Da boca para dentro

Um mergulho no laboratório de nutrição do Centro de Treinamento Olímpico revela o que os melhores atletas dos Estados Unidos comem para vencer

Por Nick Heil
Fotos Benjamin Rasmussen


EM NENHUM OUTRO LUGAR DO MUNDO esta ideia está mais arraigada do que no Centro de Treinamento Olímpico (OTC, na sigla em inglês), em Colorado Springs (EUA), onde centenas de corredores, triatletas, lutadores, jogadores de polo aquático e outros aspirantes a medalhistas olímpicos passam semanas, meses ou, em alguns casos, até anos em sua busca pelo ouro. Aproximadamente 130 esportistas vivem no centro, enquanto outros 15 mil visitam-no anualmente para estadias mais curtas, sendo sua maioria adolescentes ranqueados entre os dez por cento melhores em sua modalidade.

Atletas vêm aqui em busca de tecnologia de ponta – para melhorar suas braçadas na piscina do centro aquático, aprender mais sobre seu corpo no laboratório de fisiologia ou tratar de lesões em um dos melhores departamentos de fisioterapia do mundo. Mas talvez a área mais importante que um esportista visitará é o refeitório – do tamanho de uma praça de alimentação – na ponta norte das instalações de mais de 140 mil metros quadrados.

A Caf (do inglês cafeteria), como chamam os residentes, é o pilar nutricional do centro, onde todas as refeições são feitas e as últimas descobertas a respeito de nutrição esportiva são colocadas em prática para garantir o maior desempenho aos melhores atletas do país. No ano passado, o Comitê Olímpico dos Estados Unidos enviou chefs e nutricionistas de Colorado Springs para Londres, onde eles recriaram o menu com o qual o time se alimenta e treina na terra natal. O resultado: os americanos levaram mais medalhas do que em qualquer outra Olimpíada.

Eu sempre me perguntei o que poderia acontecer se esportistas amadores dessem a mesma ênfase à nutrição que os olímpicos dão ao se preparar para os Jogos. Como atleta de quarenta e poucos anos, passei anos fazendo inúmeros tipos de dietas para melhorar meu desempenho, mas nada permaneceu, afora a gordura ao redor da cintura. Na esperança de ganhar uma visão mais profunda sobre a nutrição de alta performance, realizei uma peregrinação até o OTC.


Muitas histórias aparecem durante cada olimpíada a respeito dos hábitos alimentares dos astros, como aquele famoso café da manhã de quatro mil calorias do Michael Phelps – com uma omelete de cinco ovos, torradas e panquecas com gotas de chocolate – ou as dezesseis bananas que o velocista jamaicano Yohan Blake supostamente come todos os dias. Mas conforme garantiu minha guia no OTC, a nutricionista de 32 anos Jennifer Gibson, o segredo para a nutrição de desempenho é a simplicidade. Jennifer trabalhou com todo mundo, de lutadores a jogadores de futebol profissionais, e diz que os princípios nutricionais da OTC podem ser aplicados por qualquer um.

Passei um dia com ela e, baseado no que vi, estabeleci o plano nutricional de performance de oito passos mostrado a seguir. Também descobri que, em se tratando de se alimentar direito, os astros são gente como a gente. “Não podemos seguir nossos atletas por aí o tempo todo, mas tentamos ser a voz dentro de suas cabeças”, contou Jennifer. “Você acha que só porque está queimando 4 mil calorias nos treinos, pode comer o que quiser. Estamos aqui para dizer que, na verdade, você não pode.”


PRIMEIRO PASSO

CONHEÇA SEUS NÚMEROS

Antes de começar qualquer intervenção de dieta, os nutricionistas do OTC submetem seus atletas a uma extensa análise clínica. Isso inclui exame de urina para avaliar a hidratação, testes de dobras cutâneas para determinar a composição corporal (sua proporção de gordura-músculo), taxa metabólica em repouso (quantas calorias você queima em descanso) e exames de sangue para identificar os níveis de nutrientes e deficiências, como a anemia. “Se houver qualquer problema sistêmico, precisamos consertar antes de dar o próximo passo”, diz Jennifer.

Os testes clínicos oferecem os dados que servem de base para auxiliar na avaliação do progresso (ou a ausência dele). Atletas olímpicos podem passar por reavaliações mensais. Ela diz que, para pessoas como nós, dois check-ups anuais realizados por um médico ou nutricionista esportivo costumam ser suficientes.


SEGUNDO PASSO

ENCARE SEUS PROBLEMAS

Um dos problemas mais recorrentes entre esportistas é a deficiência de ferro. Este nutriente é essencial para ajudar o sangue a levar oxigênio aos músculos durante o exercício intenso. As mulheres são especialmente suscetíveis à perda de ferro por causa da menstruação. Corredores de longas distâncias também podem desenvolver anemia como resultado da hemólise por impacto, na qual as hemácias são destruídas pelo impacto das passadas. Além disso, um crescente número de pesquisas sugere que a inflamação crônica desencadeia a produção de um hormônio que bloqueia a absorção do mineral. “A otimização do ferro é importantíssima para nós aqui. Até 90% das mulheres e 50% dos homens têm resultados baixos quando examinados pela primeira vez”, diz Jennifer. Suplementos normalmente corrigem o problema, segundo ela.

A vitamina D é outra área de interesse. Evidências sugerem que o nutriente ajuda a reduzir a inflamação, aumentar o VO2 máximo, turbinar a imunidade e fortalecer os ossos. Em 2008, quando a maratonista olímpica Deena Kastor quebrou o pé nos jogos de Pequim, descobriu-se que ela tinha apenas metade dos níveis recomendados de vitamina D no sangue. Jennifer me disse que 80 a 90% dos esportistas que ela examinou tinham taxas baixas, apesar de alguns deles treinarem horas ao ar livre (os filtros solares bloqueiam a absorção de vitamina D). Ela recomenda suplementos que ajudem a trazer os níveis do nutriente de volta ao mínimo necessário.


Joel Parkinson, surfista campeão mundial do
ASP World Tour 2012


TERCEIRO PASSO

ADOTE A COMIDA INTEGRAL

Jennifer e outros nutricionistas no OTC sugerem uma filosofia de comidas integrais para a dieta base de um atleta, com ênfase em produtos de produção orgânica e sustentável, como frutas e vegetais, proteínas magras (frango e peixe), gorduras saudáveis (abacate e azeite de oliva) e carboidratos complexos (aveia e batata doce), que asseguram um fluxo constante de nutrientes para o corpo desgastado dos treinos. A qualidade e a quantidade de vitaminas, minerais, antioxidantes, fibra e fitoquímicos oferecidos pelos alimentos frescos e integrais não é igualada por alternativas processadas, independentemente de quão sofisticado pareça aquele shake de proteínas.

É aí que entra a Caf. Uma placa na entrada chama a atenção aos três mandamentos: 1) Inclua mais vegetais, castanhas e sementes em sua dieta; 2) Ajuste a quantidade de carboidratos que você está ingerindo, baseado no grau de atividade; 3) Inclua uma proteína magra em todas as refeições. A fila da Caf segue por uma mesa de saladas, estação de sopas, acompanhamentos de vegetais e pratos principais como tilápia assada e pad thai (talharim de arroz, ovos, vegetais, molho de tamarindo e qualquer combinação de brotos de vegetais, camarão, frango ou tofu), que variam todos os dias. Cada item possui um painel nutricional completo ao lado, assim como um diagrama do Prato do Atleta, um gráfico mostrando exatamente como deve ser seu prato, com as porções apropriadas de vegetais, proteínas e carboidratos (muitos atletas chegam a tirar fotos do prato e enviar ao treinador).

Como parte de uma reforma, o OTC abrirá uma cozinha de demonstração para ensinar aos atletas como preparar suas refeições em casa.“Nós fazemos o prato com a aparência mais apetitosa possível, para assegurar que eles consumam comida boa em quantidades suficientes”, diz Jacque Hamilton, chef do OTC. “Nesse nível, há pouquíssimos atletas que seguem a dieta de baixo ou nenhum carboidrato. Simplesmente não condiz com a performance. Você precisa do nutriente para dar 100% de si no exercício.”


QUARTO PASSO

FAÇA UM MAPA DO SEU PLANO DE REFEIÇÕES

“Um planejamento de dieta não é estático”, diz Jennifer. “Ele varia de acordo com a intensidade ou a fase das atividades.” Esses intervalos – que alguns atletas chamam de periodização nutricional – são uma forma funcional de determinar quando, o que e quanto você come. Ela pode envolver o aumento ou a diminuição do total de calorias; a manipulação da relação entre proteínas, carboidratos e gorduras; ou a mudança do horários das refeições, com base no gasto energético.

Jennifer dá diretrizes detalhadas para alguns dos seus atletas, para que eles possam simplesmente fazer as adaptações necessárias em suas dietas. Outros lidam com seus regimes mais intuitivamente. “Como faço meus treinos durante o dia, procuro ingerir muitas calorias cedo”, diz a triatleta olímpica Gwen Jorgensen, 26 anos. “Normalmente é um café da manhã farto, com aveia, manteiga de amendoim, frutas secas, bananas, canela, mel e ovos pochê. Nos intervalos das temporadas de competição, tento aumentar a massa muscular, o que significa fazer uma refeição completa com proteína logo depois do treino. Esse é o tipo de coisa com a qual lidamos o tempo todo.”


QUINTO PASSO

AJUSTE O ÚLTIMO PONTO PERCENTUAL

A etapa final é a nutrição esportiva, quando, os atletas ajustam os alimentos e os recursos ergogênicos – qualquer substância que aumente o desempenho físico, como por exemplo a cafeína – que irão ingerir no dia da prova, e talvez experimentem algum suplemento como a beta-alanina, um aminoácido que abastece os músculos durante o exercício.“Este último estágio é ditado inteiramente pelo seu esporte, condicionamento e objetivos”, afirma Jennifer.

Esses ajustes representam uma pequena fração da ingestão total de calorias de um atleta, mas auxiliam seu organismo a dar o máximo em treinos e competições. Uma vez que você tenha se comprometido a comer alimentos integrais regularmente, Jennifer recomenda experimentar que tipo de nutrição esportiva funciona melhor para você – ingestão de carboidratos na noite anterior à corrida, por exemplo, ou suco de beterraba (veja “O Drink Mágico”, abaixo) na véspera de treino intenso. Ela alerta que não se deve confiar em shakes, barras, pílulas, géis e outros tipos de bebidas.“Lá fora é uma bagunça”, diz. “Todo mundo é especialista em nutrição e tem um produto para você. Mas aqui não queremos aparecer ou estar na moda.” O triatleta olímpico Lukas Verzbicas, 20 anos, restringe a cafeína até o dia da corrida, para poder sentir seu efeito máximo. Ele também é fã de sementes de chia, uma proteína completa que contém flavonoides antioxidantes e antiinflamatórios. Já a triatleta Gwen tenta absorver gorduras boas tomando uma colherada de óleo de coco após um treino duro ou uma prova.


SEXTO PASSO

HIDRATE-SE OU BOTE TUDO A PERDER

Jennifer chama a hidratação de “o outro macro nutriente”, e diz que muitas vezes ela é negligenciada numa dieta de alta performance. Ela testa a composição do suor dos seus atletas e formula isotônicos personalizados, com água, sódio e potássio, assim como glicose, frutose ou maltodextrina para fornecer carboidratos (às vezes ela adiciona sabor às bebidas, como uma limonada).

Atletas amadores talvez não tenham acesso a análises tão precisas feitas em laboratório, mas podem avaliar aproximadamente suas necessidades pesando-se antes ou depois de uma sessão dura de treinamento. Você deve se hidratar o suficiente para não perder mais do que 2% do seu peso durante o exercício. Se suas roupas ficarem marcadas com anéis brancos de sal, significa que seu suor tem uma quantidade razoável de sódio, então faça um experimento com um isotônico comercial, adicionando sódio conforme o necessário para repor seus sais.


SÉTIMO PASSO

MUDE O SEU RELACIONAMENTO COM A COMIDA

“A nutrição é, no fim das contas, comportamental”, diz Jennifer. “Os atletas estão sob muito estresse, e às vezes a comida é a única válvula de escape. Muitos deles não bebem e não têm muita vida social por causa dos treinos. Então, como muitas pessoas ocupadas, confortam-se na comida.” Um truque de Jennifer e de outros é evitar a demonização das comidas, já que a proibição aumenta a tentação. A chave é enfatizar o valor dos alimentos saudáveis e como eles irão melhorar o desempenho. Com isso em mente, os atletas começam a superar a comilança emocional que pode detonar o trabalho duro que realizam diariamente.


OITAVO PASSO. COMPROMETA-SE

Para atletas de modalidades classificadas por peso, como boxeadores e lutadores, gerenciar a balança e o desempenho no esporte ao mesmo tempo é o santo graal de qualquer programa nutricional. “Os doces são minha kriptonita”, diz a lutadora Adeline Gray, 22 anos. Ela estabeleceu o objetivo de levar o ouro na Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, e é uma das residentes permanentes do OTC. Uns dois anos atrás, ela estava trabalhando com Jennifer para melhorar sua alimentação, quando caiu numa farra deprimida de biscoitos recheados de chocolate. “Eu estava mentindo para mim mesma. Comi o pacote inteiro e depois tentei culpar minha companheira de quarto”, conta, agora rindo.

Os descontroles estavam prejudicando o objetivo de Adeline de alcançar o peso necessário. Depois daquele dia, Jennifer fez ela cortar para zero o consumo de doces, turbinando sua dieta com vegetais, proteínas e gorduras boas, como abacate e amêndoas. “Eu registrava tudo no meu telefone. Tomava dois copos d’água antes de cada refeição e quatro litros ao longo do dia. Comecei a perder um quilo por semana. Não é que eu não desejasse um biscoito de chocolate. Só que eu desejava ainda mais uma medalha de ouro.” E acrescenta: “O mais importante é a consistência e o comprometimento. Nada aconteceu enquanto eu não decidi que era aquilo que iria fazer”.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2013)







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