Areia nos olhos


TRABALHEIRA: Entre um drop e outro, Digiácomo toma nota das medidas de uma duna com a ajuda de um GPS. Ele quer catalogar as sete maiores do planeta

Por Mario Mele
Fotos por Ricardo Ribas

“SIGO A MÁXIMA DE ROBERT CAPA”, revela o fotógrafo brasileiro Ricardo Ribas, o autor das fotos que você vê neste ensaio, se referindo ao célebre colega húngaro especializado em registros de guerra. “Se a foto não está boa o suficiente, é porque você não chegou perto o suficiente.” Para Ricardo, as melhores imagens de ação são aquelas feitas bem próximas do atleta.

Em maio, à procura das maiores e mais intocadas dunas do planeta, ele e o sandboarder paulista Digiácomo Dias viajaram durante 20 dias pelo Peru. Não só tiveram contato com montanhas de areia virgens como se depararam com a maior duna do mundo, em Arequipa. A dupla retornou ao Brasil com as belas imagens que você nas páginas a seguir.

Em algumas delas, paradoxalmente, Ricardo preferiu deixar Digiácomo bem distante no quadro. “Em alguns casos a composição da foto justifica essa escolha”, explica ele. A seguir, o fotógrafo e o sandboarder contam mais sobre a aventura nas areias peruanas.

GO OUTSIDE: Para você que fotografa vários esportes, o que significa uma boa foto de ação?

Ricardo Ribas: Acho que é aquela tirada bem próxima ao atleta. Ao mesmo tempo, fotografar esportes não envolve somente a ação, mas todo o contexto que cerca a performance, como a paisagem onde se pratica. Por isso utilizo mais lentes grande-angulares e normais (50 mm) do que teleobjetivas.

Qual a diferença entre fotografar sandboard e fotografar outros esportes?

Ricardo: Primeiro, as caminhadas na areia são bem cansativas, principalmente para subir dunas grandes. Além disso, é fundamental tomar um grande cuidado para não danificar o equipamento, principalmente quando o vento está forte. Outra particularidade: o começo da manhã não é adequado para a prática desse esporte, pois a areia geralmente está úmida e a prancha desliza com dificuldade. Então as sessões de foto se concentram no final da tarde, quando a luz é boa para fotografar.

Qual é a sua foto favorita de toda a expedição? Por quê?

Ricardo: É uma em que o Digi está fazendo a descida derradeira do Cerro Toro Mata, logo depois de descobrir que se tratava da maior duna do mundo. Gostei da composição da foto, com a linha diagonal formada pela crista da duna, o vale do rio Acari lá embaixo, meio encoberto pelas nuvens, e a silhueta do Digi, que dá uma noção de tamanho e altura da montanha de areia. Para completar, a luz estava perfeita. Faltavam apenas alguns minutos para o pôr-do-sol.

OÁSIS: Nesta foto, a alemã Niki Gayer voa com facilidade

Depois de ter visto vários sandboarders descerem diferentes dunas, como você avalia o estilo de Digiácomo?

Ricardo: O estilo dele é mais solto e fluido do que qualquer outro sandboarder que eu tenha visto. Parece que tudo o que ele faz é fácil. Ele também é o cara que salta mais alto e vai mais longe. Sem contar que não tem medo de encarar as descidas mais íngremes e saltar grandes rochas que surgem a sua frente.

Vocês chegaram a lugares realmente isolados?

Digiácomo Dias: Sim, algumas dunas ficam no meio de desertos, completamente isoladas da civilização, o que deixou a expedição ainda mais interessante. Aterrissamos em Lima, alugamos um carro e fomos para Chimbote, no norte do país, perto de Trujillo. Ficamos três dias ali e seguimos para Ica, mais ao sul. No caminho, encontramos dunas incríveis e totalmente virgens. Ica é considerado um dos melhores lugares do mundo para a prática do sandboard. É lá também onde fica o pequeno vilarejo de Huacachina, um verdadeiro oásis. Na sequência, fomos para Nazca, onde se encontra a duna Cerro Blanco, de 750 metros de altura. Para fechar a expedição rumamos para Arequipa, onde encontramos a maior duna do mundo, com 1.084 metros de altura.

É uma diversão arriscada?

Digiácomo: No caso de algum acidente, o resgate é quase impossível. Dunas virgens são extraordinárias, mas, além de afastadas, podem reservar surpresas desagradáveis, como pedras e buracos. Em algumas há cobras, aranhas, escorpiões e outros bichos perigosos.


PRA QUEM PODE: Entendeu agora por que Digiácomo é um dos melhores sandboarders do mundo?

Qual é a grande dificuldade desse esporte?

Digiácomo: Sem dúvida, é escalar até o topo de uma duna, ainda mais para mim, que gosto de dunas gigantes. Levamos 5 horas para chegar ao cume de uma duna e, em outra, paramos, acampamos e só finalizamos a subida no dia seguinte. Em casos como esses, faço um único drop, a quase 70 km/h, que dura mais ou menos 3 minutos.

O sandboard cresceu nos últimos anos?

Digiácomo: Nos últimos dez anos o sandboard vem tendo boa aceitação e já é respeitado em diversos países. Mas precisa ainda ter uma melhor organização para poder ser valorizado como o surf, o skate ou o snowboard. Acredito que o sandboard ainda esteja engatinhando, mas pode conquistar um espaço bem maior dentro dos esportes radicais.

Encontrou muitos praticantes durante a viagem?

Digiácomo: O sandboard se espalhou muito no Peru. Os principais atletas são de Ica, mas pude observar que tanto o número de praticantes quanto o nível técnico está cada vez maior – e isso em diferentes cidades. Os peruanos têm bastante experiência em dropar dunas gigantes e já ocupam um lugar importante na cena mundial.

O que caracteriza uma boa duna para sandboard? Qual foi a melhor duna que você desceu nessa viagem?

Digiácomo: Para uma duna ser boa, ela não tem que ser necessariamente gigante, mas sim contar com uma areia na qual a prancha deslize fácil e rápido. A formação é outro fator que influi. Algumas dunas têm rampas naturais e paredões que a tornam bem interessantes. Nessa viagem, desci a duna Toro Mata, em Arequipa, a maior do mundo. Não a conhecia até então, mas fiquei impressionado com seu tamanho e com a boa qualidade da areia.

Pelo visto, você possui uma base excelente sobre a prancha e não teria problemas em ser um excelente skatista ou surfista. Por que escolheu o sandboard?

Digiácomo: Já andei de skate, surfei, remei e joguei futebol. Mas só quando mudei com minha família para Floripa encontrei meu verdadeiro esporte. Ganhei uma prancha de sandboard do meu irmão mais velho e, imediatamente, relacionei ao snowboard, que eu já via e admirava nos vídeos gringos. O sandboard me passa uma sensação que mistura liberdade e adrenalina, algo que me dá muito prazer. Gosto do contato direto com a areia e sou apaixonado pelos desertos do mundo. Vivo momentos inesquecíveis por conta do sandboard.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2011)