Peixes voadores

Desafiadores, incríveis e… perigosos. Entenda a nova cena dos pulos de penhasco, a modalidade mais extrema e arriscada dos saltos ornamentais

Por Bruno Romano


CORAGEM: O norte-americano David Colturi decola em uma etapa do Red Bull Cliff Diving
disputada em Boston (EUA)
(FOTO: Dean Treml)

“EU JÁ SUBI LÁ ALGUMAS VEZES, mas a verdade é que ainda não tive coragem de encarar a plataforma de 27 metros”, ri. É assim, sem um pingo de dúvida ou de vergonha, que o norte-americano Greg Louganis descreve sua “quase experiência” nos saltos de penhascos. Só um detalhe: Greg é um dos maiores nomes da história olímpica quando se fala em saltadores. Na plataforma de 10 metros – altura máxima em competições internacionais até o ano passado –, ele coleciona duas medalhas de ouro em Olimpíadas, três títulos mundiais e outros três pan-americanos, entre as décadas de 70 e 90. Hoje Greg é árbitro de competições extremas e seu respeito frente aos novos saltos não nos deixa dúvida: o esporte evoluiu e está longe de ser praticado por qualquer um.

Os saltos de penhascos desafiam, desde o século XVIII, os locais de Kaunolu, no Havaí, local tido como berço do esporte, e se tornaram atração turística no desfiladeiro La Quebrada, em Acapulco (México). Apesar disso, as competições de alto nível têm uma história bem recente. A Federação Internacional de Natação (FINA) incluiu a competição de saltos de grandes alturas no Mundial somente a partir de 2013. Os moldes do torneio foram inspirados no circuito Red Bull Cliff Diving que, desde 2009, reúne os melhores saltadores extremos do mundo em sete etapas realizadas em Cuba, Estados Unidos, Irlanda, Noruega, Portugal, Espanha e Brasil. A temporada do Cliff Diving 2014 começou em maio, com a etapa cubana, e teve dois atletas brasileiros entre os convidados.

Um deles é o paraense Jucelino Alves, 30, que recebeu convite da organização para competir em três etapas deste ano. “Comecei a praticar esse tipo de salto na China, em um show aquático do qual eu participava quando morava lá. Agora vivo em Belém e minha rotina é composta por treinos na plataforma de 10 metros e academia. Hoje a relação com o esporte é de 100% de dedicação”, garante ele, que ficou com a 9a colocação em Cuba. Outro brasileiro, Edivaldo Moura, 31 anos, também competiu em Cuba, terminando em penúltimo lugar entre os 14 saltadores. “A cada vez que participo percebo que estou mais perto dos caras, mas ainda não tenho onde praticar saltos tão altos. Existem alguns projetos de criação de plataformas, mas nada se concretizou ainda por aqui”, completa Jucelino.

Esse problema não é exclusividade do Brasil. Mesmo na Rússia, terra do atual campeão do Cliff Diving, Artem Silchenko, não há plataformas fixas de 27 metros. “O jeito é aprimorar a parte física e os movimentos”, explica Artem que, assim como os outros atletas, chega a atingir uma velocidade de 90 km/h no fim dos saltos, sofrendo um impacto de até cinco vezes o peso de seu próprio corpo no contato com a água. Uma aterrissagem de costas ou de barriga seria tão forte que se compara a uma pancada de 13 metros no concreto, afirma a organização do Cliff Diving, e um erro de poucos graus no ângulo da descida já pode causar uma grave lesão.

MESMO COM TODOS OS RISCOS, os atuais saltadores encontram uma viciante mistura de diversão, prazer e adrenalina a cada pulo no vazio. “Buscamos competir em todas as provas possíveis para aperfeiçoarmos os saltos de alturas maiores. Mas ainda não temos grande notoriedade. Meu título do ano passado não teve grande repercussão na Rússia, com exceção de familiares, amigos e parte da imprensa. Mas quando fui para Cuba este ano, o cara do aeroporto me reconheceu e ganhei um upgrade para primeira classe”, diverte-se Artem.

Mas os tempos de quase anonimato podem acabar mais cedo do que se espera. Além do crescimento do circuito da Red Bull, a Federação Internacional de Natação (FINA) oficializou em 2012 o salto ornamental de grandes alturas como uma modalidade profissional. No ano passado, saltos de 27 metros (masculino) e 20 metros (feminino) foram realizados durante o 15º Campeonato Mundial da FINA, em Barcelona. “Essa chancela da FINA com certeza ajuda o crescimento do esporte”, defende o colombiano Orlando Duque, vencedor do Mundial em Barcelona 2013 e primeiro campeão do Cliff Diving, em 2009.

Orlando é referência em coragem e estilo entre os praticantes da modalidade. “A cada dia fica mais tranquilo saltar, mas nunca é tão fácil assim. O dia em que você não estiver tenso vai acabar perdendo a concentração e se machucando. Por isso, é importante sempre respeitar a altura dos saltos e a natureza do local”, explica. “Desta altura, um erro pode ser fatal ou resultar em uma contusão bem séria”, pontua Gred Louganis, a lenda dos saltos olímpicos. E acrescenta: “Por outro lado, a altura maior dá aos saltadores tempo suficiente para executar movimentos impossíveis em plataformas menores. Sinceramente, o que estes caras têm feito é tão impressionante que não sei onde o esporte pode chegar”.


TCHIBUM: O colombiano Orlando Duque salta de uma
árvore de 27 metros na selva amazônica
(FOTO: Fabio Piva)

Guerreiros e clavadistas
As raízes do salto de penhasco foram fincadas no Havaí e no México

“LELE KAWA” É UMA ANTIGA EXPRESSÃO HAVAIANA que significa exatamente o que os jurados de hoje apreciam em um pulo extremo: “saltar de um alto penhasco sem espirrar água”. Em 1770, o termo e o salto eram usados por Kahekili, rei de Maui, no Havaí, como um ritual de iniciação e teste de coragem de guerreiros locais. A tradição seguiu até o século XIX, quando outro rei, Kamehameha, começou a organizar competições de saltos de penhasco. Até hoje, em Kaunolu, lado oeste da ilha havaiana de Lanai, torneios desafiam saltadores de uma plataforma natural de 19 metros.

Bem longe dos reis havaianos, um grupo de jovens pescadores de pérolas mexicanos ganhou notoriedade no mundo dos pulos de penhascos. Há 80 anos, uma explosão programada de dinamite abriu um pequeno e revolto canal no desfiladeiro de La Quebrada, em Acapulco, no sul do México. Sem fotos ou registros oficiais, credita-se a um garoto de 13 anos o primeiro salto no local, em 1934. Apesar da maioria das fontes informais apontarem para uma altura de 35 a 40 metros, a plataforma natural mais alta de La Quebrada possui aproximadamente 25 metros. Uma montagem feita no filme “Fun in Acapulco” (Diversão em Acapulco, em tradução livre), de 1963, mostra o astro da música e do cinema Elvis Presley saltando do penhasco e tornando o local famoso para sempre.

Atualmente, os “clavadistas” mexicanos (de clavado, termo espanhol usado para grandes saltos) fazem performances para turistas de todo o mundo. No entanto, o salto é extremamente arriscado: é preciso sincronizar o pulo com a entrada das ondas no canal. Além disso, os locais costumam pular de cabeça – muitas vezes com vários deles saltando simultaneamente. “A entrada de cabeça é muito perigosa e possibilita uma série de lesões sérias. Eu não só não saltaria dessa forma como não vejo isso como a evolução da modalidade, já que um erro pode afastar o atleta dos saltos por muito tempo”, defende Orlando Duque, primeiro campeão do Red Bull Cliff Diving, realizado em 2009. “A ossatura do ombro é muito mais frágil que a das pernas e não aguenta o impacto destas entradas por muito tempo. Mas os clavadistas mexicanos têm uma estrutura física diferente e conseguem fazer este tipo de coisa, apesar do risco enorme”, completa Orlando, que, além de se destacar nas competições oficiais, já fez saltos mais selvagens como um pulo em rio, de uma árvore de 27 metros no meio da Amazônia.

Toque feminino
Novo circuito feminino terá participação de brasileira

O SALTO DE GRANDES ALTURAS já é realidade para um pequeno grupo de mulheres. A temporada de 2014 do Red Bull Cliff Diving será a primeira na história com três etapas femininas, nos Estados Unidos (junho), Noruega (julho) e Brasil (outubro). A gaúcha Jacqueline Valente, de 28 anos, será uma das cinco atletas fixas da competição, que terá saltos de 20 metros – sete a menos do que na plataforma masculina. “Me sinto honrada em poder representar o meu País. Ser a única brasileira na modalidade me faz sentir especial”, diz a ex-ginasta e artista de circo.

Em busca de plataformas maiores do que 10 metros, Jacqueline mudou-se para a França, onde trabalhará em um parque de diversões fazendo shows de saltos ornamentais. Os treinamentos em grandes alturas vão acontecer entre as exibições, com o parque fechado. Além da temporada do Cliff Diving, a brasileira se prepara para dois torneios internacionais em agosto: a primeira edição do FINA High Diving World Cup (Mundial de Saltos de Grandes Alturas), na Rússia, e o High Jump, evento independente na República Tcheca.

Recuperada de uma lesão de ligamento no joelho que a afastou das plataformas em 2013, Jacqueline não vê a hora de encarar o novo desafio: “Pular de penhascos é uma paixão inexplicável. Amo o que faço: a adrenalina e a sensação de frio na barriga que nunca passam. Isso me faz feliz, alegra meus dias”.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2014)







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