O aventureiro norte-americano Erik Weihenmayer já pulou de aviões, competiu nas mais duras provas de mountain bike e chegou ao cume do Everest, tudo isso sem enxergar. Mas nada até agora foi tão desafiador quanto sua mais recente expedição: desbravar o Grand Canyon de caiaque – sozinho Por Tracy Ross
ERA COMO SE OS REDEMOINHOS do rio conseguissem pensar, materializando-se na água barrenta no momento exato de atacar o integrante mais vulnerável da expedição. Era janeiro de 2012, e Erik Weihenmayer e Rob Raker estavam descendo o sinuoso rio Usumacinta, entre a Guatemala e o estado mexicano de Chiapas. Os bugios gritavam, e aves coloridas soltavam seus cantos. Erik ouvia toda a beleza a seu redor, inclusive o som da cachoeira que caía adiante, mas não conseguia apreciar nada. O imenso fluxo do rio criava redemoinhos itinerantes, cada um com uns três metros de largura, que apareciam de repente, engoliam a embarcação, desapareciam e depois reapareciam mais abaixo. Alguém que enxerga, como Rob, cinegrafista de aventura e amigo de Erik há muito tempo, conseguia ver a formação dos redemoinhos, remar com força para a direita ou para a esquerda e evitá-los. Mas a água “engoliu” Erik, que é completamente cego desde os 14 anos de idade. “Estava remando e, de repente, senti o rio borbulhando embaixo de mim”, disse Erik, hoje com 44 anos. “Eu conseguia ouvir Rob três metros atrás de mim, gritando: ‘Rema! Rema mais forte!’. E lá estou eu, remando para salvar minha vida. Fico em pânico, pois sei exatamente o que acontecerá. O rio vai puxar minha proa para baixo, me virar e me arrancar do cockpit. Da primeira vez, tive a sorte de conseguir me agarrar ao bote de segurança. Mas, na próxima, quem sabe? Para mim, ser sugado por um redemoinho não é como para as outras pessoas. Eu não consigo ver a luz. Não sei o caminho certo para cima.” O Usumacinta encontrava-se com um fluxo sete vezes maior do que o normal para o rio Colorado, nos EUA. Em teoria, esse era exatamente o tipo desafiador de expedição de caiaque que Erik tanto buscava. Após quatro anos treinando, ele queria se tornar a primeira pessoa cega a descer o Grand Canyon num caiaque – um percurso de 363 quilômetros que inclui meia-dúzia de corredeiras classe IV para lá de casca-grossas. Na realidade, no entanto, o Usumacinta mostrou-se mais violento, agressivo e traiçoeiro do que Erik e sua equipe de sete canoístas esperavam. Ele foi sugado por vários redemoinhos, nadou dezenas de vezes e, de forma geral, achou o rio mais aterrorizante do que qualquer coisa que já havia tentado antes. O que quer dizer muito, se você souber um pouco sobre a vida de Erik. Ele passou a maior parte de sua existência se lançando em desafios que a maioria das pessoas – que enxergam ou não – nunca pensariam em fazer, como caminhar do Paquistão ao Tajiquistão com seu pai antes de completar 20 anos de idade. Quando estava no ensino médio, começou a escalar em rocha, que o levou à escalada em gelo, que o motivou, em 1995, a chegar ao cume do Denali, montanha de 6.193 metros no Alasca. Em 2001, posou triunfante nas capas da Outside norte-americana e da Time após escalar o Everest, quinta montanha de seu bem-sucedido projeto de fazer os Sete Cumes (os picos mais altos de cada continente). Para Erik, um dia feliz deve incluir skydiving, mergulho ou esqui, enquanto outros poderiam ter uns trechos de corrida de aventura e mountain bike. E, antes que você pense que ele só vive de adrenalina, após cada uma dessas aventuras ele volta para casa e beija a esposa, Ellen, e ajuda a cuidar dos filhos, Emma, de 12 anos, e Arjun, de 10. No currículo de Erik, podem-se listar, também, lucrativas palestras motivacionais, um projeto social que ajuda ex-soldados e outras pessoas com deficiência a se desafiarem em aventuras ao ar livre e um livro, Touch the Top of the World [Tocando o Topo do Mundo], com mais de 600 mil cópias vendidas. Porém, de acordo com Erik, nada se compara a remar um caiaque literalmente às cegas. Segundo ele, a sensação é a de “sentar com os olhos fechados em uma embarcação com formato de foguete e descer uma avalanche”.
SEIS MESES DEPOIS, no dia 1º de maio de 2012, encontrei com Erik para um café da manhã em um hotel em Charlotte, na Carolina do Norte (EUA). Estamos nessa cidade porque foi para lá que ele decidiu se mudar depois do trauma do rio Usumacinta. Não muito longe daqui localiza-se o Centro Nacional de Águas Brancas dos Estados Unidos, um playground ao ar livre de US$ 38 milhões com o maior rio circulante criado pelo homem no mundo, além de percursos de cordas e tirolesas. Seis bombas enormes jogam dois milhões de litros de água em dois canais de cimento cuidadosamente projetados. Suas corredeiras vão desde classes I ou II, no chamado Canal de Instrução, até classes II a IV, maiores e mais selvagens, no Canal de Competição. O local atrai todo tipo de gente, entre elas grupos escolares, pelotões do exército e canoístas pró, em parte por ser o lugar perfeito para se evoluir de iniciante a avançado. Se você virar o barco e não conseguir se auto-resgatar, provavelmente vai parar num remanso. Além disso, há os “guardas do rio”, prontos para lhe jogar um cabo em situações de emergência. Antes da viagem do Usumacinta, as técnicas de águas brancas de Erik eram bem boas. Ele conseguia desvirar o caiaque até mesmo no meio de uma corredeira – o que é conhecido internacionalmente como combat roll. Mas por meses após a expedição, ele nem chegou perto do caiaque. “A coisa mais estranha do México foi que o Erik pensa que levou uma surra do rio, mas não levou”, diz Rob, que passou os últimos cinco anos ensinando canoagem a Erik. “Ele foi sugado para dentro de alguns redemoinhos, mas nunca correu risco de morte. Seu medo o estava dominando a um ponto que eu nunca havia visto em dez anos de amizade.” Seus primeiros dois dias no Centro de Águas Brancas foram duros. No canal mais fácil, Erik perdia o equilíbrio, virava, tentava rolar de volta em pânico e acabava arrancando a saia do caiaque e nadando – uma reação de iniciante. Remando ao seu lado, Rob mal conseguia esconder seu desânimo.“Era tipo assim: ‘Cara, você consegue segurar a respiração por mais do que três segundos’”, conta Rob. “Mas ele estava em um tal nível de pânico que achava que nunca mais iria conseguir remar.” “Para mim”, explica Erik, “todos os elementos da canoagem, desde pegar o ângulo certo de travessia ao entrar no rio até permanecer ereto quando a frente do meu caiaque se engancha em um remanso, têm relação com o controle do medo e com me sentir bem no meio do caos. De certa forma, eu gosto disso. Mas, quando acontece um erro – quando perco um remanso ou o Rob se distancia muito e não consegue remar de volta –, tudo desaba a minha volta rapidamente”. Na água, Rob tenta manter uma distância de Erik que possibilite a ele se comunicar com o amigo com um grito. Lutando contra o ruído das águas, ele berra: “Direita suave!” ou “esquerda suave!” para guinadas de 15 graus, “direita!” ou “esquerda!” para guinadas de 45 graus e “direita forte!” ou “esquerda forte!” para guinadas de 90 graus ao se aproximarem dos vários obstáculos. E isso funciona na maioria das vezes. Mas, nas ocasiões em que a voz do Rob se perde na cacofonia das águas, as cenas de pesadelo de Erik se tornam terror verdadeiro. “Eu sonho que me arrebentei nas pedras”, conta Erik. “Rob grita para mim, e eu não escuto o que ele está falando. No meu sonho estou hiperventilando de ansiedade e pânico. Acordo com as mãos suando.” Vejo um pequeno exemplo do que causa esses pesadelos quando Rob e Erik entram na Entrance Exam (Exame de Admissão, em inglês), uma corredeira classe II localizada no Canal de Instrução. Grupos de canoístas se juntam ao redor, sem saber que o cara no caiaque azul boiando instável em um remanso irá tentar navegar pelas corredeiras guiado apenas pelo som das águas, sem enxergar nada a sua volta. Em pé na beira do canal, mal posso escutar Rob por cima das ondas, mas consigo entender: “Duas remadas fortes à direita, alinhe-se, força pelo meio!”. Claramente nervoso, Erik se joga e entra na correnteza. E, deus do céu, por poucos segundos ele parece mesmo um verdadeiro canoísta de águas brancas. Seu rosto está relaxado, e os ombros estão alinhados com a corredeira. Ele segue as instruções de Rob, remando forte na direção do centro da corredeira. Mas, quando as ondas se sobrepõem à voz de Rob, Erik entra em pânico. Numa vala entre duas ondas, ele para, fica de lado e vira. Passam-se dez, quinze segundos enquanto ele tenta se endireitar, com Rob flutuando por perto. Após três rolamentos abortados, ele arranca a saia e nada, com seu caiaque e remo lançados em diferentes direções. A natureza imprevisível das águas brancas também prejudicam o equilíbrio de Erik, o que o faz sentir-se nauseado. E eu só sei disso porque o escutei discretamente contando sobre o enjoo a Rob. A sensação de querer vomitar a todo momento é apenas um dos desafios enfrentados por Erik em sua tentativa de descer o Grand Canyon em um caiaque. A ideia inicial era tentar a expedição no primeiro semestre de 2013, mas a data foi transferida para o segundo semestre de 2014. Estabelecer um sistema de comunicação na água tem se mostrado frustrante e difícil. E há outro problema: a saúde de Rob. Em 2010, Rob, um talentoso atleta outdoor, foi diagnosticado com um tipo raro de câncer de próstata, cujo tratamento retarda a doença, mas não a cura. O tratamento é chamado de Terapia de Privação de Andrógeno [ADT, na sigla em inglês], também conhecida como “castração química”, e rouba até a última molécula de testosterona do corpo, gerando fadiga, ganho de peso, além de perda de massa muscular e de clareza mental. Como outros tratamentos contra o câncer, a ADT pode ser pior do que a doença – e, por enquanto, Rob decidiu que o tratamento é ruim demais para continuar. Ele também diz, entretanto, que irá recomeçar a ADT em breve. Sua esperança é que, fazendo isso, permanecerá forte e saudável durante tempo suficiente para fazer tudo o que gosta – e, talvez, juntar-se a Erik no Grand Canyon. “Certamente vou morrer disso", diz Rob, que tem ajudado Erik a atingir seu objetivo enquanto também dirige uma produtora de filmes e passa o máximo possível de tempo com sua esposa, Annette Bunge, com quem é casado há 16 anos. “Pode ser em dois anos, pode ser em cinco anos. Na melhor das hipóteses, enquanto eu diminuo a velocidade do desenvolvimento do câncer com esse tratamento horrível, eles descobrem a cura. Mas não é provável. Então, com o Erik, eu vivo um dia depois do outro.”
POUCOS ANOS DEPOIS de Erik escalar o Everest, ele tornou-se amigo de Rob. Foi em 2003, durante a corrida de aventura Primal Quest, que aconteceu nos Estados Unidos e foi considerada uma das mais difíceis do planeta. Rob, que estava filmando o evento, emprestou um casaco para Erik durante uma das etapas, e aí nasceu a amizade dos dois. Ele e Rob começaram a escalar rocha e gelo juntos, e Rob rapidamente se tornou o guia e o melhor amigo de Erik. Quando Erik e sua esposa foram até o Nepal para adotar o filho do casal, Rob os acompanhou para ajudar no processo. Em 2008, Erik pediu a Rob que o ensinasse canoagem. Nunca houve um momento – antes ou depois da cegueira – em que Erik não estivesse envolvido em aventuras. Caçula de quatro irmãos, ele foi diagnosticado, ainda criança, com retinosquise (uma doença rara caracterizada pela separação anômala das camadas da retina) e, durante a infância, apenas enxergava formatos e sombras. Mas seu pai, Ed, se recusava a permitir que a diminuição da visão do filho atrapalhasse seu espírito aventureiro. Erik era obcecado em fazer saltos com sua bike. Só que, aos 11 anos, ele não conseguia enxergar o suficiente para brincar nas rampas que construíra com seus irmãos. Ed, que hoje trabalha como empresário do filho, sabia que o tempo de liberdade de Erik estava se esgotando. Então, em vez de acabar com a emoção do menino, ele pintou as rampas com tinta laranja fluorescente, estendendo um pouco a independência de Erik. Os anos após sua perda completa da visão foram difíceis. Perto do seu 16º aniversário, outra tragédia abateu-se sobre a vida dos Weihenmayers: a mãe de Erik morreu em um acidente de carro. A família caiu num buraco negro profundo. Ed, ex-gerente de recursos humanos de Wall Street, agora com 72 anos, resgatou os garotos da tristeza levando-os a destinos de aventura como Machu Picchu, Papua Ocidental e Paquistão. Erik se apaixonou pelas montanhas e pelas expedições e, após se formar em 1991, começou sua carreira de aventureiro profissional. De acordo com Rob, Erik foi um aluno nota dez de canoagem. Ele conseguiu realizar um rolamento poucas horas depois de tentar a manobra pela primeira vez. Nos últimos anos, os dois remaram em várias duras corredeiras classe III e, durante essas empreitadas, foram aperfeiçoando a comunicação entre eles. Nas montanhas, Erik normalmente segue o som de sinos presos a seu guia de escalada. Em uma das corredeiras, Rob tentou remar algumas dezenas de centímetros à frente do caiaque de Erik assoprando um apito de vez em quando para mantê-lo orientado. Mas o ruído das águas e as paredes de quartzito do cânion do rio reverberavam o barulho do apito, e assim Erik não conseguia distinguir de onde vinha. Além disso, era difícil para Rob estudar o caminho a seguir com o caiaque e, simultaneamente, voltar e apitar mantendo uma boa distância entre as embarcações.
Quando os barcos estavam muito perto um do outro, acabavam colidindo, frequentemente derrubando Erik. Como Rob sabia que seu aluno prodígio certamente evoluiria para rios com pedras, lajes, troncos e buracos, decidiu tentar outro método para guiá-lo. Rob passou então a remar atrás de Erik, e isso permitiu que mantivesse uma distância menor entre os dois. Ele gritava: “Vire à direita!”, “vire à esquerda!”, “sequência de ondas!” ou “remanso!” conforme ia estudando o rio. De acordo com Rob, no final do primeiro dia em que usaram essa técnica Erik estava executando cada movimento “de forma impecável.” Mas logo a dupla sacou que, à medida que as águas aumentavam, também crescia a necessidade de uma comunicação mais consistente. Tentaram rádios à prova d’água, que permitiam a Rob dar instruções curva-a-curva diretamente no fone de ouvido de Erik. Porém os rádios também não funcionaram direito, porque apenas uma pessoa pode falar de cada vez (tipo um botão de Nextel). O sistema também tinha um atraso de meio segundo – muito longo para um cara cego num campo minado de obstáculos –, e às vezes a comunicação era cortada de repente. “Você pode imaginar o que acontece quando uma pessoa cega entra na parte mais caudalosa do rio e o rádio para de funcionar”, diz Rob. Rádios duplex (como telefones, onde duas pessoas podem falar simultaneamente) também falharam, porque não eram à prova d’água e tinham som ruim. Em março passado, finalmente os dois encontraram uma opção melhor: uma empresa britânica chamada DS Neptune Developments, que vende um sistema de comunicação via bluetooth totalmente à prova d’água, o que permite a duas pessoas estarem na linha ao mesmo tempo. De acordo com Chris Wiegand, que também ajuda Erik como guia, esse novo sistema permite ativação e conversa em tempo real. Também possibilita aos guias de Erik estarem um pouco mais longe dele, diminuindo o risco de os caiaques baterem.
O GRAND CANYON PODE SER mais piedoso – e, consequentemente, mais factível para Erik – do que a maioria das pessoas imagina. Pelo menos é o que diz Brad Dimock, guia da agência de turismo Arizona Raft Adventures que trabalha e escreve a respeito do rio Colorado há mais de 40 anos. Segundo Brad, o Grand Canyon tem vazão semelhante ao Usumacinta apenas quando está enfrentando enchentes – o que não acontecerá tão cedo, já que o oeste do país sofre com uma baita seca há meses. Além disso, o rio Colorado tende a ser mais manso do que se pensa. “De seus 365 quilômetros, apenas 50 quilômetros do Colorado e seus afluentes têm corredeiras significativas”, diz Brad. Guias como ele chamam o Grand Canyon de “um grande classe III com um par de corredeiras classe IV”. Tradução: ainda que o volume de águas seja enorme, o Grand Canyon é um lugar difícil de uma pessoa se afogar, a menos que ela vacile muito. O canoísta Brad Ludden, que realizou a primeira descida de dezenas de rios pelo mundo e agora tem uma ONG que leva sobreviventes de câncer para aventuras ao ar livre, concorda. “Você pode nadar toda a extensão do rio e sobreviver”, diz. “Mas para uma pessoa cega se trata de um rio extremamente desafiador. Tem ondas gigantes e inevitáveis. Se ele conseguir manter o controle mental, se dará bem. Porém, no segundo em que perder o autocontrole, a situação pode ficar bem mais difícil”.
Brad Dimock acredita que, caso fosse necessário, Rob e Erik poderiam fazer o Grand Canyon sem os rádios. Há apenas três ou quatro trechos – incluindo as corredeiras Hance, Lava Falls e Serpentine Rapid – onde é “absolutamente necessário” que um canoísta se alinhe perfeitamente entre os obstáculos. “São águas onde um bom remador pode permanecer a uma distância em que é possível gritar e ser ouvido o tempo todo por Erik”, diz Brad.
Já Rob discorda: “Nem pensar! É aí que as pessoas que não têm experiência nenhuma em guiar cegos adoram se meter. Erik é totalmente cego. Você mesmo viu: é preciso estar colado nele o tempo todo, ou ele surta totalmente. As corredeiras do Grand Canyon são tão grandes que, quando você está num caiaque, não enxerga nada por cima das ondas. E se alguma coisa acontecer com o Erik e ele tiver de nadar? Alguém com visão normal pode enxergar ao redor e nadar para um lugar seguro. Sem rádio, Erik não faz ideia de onde está. Se ele flutuar rio abaixo e eu não conseguir chegar até ele, as consequências podem ser desastrosas”. Por mais conservador e metódico que seja em sua preparação, Erik, como todo aventureiro profissional desafiando os limites do humanamente possível, aprendeu a lidar com os riscos inevitáveis. Por um lado, Erik é inflexível quanto a não ter que provar nada para ninguém além dele mesmo. Porém as coisas são mais complicadas do que isso. Poucos meses antes da viagem a Charlotte, quando perguntei a Erik por que ele queria descer o Grand Canyon, ele me contou de quando pediu dinheiro ao presidente da Federação Nacional dos Cegos, Marc Maurer, para escalar o Everest. Depois de Erik explicar seu caso, Marc respondeu com uma pergunta. “Quando você escalar o Everest, correrá algum risco?”, disse.
“Sim”, respondeu Erik.
“Se você chegar ao cume, pode morrer?”
“Sim.”
“Então vamos te patrocinar. Porque, quando as pessoas pensam em cegueira, queremos que pensem em alguém no topo do mundo, dando seu melhor.” Se tudo correr conforme os planos de Erik, as pessoas também poderão pensar em alguém que realizou uma façanha de magnitude ainda maior. “No Everest, eu senti que estava no meu elemento, que é a montanha”, diz ele. “Já na água pode acontecer muitas loucuras em um curto espaço de tempo. Você tem que estar preparado.” Erik conseguiu recuperar seu entusiasmo com o caiaque desde a última vez que o vi, em Charlotte. Ele havia remado mais meia dúzia de corredeiras classes III e IV, incluindo o rio Yanatile, no Peru, e a parte superior do Apurímac (na cabeceira do Amazonas). E ainda visitou de novo o Usumacinta. Desta vez, conta Chris Wiegand, seu rolamento estava ótimo e ele não tinha “problemas com os redemoinhos grandes”. Erik também havia feito outras descidas, incluindo o rio Chocolja, no México, extremamente técnico, cheio de curvas fortes e quedas enormes. Os rádios funcionaram muito bem.
Alguns meses atrás, Erik e sua equipe decidiram que ele estava pronto para uma descida-treino no Grand Canyon. Rob foi junto, apesar de seu câncer ter piorado. Em abril, a dupla pegou um barco a motor e desceram sete das dez maiores corredeiras de lá. “Erik não apenas ultrapassou suas próprias expectativas como as nossas também”, diz Chris. “Ele tende a ficar superestimulado e mentalmente exausto com as corredeiras grandes, e tem tendência a entrar em pânico. Mas nessa viagem ele realizou rolamentos em que conseguiu tirar o caiaque todo de um buraco. Também realizou rolamentos consecutivos em ondas de 4,5 metros” Quando falei com Erik depois, ele me contou que uma das corredeiras que preferiu não descer foi a Lava Falls, está entre as maiores cataratas do hemisfério norte, além de ser um dos mais temidos trechos de águas brancas do Grand Canyon. Antes que eu conseguisse perguntar, ele disparou: “Eu preciso de alguma coisa que me faça querer voltar”.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2014)
Fotos Jeremy M. Lange
PARCEIRAÇOS: Erik e Rob Raker, na Carolina do Norte; à dir., ele se arrumando para cair na água
BLIND DATE: Erik rema na corredeira Hermit, no Grand Canyon, durante treinamento, em 2013
A DOIS: Aqui e à dir., Erik (de capacete vermelho) com um instrutor
RESPIRO: O canoísta faz uma pausa nos treinos