No céu do Pantanal

Por Maria Clara Vergueiro
Fotos por Rover Delgado

No céu, parece um parapente. Por aqui, pouca gente conhece, mas na Europa a prática tem crescido muito nos últimos anos. Tem motorização auxiliar, que vai de 80cc a 200cc, em caso de vôo duplo, e atinge uma velocidade de até 65 km/h. O peso não ultrapassa os 27 quilos. A descrição acima é um resumo do que é o paramotor, menina dos olhos do empresário Lu Marini, 47 anos, desde 1995, quando ele trouxe o seu primeiro equipamento para o Brasil. Veterano dedicado, Lu fundou a Associação Brasileira de Paramotor e é um dos grandes responsáveis pela formação de instrutores e alunos. Investiu na difusão da modalidade no país e já comemora a inauguração da primeira fábrica de paramotores 100% nacional. “Com isso, o esporte terá um crescimento extraordinário, viabilizando o acesso a equipamentos a um menor custo”, explica ele.

Tanta dedicação ao esporte tem um motivo muito nobre. É voando num brinquedo como esse que Lu Marini realiza as aventuras que sempre sonhou. A mais recente foi a viagem inédita de quinze dias sobrevoando o Pantanal no seu paramotor. Na companhia do amigo recordista mundial em distância e altitude, o espanhol Ramon Morillas, Lu viu do alto os pântanos, jacarés, pássaros e rios, dando rasantes nas paisagens mais bonitas para registrar tudo o que fosse possível. As imagens vão compor o documentário Rastreando o Pantanal, previsto para o ano que vem, e a viagem é uma entre as três que fazem parte do projeto Expedição Paraventura. Antes de voar pelas planícies pantaneiras, Lu rastreou o Atlântico de norte a sul do país entre julho e setembro de 2009, e a gora se prepara para encerrar o projeto no Aconcágua, em maio de 2011. Para a Go Outside, Lu Marini contou os detalhes da sua mais recente investida pelos ares.

GO OUTSIDE Como aconteceu o seu encontro com o paramotor, ainda em 1994? O que te chamou a atenção nesta modalidade e o que continua te surpreendo hoje?
LU MARINI Os esportes radicais sempre me atraíram desde pequeno, e pratiquei muitos deles. Mas faltava encontrar a liberdade, realizar o sonho de voar. Foi no início de 1994 que conheci o vôo livre a convite de um amigo. A paixão foi imediata e um mês depois já estava voando de parapente. Mas ainda queria ampliar meus horizontes, ter mais autonomia de vôo, não depender de montanhas para decolar. Foi quando conheci o Paramotor, um ano depois. Em 1995, comprei meu primeiro equipamento, importado da Europa. De lá para cá este esporte só tem me surpreendido. Com um equipamento que se resume em duas mochilas, que cabem perfeitamente no porta-malas de um carro comum, posso desbravar lugares e voar muitos quilômetros. Cada vez que decolo e sinto o vento bater no meu rosto, me sinto livre. E me sinto um pássaro cada vez que vôo entre eles.

O que determinou sua escolha de compor a Expedição Paraventura em três etapas – litoral, planície e Aconcágua?

Voar em situações diferentes e extremas. O vôo no litoral exigiu paciência e muito cuidado com a meteorologia. Voava cerca de 150 quilômetros por dia e como acompanhava o recorte do continente, muitas vezes pegava ventos muito turbulentos. Mas o bom é que sempre tinha a praia como área de pouso, mesmo que, às vezes, eu tivesse que ficar cinco horas esperando o resgate chegar. Já no Pantanal, saí do meu mundo. Longe dos carros, da poluição, do aglomerado de pessoas. Ouvia o silêncio dos rios, o canto dos pássaros e presenciei um pôr do sol maravilhoso. Porém, os vôos foram bem mais perigosos. O Pantanal é uma região muito quente, com temperaturas que chegam a 40 °C. Por esse motivo, as térmicas são fortes em determinados horários. Já o Aconcágua vai exigir mais resistência e preparo. É um vôo mais técnico e em condições de temperatura extrema. Será a expedição mais perigosa.



NO PONTO: Lu Marini, com tudo em cima para voar sobre pântanos e jacarés

Como você avalia essas duas etapas já concluídas?

Muito sucesso e acima das minhas expectativas. Terminei as duas expedições com muito mais conhecimento em vôo, com mais experiência em aventuras e cresci como ser humano. Melhor que voar foi conhecer pessoas que me acolheram em situações difíceis, ver a realidade de um povo muito distante da realidade em que vivo. Muitas vezes ficava conversando por horas com um pescador ou um morador no meio da mata, esperando o resgate chegar. Percebi com eles que a felicidade e a paz de espírito estão muito longe da ganância material.

Que riscos te acompanharam ao longo da sua viagem pelo Pantanal?

Os riscos não estão relacionados com a técnica de vôo, mas sim na confiabilidade no equipamento. Em caso de pane no motor, o problema é muito grande. A comunicação na região é péssima, não existem estradas e o que parece do alto um lindo campo gramado, na verdade é um pântano. Dependendo do lugar em que se pouse, o resgate pode demorar vários dias e só pode ser feito de helicóptero. Além disso, tem os animais. Se você cair no rio, será atacado por piranhas, que podem te matar em segundos ou terá de lutar com jacarés. Se cair na selva, o perigo são as cobras ou o animal mais temido da região, que é a onça. Em vários lugares que pousei, encontrei pegadas frescas de onça. Com certeza fiquei muito perto delas. Não pude vê-las, mas elas estavam me vendo. Se você tiver muita sorte e não se deparar com eles, provavelmente irá à loucura com as mutucas, inseto com uma picada dolorida e que ataca em bando. Muitas vezes me coloquei em situação de muito risco ao voar a baixa altura para captar imagens e sem lugar seguro para pousar.

O que você pôde observar em termos de biodiversidade e cultura ao longo dos dias desta viagem?

Observei uma triste realidade, a interferência do homem na natureza. Os peixes estão sumindo, a seca foi muito intensa este ano, muita destruição da mata ciliar, alterando o ecossistema. Muitas fazendas dominadas por multinacionais criando açudes para evitar o alagamento de pastos para engorda de gado.

Qual foi a infraestrutura que você montou para a viagem?

Na estrutura humana, dez profissionais me acompanharam na expedição: um piloto cinegrafista, que é o Ramon Morillas, o comandante da embarcação, três apoios em resgate, cinegrafista, fotógrafo, piloto de apoio, um produtor e um cozinheiro. Além deles, contei com mais três profissionais que estiveram trabalhando no escritório central. Todo o percurso foi feito em uma embarcação muito conhecida na região, chamada Chalana. O barco tem capacidade para doze passageiros, mais cinco tripulantes. É bastante ampla, tem cozinha, dois andares, porém navega a uma velocidade máxima de 14 km/h e não pode transitar em qualquer rio, principalmente na época de seca. Para o resgate e para localizar lugares para decolar de forma mais rápida, tínhamos três barcos pequenos, chamados na região de Voadeira, que pode chegar a 40 km/h e navega em qualquer lugar.


MOCHILÃO: Com pouco mais que uma hélice e um motor nas costas, Lu faz pousos e voos diários, capta imagens rente ao chão e curte um visual privilegiado

Que papel o tetracampeão mundial Ramon Morillas teve nesta aventura?

Eu tive o prazer de conhecer o Ramon Morillas na Espanha, em 2007, e a partir daí nos tornamos amigos. Todos os anos eu o trago ao Brasil para ministrar cursos para instrutores de paramotor, porém foi a primeira vez que ele me acompanhou em minhas aventuras. A sua grande missão na Expedição foi capturar imagens aéreas dos meus vôos. Foi um grande prazer trabalhar com esse profissional, que além de um grande piloto, se mostrou um grande cinegrafista aéreo.

Qual a sua expectativa com o documentário que está preparando? Existe um objetivo específico nessa produção, além do registro em si?

Mais do que o prazer de voar e as imagens maravilhosas que registrei, aventuras como as que faço proporcionam autoconhecimento, autocontrole, momentos de superação, posicionamento de liderança, tomada de decisões, enfim, tudo que precisamos para enfrentar o maior de todos os nossos desafios, que é a vida. Quero dar a minha contribuição. Mostrar que tudo é possível quando acreditamos em nossos sonhos, quando temos determinação e coragem para enfrentar o desconhecido. Uma frase sempre alicerçou a minha vida: “Algumas pessoas olham as coisas como são e se perguntam, por quê? Eu olho as coisas que nunca existiram e me pergunto, por que não?”

Como estão os preparativos para os vôos do Aconcágua?

Vou precisar de muito preparo físico para enfrentar as temperaturas baixas e as longas caminhadas. Além disso, preciso de um paramotor preparado para grandes altitudes. Já comecei a estudar o clima da região e a incidência dos ventos fortes. O Ramon me acompanhará em mais essa aventura e sua experiência em vôos de altitude e sobre geleiras serão fundamentais. Ele fará o meu treinamento físico e técnico para essa grande e inédita aventura.

Quantos alunos já passaram pela escola de formação de pilotos que você fundou? Este número representa bem o nível do esporte no Brasil e o seu crescimento?

Fundei a Associação Brasileira de Paramotor [ABPM] em 2007, para divulgar e organizar o esporte no Brasil. Sabia do potencial de crescimento que o paramotor tinha, pela sua mobilidade, acessibilidade e segurança, mesmo sendo considerado um esporte radical. Na ocasião, o Brasil não tinha mais de trinta pilotos. Hoje, a ABPM reúne 212 associados. Em 2008, sabendo que para o crescimento ordenado era necessário uma boa base de ensino, fundei a EBPM – Escola Brasileira de Paramotor –, única instituição de ensino desta atividade reconhecida pela autoridade aeronáutica, a ANAC. A escola já habilitou mais de cem pilotos de diversas partes do Brasil. Com a inauguração da primeira grande fábrica de paramotor do Brasil, Fly Motors, prevista para o mês de maio de 2011, o esporte terá um crescimento extraordinário, viabilizando o acesso a equipamentos, a um menor custo e financiamentos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2010)