca de US$ 839 milhões todos os anos, enquanto o turismo de inverno, incluindo aí festivais e eventos culturais, movimenta cerca de US$ 5 bilhões, segundo o estudo On Thin Ice, organizado pela David Suzuki Foundation. O relatório aponta ainda que mais de quatro milhões de pessoas, ou quase 12% da população, praticam ativamente algum esporte de inverno. Espalhadas pelo país, cerca de 250 estações atraem anualmente 2 milhões de praticantes de esqui e snowboard.

O estudo da David Suzuki Foundation faz projeções alarmistas. Diz, por exemplo, que nos próximos 40 anos a região de Banff, conhecido point canadense de esportes de inverno, localizado no estado de Alberta, pode chegar a perder 59% de sua temporada em áreas de maior altitude e até 94% em áreas de menor altitude. Avisa ainda que, perto do final deste século, em um cenário extremo de altas emissões de gases-estufa, a região no entorno do chamado Canal Rideau, que passa pela província de Ontario, poderia perder 87% de sua temporada no gelo, que passaria a ter duração de apenas uma semana.

Para se precaver, algumas estações já começaram a investir milhões de dólares em sistemas tecnológicos de produção artificial de neve. Ironicamente, a iniciativa não consome apenas uma dinheirama, mas também um monte de energia. Vai entender a lógica pouco sustentável dos canadenses…

NOVOS ARES


Seis perguntas para você entender melhor os impactos das mudanças climáticas no regime dos ventos e na atmosfera terrestre

1. O aquecimento global já está alterando o sistema de circulação de ventos no planeta?

Não há consenso entre os climatologistas se isso já é realidade, mas aparentemente a resposta é não. “Até o momento, não existem evidências científicas de que, para o planeta como um todo, os ventos estejam mais intensos nem de que esteja ocorrendo um aumento no número de furacões, tornados e tempestades tropicais no planeta”, afirma Alberto Setzer, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenador do Projeto de Meteorologia Antártica do Ministério da Ciência e Tecnologia. O que se sabe é que furacões e ciclones têm relação direta com o aumento das temperaturas nos oceanos [como você pode conferir na próxima página]. Por isso, se a temperatura global continuar aumentando, os oceanos vão esquentar e esses fenômenos extremos podem se tornar mais corriqueiros – inclusive na costa do Brasil, onde hoje são raríssimos.

2. De que forma o aquecimento global interfere no regime dos ventos?

A elevação da temperatura global pode levar a mudanças nos campos de pressão atmosférica do planeta que, por sua vez, resultariam em alterações na circulação atmosférica. A consequência disso seria a intensificação de ventos e precipitações (chuvas) em algumas áreas, e redução em outras. Os ventos se formam pelas diferenças de pressão e temperatura das camadas de ar. Quando a atmosfera esquenta, ela se expande, comprime outras massas de ar e surge a diferença de pressão, levando à formação dos ventos. Por isso, na medida em que o planeta aquecer, os ventos tendem a ser mais intensos.

3. E o regime de chuvas? Já sofreu alguma alteração?

É provável que sim. O relatório Climate Change 2007: The Physical Science Basis, divulgado pelo IPCC, revelou que a maior concentração de vapor de água na atmosfera (resultado da elevação da temperatura) aumentou a ocorrência de chuvas intensas, mesmo em regiões onde a precipitação total diminuiu. Afirma ainda que há mais de 66% de probabilidade de o padrão global de chuvas ter sido alterado na Terra, com elevação de precipitação em latitudes mais altas e redução em latitudes baixas.

4. Existe relação entre o buraco na camada de ozônio e o aquecimento global? Ele está aumentando por conta das maiores temperaturas?

Não. Segundo a pesquisadora Neusa Paes Leme, do Laboratório de Ozônio do INPE, a degradação da camada de ozônio – região da atmosfera terrestre, em torno de 25 a 30 quilômetros de altura, onde a concentração do gás ozônio (O3) é maior – não tem relação direta com o aumento da temperatura global. O que provoca o buraco na camada é a liberação na atmosfera de substâncias químicas conhecidas pelo nome coletivo de clorofluorcarbonetos, encontrados, no passado, na maioria dos aerossóis. O buraco na camada de ozônio é um fenômeno cíclico que só ocorre na Antártica, intensificando-se durante a primavera de cada ano.

Ilustrar com uma imagem de satélite mostrando o buraco de ozônio. Tem muita coisa no Google Imagens, como a imagem abaixo

5. E as camadas mais altas da atmosfera? De que forma ela são afetadas pelo aumento das temperaturas do planeta?

Estudos divulgados recentemente revelaram que os cientistas estão preocupados com a possibilidade de a elevação gradual da temperatura terrestre começar a interferir na dinâmica da atmosfera na camada entre 10 e 15 quilômetros de altura, região onde ocorrem vários fenômenos meteorológicos. “Especula-se que o aquecimento global poderia provocar a ocorrência de ventos mais fortes nas camadas mais elevadas da atmosfera. Se isso acontecer, existe o risco de se afetar a aviação e o lançamento de foguetes, satélites e naves espaciais”, afirma a pesquisadora Neusa Leme, do INPE.

6. As tempestades de areia que assolam algumas regiões do planeta, como China e Austrália, têm relação com as mudanças climáticas?

Em tese, sim, e a explicação é simples. Com a elevação da temperatura, o processo de desertificação em várias áreas do globo torna-se mais intenso. Ao mesmo tempo, os ventos tendem a ficar mais fortes. Essa mistura (ventos intensos + desertos maiores) é explosiva e pode resultar em tempestades de areia inclementes, como as que têm atingido algumas metrópoles chinesas e australianas nos últimos anos.

POEIRA EM PEQUIM

A cidade chinesa está experimentando um fenômeno que pode se tornar comum se as temperaturas continuarem subindo


POEIRA: Mulher tenta se proteger de tempestade de areia em Pequim

Embora não haja um consenso de que as tempestades de areia que castigam atualmente os moradores de Pequim durante a primavera tenham relação direta com o aquecimento global, elas são uma amostra do que poderá ocorrer no futuro se a escalada das temperaturas não for contida. De acordo com os cientistas, o fenômeno tornou-se pior nos últimos anos por causa da desertificação do leste da China e das estepes da Mongólia, país localizado ao norte da China. Quando a poeira do deserto invade a capital chinesa, as pessoas não conseguem respirar direito, precisam usar máscaras para sair de casa e a chuva e a neve se tingem de amarel.

DEGRADAÇÃO ECOLÓGICA

A elevação global da temperatura poderá destruir florestas, provocar desertificação e extinguir plantas e animais


INCLEMENTE: Aumento de 4 ºC na temperatura pode resultar em perda de até 85% da floresta amazônica

POR VOLTA DO ANO 2050, 700 milhões de pessoas em todo o globo poderão ter que deixar os lugares onde vivem para fugir de secas inclementes, enchentes devastadoras, furacões, desmoronamentos e outros desastres naturais provocados pelas mudanças climáticas que irão atingir o planeta. Esse dado faz parte de um estudo produzido no ano passado por cientistas ligados à ONU e à Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, entre outras instituições. “O clima é o invólucro no qual todos vivemos nossas vidas. O relatório é a sirene de alarme”, declarou à imprensa, na época da divulgação dos dados, o cientista Alexander de Sherbinin, da Universidade de Colúmbia, um dos autores do trabalho.

Segundo o documento, os efeitos do aquecimento global sobre a vida na Terra, principalmente naquelas comunidades cuja economia é baseada na pesca, pecuária e agricultura de subsistência, serão perversos e terão sérias consequências na vida das pessoas. O estudo reafirma o alerta dado por outras instituições ao redor do planeta, entre elas a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que produziu, em conjunto com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o relatório intitulado “Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola do Brasil”. Preparado e divulgado em 2008, o estudo aponta que o aumento das temperaturas em decorrência do aquecimento global poderá provocar perdas nas safras de grãos de R$ 7,4 bilhões já em 2020 – número que pode subir para R$ 14 bilhões, em 2070 –, alterando profundamente a geografia da produção agrícola no país.

A queda na produção de alimentos, com a consequente escassez de comida e aumento da fome no planeta, pode vir acompanhada de drásticas transformações nos ecossistemas terrestres. Vários estudos têm apontado que a elevação de alguns graus na temperatura média global, aliada à redução das chuvas, será capaz de provocar grandes estragos em florestas tropicais, entre elas a Amazônia. Essas previsões sugerem que certas regiões da floresta amazônica poderiam passar a apresentar clima parecido ao de um deserto.

A Amazônia, por exemplo, sofreria uma perda progressiva de árvores e passaria a ter uma cobertura vegetal semelhante ao do cerrado, muito mais pobre em termos de diversidade biológica. Um estudo feito por cientistas do Centro Hadley para Previsão e Pesquisa Climática, ligado ao Escritório de Meteorologia do Reino Unido, de 2009, revelou que um aumento de 4 ºC na temperatura da Terra será suficiente para reduzir 85% da cobertura vegetal da maior floresta do mundo. Tal conclusão pode soar estranha e alarmista, mas não custa lembrar que o deserto do Saara, no norte da África, abrigou há muito tempo uma frondosa floresta, que foi transformada no que é hoje por alterações no clima terrestre.

Segundo estudo elaborado em 2007 pelo IPCC, o Brasil será um dos países mais impactados pela alteração no regime de chuvas. Nos meses de inverno, haverá até 20% menos precipitações do que existe hoje. Uma consequência direta desse fenômeno poderá ser a desertificação do sertão nordestino. Onde hoje existe a caatinga, surgirá uma vegetação típica de zonas de deserto.


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OS CIENTISTAS TAMBÉM ALERTAM QUE, caso as mudanças climáticas se dêem numa velocidade alta demais, muitas espécies animais e vegetais não conseguirão se adaptar e poderão se extinguir. De acordo com o IPCC, 30% das espécies do planeta enfrentarão crescente risco de desaparecer se a temperatura global aumentar em 2 oC. A situação será mais grave entre as espécies já fortemente pressionadas pela ação humana.

No início do ano passado, um relatório publicado pela organização não-governamental WWF revelou que 80% das espécies de corais do mundo podem sumir nas próximas décadas por conta do aumento da temperatura. Os ursos polares serão outro animal duramente atingido pelo caos no clima, bem como algumas espécies de baleias, albatrozes, pinguins e tartarugas marinhas. O problema com as tartarugas marinhas é que elas desovam nas praias, que serão afetadas pelo aumento do nível dos mares. Além disso, segundo a WWF, a elevação dos termômetros poderá provocar um desequilíbrio na proporção de machos e fêmeas já que a determinação do gênero desses animais se dá pela temperatura da areia da praia durante a incubação dos ovos.

Em outubro de 2009, os representantes de 193 países reunidos em Buenos Aires, na Argentina, durante a IX Conferência das Partes (COP, em inglês), que integra a Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação (UNCCD, em inglês) propuseram a criação de um órgão científico para monitoramento do fenômeno da desertificação. Além da preocupação com a segurança alimentar – zonas desérticas são impróprias para a agricultura e criação de animais –, os técnicos presentes ao encontro demonstraram também receio quanto às mudanças climáticas, pois solos degradados constituem grandes emissores de carbono, gás responsável pelo efeito estufa, fenômeno associado ao aquecimento global. O carbono é liberado tanto pela destruição da tímida camada vegetal desses ecossistemas quanto pela erosão, que diminui a produtividade e, consequentemente, o número de plantas retentoras de carbono.


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INCÊNDIOS DEVASTADORES

Longos períodos de estiagem associados à irregularidade no regime de chuvas – dois efeitos diretos das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global – deverão tornar mais frequentes os incêndios florestais no planeta. Esse tipo de catástrofe ambiental já vem ocorrendo em vários países, entre eles a Austrália. Em fevereiro do ano passado, várias localidades no estado de Victória, no sudeste do país, foram atingidas por incêndios que destruíram amplas extensões de florestas e plantações. Não por coincidência, o dia em que o fogaréu teve início registrou a mais alta temperatura naquela região da Austrália em todos os tempos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2010)