Ponto de (des)equilíbrio

PARQUE DE DIVERSÕES: Danny manda um 360 tire tap na trilha escocesa de Raasay, Escócia, uma das locações do filme Way Back Home
(Foto:Dave Sowerby)

Por Heidi Volpe*

ALÉM DE SUBIR EM ÁRVORES, pedalar em cercas, pular telhados e ser sucesso no YouTube com vídeos que mostram toda a sua habilidade e doidice, o astro do mountain bike Danny MacAskill também é dublê de cenas de ação. Ele pode ser visto como dublê no filme Premium Rush, dirigido por David Koepp, que tem estreia marcada para março nos cinemas nacionais, e como ele mesmo no recém-lançado Way Back Home [De Volta para Casa], feito a partir de obstáculos encontrados por ele durante andanças entre Edimburgo e a ilha de Skye, em sua terra natal, a Escócia. A seguir, ele fala à Outside sobre essas filmagens e sobre a criação de novas manobras.


SEM LIMITES: Não é todo dia que se vê um ciclista aproveitar a transição natural entre o solo e tronco de uma árvore para decolar
(Foto:Red Bull Photofiles)

GO OUTSIDE A maioria das pessoas procura trilhas para pedalar. Por que você procura lugares bizarros como canos velhos, muros de castelos e bancos de praça?

DANNY MACASKILL Quando pedalo por uma cidade, procuro obstáculos que podem se conectar por uma linha imaginária. Pode ser qualquer coisa, tipo uma parte quebrada da calçada que posso usar como rampa para saltar contra uma parede e daí para um corrimão e depois uma escadaria. A maioria dos obstáculos é pedalável de alguma forma na minha bike de trial. A única coisa que é um pouquinho mais complicada são corrimãos polidos. Eles não dão o menor aviso de quando os pneus vão escorregar!

Pedalar por cima de uma cerca foi uma inovação sua. Você olhou para ela um dia e pensou “dá para pedalar”?

Durante um ano, eu costumava passar pedalando perto de uma cerca de grades todos os dias quando ia para o trabalho. No caminho, pensava: “Vou pedalar por cima dela um dia”. O melhor jeito de tentar seria para um vídeo, mas ele teria que mostrar um monte de outras pedaladas legais já gravadas antes de eu tentar a tal cerca. Após passar uns quatro meses filmando Inspired 2009, achei que poderia arriscar. Depois de quatro dias tentando durante o horário de almoço da oficina de bike, finalmente consegui.

A placa de perigo estava mesmo ali? Foi ela que te atraiu para a cerca?

Sim, a placa de perigo estava mesmo lá. Não foi o que me atraiu, mas acabou sendo uma coisinha legal para botar no vídeo.

Você já olhou para alguma coisa e pensou: “Esta eu não consigo”?

Normalmente tenho uma boa ideia do que sou capaz. Mas sou um grande sonhador também. Passo muito tempo pensando em manobras e truques antes de dormir. No meu novo filme, Way Back Home, dá para ver umas ideias malucas que, com a ajuda dos amigos, viraram realidade. Tem, por exemplo, uma geringonça que criei para saltar por cima de uma cabine telefônica vermelha, além das rampas e montes de terra montados numa ilha perto de Skye, na área de uma velha mina de ferro. As piruetas nos muros ao lado do Castelo de Edimburgo, logo no começo do vídeo, eram um sonho que nunca imaginei que funcionaria, mas que se tornou realidade com algumas horas de treino.

Quantas lesões você já teve?

Costumo pedalar dentro dos meus limites e sei o que posso e não posso fazer. Isso me permite pedalar mais e passar menos tempo lesionado. As lesões mais comuns que tive foram calcanhares ralados, pés quebrados ou tornozelos torcidos, já que minha tendência é aterrissar sobre os pés quando caio de lugares altos. Tive uma azarada série de quedas entre o fim de 2009 e o começo de 2010, que me levou a quebrar a clavícula três vezes seguidas. Tive que botar uma placa na clavícula na segunda vez, só para quebrar de novo três meses depois! Pedalar rápido e curtir minha mountain bike é muito divertido, mas leva a ossos quebrados também.

E o que você faz da vida durante o tempo parado?

As lesões fazem parte do bike trial. Não penso muito sobre isso ou não faria as coisas que faço todos os dias. Tudo o que penso quando estou lesionado é como vai ser bom quando eu estiver novamente com minha bike. Desde que não sejam muitas semanas, quase me sinto mais forte sobre a bike depois de um tempo parado. Quando fiquei nove meses sem pedalar por causa das clavículas quebradas, aproveitei o tempo para pesquisar o projeto Way Back Home, pensar a respeito das manobras novas que queria aprender, ver meus amigos e comer muita comida gostosa. Até tentei fazer um pouco de musculação, mas treinar na academia não é a minha cara. Gosto de exercícios divertidos e interessantes. O melhor treino é aquele no qual você se esforça ao máximo e não percebe.

Qual foi a maior dificuldade do projeto Way Back Home?

O vídeo foi produzido em setembro de 2009, bem na hora que quebrei a clavícula pela primeira vez. Planejava começar a filmar em abril, mas por ter quebrado a clavícula mais duas vezes, tudo atrasou. Tive de pedalar o projeto inteiro ainda lesionado e com dor nas costas. Os locais que escolhi para pedalar tornaram o projeto ainda mais difícil. Quando fiz o planejamento, só me imaginei pedalando com céu azul, sem mosquitos, com minhas pedaladas exatamente onde queria que fossem. Na realidade, me vi em locais onde só tinha uma chance de fazer a manobra dos sonhos. Em alguns momentos foi muito frustrante, quase sempre consegui me sair bem.


BIKE MEDIEVAL: Danny leva as manobras do trial ao topo do castelo Eilean Donan, originalmente construído no século 13
(Foto: Red Bull Photofiles)

Qual pedalada foi a mais memorável?

Construir uma rampa de terra na ilha de Rasaay, na Escócia, com meus amigos foi muito incrível. Foi sensacional envolvê-los numa coisa tão maluca e divertida. O clima na Escócia este verão não foi muito bacana comigo. Encontrar as melhores condições para Rasaay foi, provavelmente, a parte mais difícil. Dos trajetos de bike que já fiz, este foi o que consumiu mais tempo. Levei três dias para construir a rampa, além de nove dias ao longo de algumas semanas tentando percorrê-la sob uma chuva torrencial. Mas daí, de repente, o tempo ficou perfeito e consegui percorrer os obstáculos exatamente quando o sol estava se pondo por trás das montanhas. A sensação de dar certo foi incrível para os meus amigos que se esforçaram tanto para ajudar.

Você faz alguma coisa além de pedalar para manter o condicionamento físico?

Na verdade, não. Aproveito qualquer oportunidade que aparece, mas acho que o mountain bike é a forma de exercício mais versátil para se praticar na Escócia. É maravilhoso descer trilhas lamacentas.

Como você treina seu equilíbrio de gato?

Não é uma coisa que eu treine, exatamente. Só pedalo por cima de obstáculos com a intenção de chegar até o outro lado. É tentativa e erro mesmo, uma questão de me manter sempre praticando.

Para o tipo de ciclismo que pratica, você acha que o ambiente urbano é mais interessante do que a floresta?

É muito mais fácil inventar essas linhas imaginárias na cidade, por suas subidas, entradas, descidas e saídas. Pedalar na natureza é divertido e desafiador, mas prefiro concreto para o tipo de ciclismo que faço. E o mais legal: é tudo iluminado à noite.

Quando você descobriu que era bom nisso?

Sempre gostei de pedalar, e desde a primeira bike que ganhei, eu estava sempre derrapando e empinando. Sempre pedalei por diversão. Continuo vendo o esporte da mesma forma que quando tinha 8 anos.


SEM GRAVIDADE: Um dos melhores takes do filme é esse wallride, executado sobre a janela de uma padaria do bairro onde cresceu, na ilha de Skye
(Foto:Dave Sowerby)

Você vive num trailer. É seu lar favorito?

Não consigo encontrar palavras para definir o quanto gosto de viver no meu trailer. Foi realmente a melhor coisa que aconteceu na minha vida. É como viajar numa discoteca móvel com cozinha, chuveiro e banheiro, além de camas para até cinco pessoas. É uma delícia dirigir pela estrada e virar o retrovisor para ver se a linguiça está pronta no forno e daí fazer uma xícara de chá para acompanhar. Eu também comprei um monte de alto-falantes, um globo de discoteca, um conjunto de luzes piscantes e uma máquina de fumaça – o que torna a direção um pouco perigosa, às vezes. O trailer foi essencial para as filmagens de Way Back Home, já que conseguíamos ficar na locação por vários dias e acordar com o nascer do sol sem ter que viajar para muito longe.

Os lugares mostrados em Way Back Home são seus favoritos?

Todas as locações do filme fui eu mesmo que descobri. Tenho centenas de fotos de barragens abandonadas, cabines telefônicas, castelos e edifícios antigos de concreto por toda a Escócia. Não conseguiria fazer nada mais significativo para mim do que filmar o Way Back Home pela Escócia, envolvendo meus amigos no caminho. Foi realmente a melhor coisa que já fiz na vida. Nem todas as locações funcionaram, mas no fim eu, Dave e Mark Huskisson nos divertimos muito produzindo. Espero que as pessoas da Escócia e do mundo olhem a paisagem e achem o lugar tão incrível quanto eu acho.

Cerveja favorita?

A Sheep Shagger feita na cervejaria Cairngorm. É muito saborosa.

Qual foi a parte mais difícil de ser dublê em Premium Rush?

Foi muito divertido. Nunca tinha feito nada parecido. Ser perseguido por outros dublês vestidos de policiais por cima de carros e outros obstáculos foi hilário. Mas fazer as cenas não foi tão difícil quanto ter de repeti-las inúmeras vezes.

Como você adapta suas bikes para as acrobacias?

A minha bike é especialmente montada para o tipo de pedalada que faço. Tudo nela, das rodas ao freio dianteiro e às correntes, está ali para tomar as piores porradas. A única modificação que realizo, e que não dá para ser conseguida facilmente em lojas, é um cabo longo do freio traseiro, para que eu possa fazer certos tipos de manobras. Uso água no meu freio traseiro para deixá-lo mais leve. E também passo o cabo do freio dianteiro por dentro do cano do guidão para conseguir girá-lo mais livremente.


PERÍCIA: Mais difícil do que acertar um frontflip é acertar um frontflip sem a ajuda de uma rampa de decolagem. Para realizar a manobra em segurança, Danny treinou-a várias vezes sobre a água
(Foto: Dave Sowerby)

Quais são os maiores erros que os novatos cometem?

Vejo um monte de garotos começando a pedalar com o objetivo de conseguir um patrocínio. É ótimo ter ambições na vida e no esporte, mas acredito que se você ficar bom o suficiente em alguma coisa, e se você pedalar por diversão, então as pessoas certas vão te notar e coisas como patrocínio acontecerão naturalmente. Outro erro que se pode cometer no começo é tentar logo de cara os truques mais avançados antes de dominar o básico. Quando você aprende o básico, vira um ciclista muito mais completo.


Quais suas três dicas para pedalar melhor?

Tem uma série de cinco truques num vídeo novo muito legal que filmei com meu amigo Dave Sowerby, nas ruas de Londres, para meu patrocinador de roupas DigDeep. O vídeo está no YouTube [procure por Danny MacAskill Streets London DigDeep]. Minhas três melhores dicas para ser um ciclista melhor são:

1. Pedale sempre por diversão e para você mesmo.

2. Sua bike roda sobre duas rodas, por qualquer tipo de terreno, então vá lá e pedale por tudo. Tente realizar coisas que nunca tentou antes.

3. A prática leva à perfeição. Tente uma manobra várias vezes e, quando aprender um truque, faça em obstáculos cada vez maiores para se sentir mais confortável ao encarar novos desafios.

* Heidi Volpe é diretora de arte, mountain biker das boas e autora do blog Singletrack Dirt, hospedado no site da Outside americana.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2011)







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