Prazer milenar

Na busca para criar – e vender – a vodca perfeita, ninguém vai mais longe que Scott Lindquist, da Alaska Distillery. Para fazer suas bebidas de primeira qualidade, ele caça icebergs de 150 quilos e usa essas águas ancestrais para criar misturas misteriosas que não param de ganhar prêmios. DAVID KUSHNER segue rumo ao norte para velejar e bebericar com esse intrépido artesão

Fotos Michael Hanson


UNIFORME: Scott pronto para pescar icebergs

IMAGINE UMA CASA CHEIA de gente comemorando o feriado de St. Patrick’s Day, o padroeiro da Irlanda. Acrescente uma mulher de vestido preto dançando enrolada em uma pele de urso e uns caras corados que acabaram de voltar de uma viagem de paraglide. Coloque uma lasca de peixe avermelhado no seu copo.

Foi nesse cenário que me serviram minha primeira dose de vodca em uma noite invernal de março, depois que cheguei a Anchorage, no Alasca. Algumas dezenas de moradores estavam dando uma festa em um rancho com luzes de natal. Cansado pela diferença de fuso-horário, faminto e com frio, fui levado para a casinha, onde uma animada anfitriã me serviu uma dose. “Fica melhor com isso”, diz ela, jogando o salmão.

A mulher e alguns dos convidados trabalham na Alaska Distillery, uma pequena destilaria que ganhou fama no crescente mercado das vodcas saborizadas, que já representa 20% do setor. Seus ingredientes inovadores incluem salmão defumado, lançado em 2010, e a primeira versão comercialmente disponível com sementes de cânhamo, de 2012 (ela não contém THC, o princípio ativo da maconha). Essas misturas, assim como meia dúzia de vodcas com sabor de frutas, têm a distinção de serem feitas com água de degelo de icebergs colhidos nas enseadas do litoral sul do Alasca.

“Quando o assunto é a qualidade de uma bebida, a água é muito importante”, diz Jeff Cioletti, editor-chefe da Beverage World, revista especializada no assunto. “Pessoas com um paladar mais aguçado conseguem distingui-la.” A água também é o ingrediente com maior potencial de marketing. Pense em um uísque feito com águas de nascentes das Highlands escocesas, ou os lendários aquíferos de calcário que mantêm puro o Bourbon feito em Kentucky. Os fabricantes tentam sempre ressaltar a pureza e a autenticidade da água que usam. E, nesse quesito, água de geleiras é difícil de superar.

Não é difícil encontrar um produto feito com águas dos tempos da Era Glacial. Existe a 10 Thousand BC, água de degelo coletada de uma bacia de granito ao sopé de uma geleira, que costuma ser colocada nas suítes VIP dos hotéis de Las Vegas a US$ 10 a garrafa. Tem o Glacial Milk da Serac, uma bebida esbranquiçada coletada na geleira durante um breve período no verão, quando os minerais por baixo do gelo em deslocamento se misturam ao degelo. Nos clubinhos da moda de Nova York a Tóquio e Santiago, coquetéis feitos com cubos de gelo glacial são vendidos a US$ 50. Em fevereiro passado, autoridades chilenas prenderam um coletor de gelo que escavou quase seis toneladas de água de uma geleira em um parque nacional na Patagônia. O sujeito enfiou a carga em um caminhão refrigerado e pretendia vender para bares e restaurantes chiques de Santiago.

Como a coleta em geleiras se dá em quantidades insignificantes, não existe muita regulamentação para isso no mundo. Nos EUA, o único estado a exigir permissão é o Alasca, e na maior parte dos últimos 15 anos houve somente uma licença emitida, para Scott Lindquist, da Alaska Distillery. Grisalho, 51 anos, ele busca água durante a baixa temporada de turismo, de setembro a maio, coletando de 5.000 a 10.000 toneladas de icebergs da enseada Prince William. Para coletar sua água ancestral, que ele insiste ser a melhor do mundo, Scott reboca blocos que pesam de 150 a 4.000 quilos.

Os desafios e riscos inerentes ao trabalho são intensificados pelo fato de Scott sofrer de atrofia ótica, uma doença degenerativa que embaça sua visão a ponto de ele ser considerado legalmente cego. “Estou cego”, diz, “mas tenho visão”.


GELO À VISTA: De cima para baixo, o capitão Mike Bender na cabine do Qayaq Chief;
Scott lutando com um iceberg; processo de derretimento na Alaska Distillery; o produto final


DOIS DIAS DEPOIS DA FESTA, Scott e eu nos encontramos nas docas de Whittier, uma cidadezinha pesqueira a 100 quilômetros de Anchorage. Vestido jeans, suéter de lã grosso e boné de beisebol, Scott aperta os olhos para enxergar. “É, está nevando!”, diz, entusiasmado. “Eu queria mesmo algo dramático.”

No verão, Whittier lota de turistas que pagam uma bela grana por passeios de um dia para a geleira Blackstone. Mas os níveis recordes de neve de 2012 deixaram-na com uma cara de cidade abandonada, enterrando as lojas de iscas e fazendo da minha ida uma viagem de carro de 90 minutos no gelo escorregadio, sem visibilidade nenhuma.

Embarcamos no Qayaq Chief, um barco de pesca de 40 pés que Scott fretou para o dia. A bordo estão o capitão e dois tripulantes, Toby Foster (o dono de 39 anos da Alaska Distillery) e outros funcionários da destilaria. Quando chegamos à geleira, uma hora depois, o deque está salpicado de branco. A 800 metros do paredão de gelo azulado de 60 metros de altura, o capitão dá revés no motor, e nos aproximamos devagar por uma baía estreita cheia de detritos glaciais, variando do tamanho de um ônibus ao de almofadas.

Apesar da vista ruim do Scott, ele consegue enxergar os pedaços maiores flutuando ao nosso redor. Como um caçador veterano, ele escolhe bem sua presa. Passamos por mini-icebergs errantes que não prestam, segundo ele – ficaram expostos ao sol tempo demais e se tornaram tão porosos que os cristais internos mais antigos e saborosos evaporaram. Scott prefere pedaços redondos e límpidos que rolam na água com o próprio peso. Quando capturar um, ele o levará de volta à destilaria e cortará a camada externa com uma serra elétrica, chegando ao núcleo, com cerca de 60 centímetros de diâmetro – gelo puro e denso preservado há milênios.

Vamos atrás de um iceberg do tamanho de uma poltrona. Scott se inclina sobre a proa, alegre: “Esse será ótimo para Las Vegas!”, comemora, referindo-se a uma feira de destilarias prestes a ser realizada na Cidade do Pecado. Ele cutuca a pedra de gelo com um bastão de 1,80 metro. “É um belo pedaço de gelo”, afirma. “A cor é boa e não vejo detritos. Tem um gelo opaco e bem comprimido, então terá muito cristal do bom.”

Depois de anos de tentativas e erros, Scott desenvolveu um método eficaz para “pescar” os icebergs. Primeiro, ele usa água oxigenada para desinfetar um par de parafusos de escalada em gelo de 3 centímetros, usando luvas de borracha laranja. O plano é chegar bem perto do iceberg, atarraxar os parafusos com as mãos e passar uma corda pelas aberturas. Depois todos têm de ajudar a puxar a fera à bordo, ao estilo cabo-de-guerra.

Scott apanha sua mais importante ferramenta: o velho bastão de hóquei de seu filho Hank, que ele usa em parte para dar sorte, em parte por ser um ótimo gancho. “Afaste devagar”, ordena para o capitão. Scott deita-se de bruços na proa, estendendo seu corpo por cima da água, e começa a puxar o bloco. Quando ele finalmente puxa o gelo até o alcance do barco, um dos tripulantes tenta firmá-lo com o bastão, enquanto Scott crava os parafusos. A cada movimento, o iceberg boia para longe, teimosamente. Depois de mais de uma hora de tentativas fracassadas, Scott declara ser hora de buscar águas mais calmas. “Gosto de ficar de bobeira na frente de uma geleira”, ele me diz, tirando a água do rosto, “mas de vez em quando é preciso ir para onde as coisas estão mais fáceis”.


MAR DE ICEBERGS: Scott escolhe a sua presa


A PRIMEIRA ONDA de interesse nas geleiras do Alasca aconteceu no fim dos anos 1980, quando a economia japonesa causava inveja ao mundo. Donos de bares nipônicos, buscando mais um jeito de tirar dinheiro de empresários abastados, começaram a vender um produto que se valia do fascínio do país com as terras selvagens da América: autênticos cubos de gelo de geleiras do Alasca. Os coquetéis custavam US$ 50.

Quando os pescadores do Alasca começaram a ir atrás dos icebergs, o Departamento de Recursos Naturais do estado correu para criar diretrizes de exploração, que continuam as mesmas até hoje. Não se pode pegar gelo de dentro de uma reserva natural. Se uma foca subir em um bloco, é proibido coletar material até 1,5 quilômetro de distância dela. Quem quiser tirar mais de 20.000 quilos de uma única fonte precisa de uma licença, que atualmente custa US$ 500. Os solicitantes da época estimaram que só o mercado japonês somaria oito milhões de quilos por ano, além de dois milhões vendidos para a Califórnia.

Scott entrou nesse setor alguns anos depois da febre inicial. Criado nos subúrbios de Portland, no Oregon, ele se mudou para o Alasca aos 19 anos, graças a um emprego em um barco de processamento de frutos do mar – um trabalho notoriamente brutal. Mas acabou em um belo barco de madeira reformado e apaixonou-se pela vida no mar. “Depois que pus os pés em um barco, soube que nunca mais sairia”, lembra. Devido à sua visão ruim, ser pescador estava fora de questão, mas depois de um ano no Alasca ele fez o treinamento para ser mergulhador que coleta ovas de arenque (a máscara ajudava a enxergar). Ele passava só três meses por ano mergulhando – as ovas eram vendidas a US$ 1.500 por tonelada. O resto do tempo ficava de papo para o ar no Havaí. Casou-se e fincou raízes no Alasca, onde teve dois filhos.

Como muitos habitantes do estado, Scott via os icebergs como um recurso conveniente, perfeito para encher geladeiras com cerveja ou peixe. Mas começou a ouvir falar de gente que ganhava dinheiro vendendo-os para fazer cubos de gelo chiques e se perguntou se não seria uma boa oportunidade. Ele se recorda de um dia em meados da década de 1980 quando estava na enseada de Prince William com alguns amigos, contemplando o futuro. A certa altura, ele olhou para as ondas azuis escuras e viu um pedaço brilhante de geleira branca-azulada. “Peguei o pedaço nas mãos e disse: ‘OK, é isso que vou fazer com minha vida’”.

Vários anos depois, Scott ainda sonhava em dar esse passo quando foi forçado a fazê-lo. Em 24 de março de 1989, ele e sua tripulação preparavam-se para zarpar quando um pescador relatou um vazamento de petróleo no centro dos campos de arenque. Scott estava no primeiro barco que foi avaliar o estrago causado pelo acidente com o petroleiro Exxon Valdez. Ele ficou sem chão quando viu a cena. “Pareciam ondas de borracha: grandes e grossas. Nada de mar ou espuma, só essa gosma preta inacreditável, as aves todas cobertas daquilo e as lontras morrendo”, lembra-se. “Então caiu a ficha do que tinha acontecido ali.”

Os arenques desapareceram, assim como a fonte de renda de Scott. Logo depois, foi seu casamento que afundou. “Foi uma fase pesada”, diz. “Nunca me recuperei.”


DEPOIS DE DESISTIR da pedra de gelo em Blackstone, seguimos por meia hora até uma enseada mais calma. De olho em um bloco dos grandes, Scott pega seu bastão de hóquei mais uma vez.

Quando pergunto como desenvolveu seus métodos, ele responde rindo que não existe um manual. Aprendeu na base da tentativa e erro que as ferramentas tradicionais de um homem do mar não funcionam muito bem. Correntes ficam presas debaixo do gelo quando ele é colocado a bordo. Redes de pesca costumam arrebentar. Então ele começou a usar os parafusos de escalada por sugestão de um amigo alpinista. Scott pega o bloco com o bastão, prende os parafusos e rapidamente passa a corda pelas aberturas. É preciso cinco pessoas para puxá-lo à bordo, onde escorrega até parar, sob gritos de comemoração. No fim estamos exaustos, tendo içado mais de 500 kg do melhor gelo da enseada.

A dificuldade é uma das razões de Scott ser o único coletor de icebergs licenciado em atividade no Alasca, sendo que ao longo dos anos doze licenças foram emitidas. Outra explicação é que as estimativas iniciais superestimaram a demanda mundial de gelo de geleiras. Fora do Alasca, a coleta de icebergs sempre foi um negócio pequeno, para poucos comerciantes de luxo. Desde 1995, a Iceberg Vodka Corporation, do Canadá, tira suas pedras do Atlântico Norte; em anos recentes, eles incluíram o gim, o rum e a água de iceberg no portfolio da empresa. Tem havido alguma atividade na Groelândia, onde a Greenland Brewhouse fazia cerveja com água de geleira até falir, em 2008, e cervejarias em Nuuk e Ilulissat usam água de degelo glacial. A empresa canadense Premium Glacier coleta gelo de uma geleira na Groelândia e o mistura diretamente a álcool de milho para fazer a vodca Siku Ice (seu mote: “Siku Is Ice”).

Algumas das empresas que estão fazendo uma boa grana com produtos de geleira ficam um pouco mais longe do gelo do que gostam de falar. Um dia, em Anchorage, peguei carona com Gil Serrano, co-fundador da Alaska Glacier Products e autointitulado “avô da água de geleira”. Empreendedor imobiliário, Gil criou sua empresa em 1992 e produz cerca de 60.000 garrafas por semana, de miniaturas plásticas de 250 ml vendidas por um dólar em mercadinhos a jarras de vidro iluminado que custam US$ 10 em boates. Depois de me mostrar sua enorme fábrica engarrafadora em Anchorage, subimos no seu SUV vermelho e seguimos por estradas de terra batida por uma hora rumo ao norte até sua fonte – um lago de 11 quilômetros de extensão em um vale escavado pela geleira Eklutna, de 25.000 anos. Gil não pega a água direto do gelo, o que seria tecnicamente difícil e caro demais. Em vez disso, compra água não tratada de uma fonte municipal próxima. “É água virgem que vem direto de uma geleira viva”, justifica.

Scott, por outro lado, não se contenta com nada menos que os próprios icebergs. “Não é difícil girar uma válvula e encher um tanque. Cadê o lado sexy nisso?”, diz. Scott obteve sua primeira licença em 1991 e começou a coletar pequenas quantidades para suprir comerciantes locais que abasteciam o mercado de cubos de gelo. Fez cursos de administração na Universidade do Alasca e passou a trabalhar como vendedor para uma empresa que fornecia água filtrada para casas e estabelecimentos comerciais. Em 1998, firmou seu primeiro contrato de coleta de gelo. Alguns anos depois, atendeu a alguns pedidos do governo do Alasca, incluindo um de 1.200 quilos de gelo enviados para a Coreia do Sul para uma reunião de cúpula sobre comércio. Passou a fornecer para clientes japoneses em 2003, curvando-se à preferência desse mercado por gelo branco, aquele tipo opaco que se racha e estala no seu copo quando os gases antigos contidos nele são liberados.

Em 2010, o dono de uma loja de bebidas chiques em Anchorage que vinha comprando gelo de Scott o apresentou a Toby Foster, piloto de helicóptero que havia entrado no ramo das bebidas depois de quebrar a coluna em um acidente. Toby abriu a Alaska Distillery, a primeira destilaria comercial no estado, em 2008. Nesse ano lançou uma vodca chamada Permafrost, que superou outras 500 marcas num ranking do Instituto de Testes de Bebida de Chicago. Quando Scott propôs que usassem água de icebergs em seus produtos, Toby nem hesitou. “Usar o gelo das geleiras pareceu natural. É como engarrafar um pouco da beleza selvagem do Alasca”, explica.

Os dois relançaram a Permafrost com água de geleira. Meses depois, criaram a vodca de salmão defumado (que exigiu um longo período de formulação de sabor). Scott, que tinha aprendido a fazer bebidas artesanais ilegais nos anos 1980, precisou aprender a destilar nos moldes da lei. Seu gosto peculiar produziu uma série de vodcas surpreendentes nos últimos anos, como ruibarbo e xarope de bétula. A variedade com semente de cânhamo ganhou a medalha de ouro na categoria de destilados no prêmio Beverage World BevStar Awards de 2012, que reconhece inovações de produto. Enquanto isso, a renda da Alaska Distillery pulou de meros US$ 4.500 em 2008 para mais de US$ 1 milhão no ano passado. A empresa vende garrafas por US$ 30 e distribui para lojas de bebidas e bares nos EUA e no Canadá, além das vendas online.


SENHOR GELO: Scott na doca em Whittier, no Alasca

NAS DOCAS DE WHITTIER, a galera usa uma empilhadeira para colocar o gelo na caçamba de uma picape. Na manhã seguinte, encontro-me com Scott e Toby na sede da Alaska Distillery para derreter o material. O espaço de 650 m² fica dentro de um hangar de aeronaves reformado. Alguns alces gigantes pastam na neve do lado de fora – sou alertado para não me aproximar demais. Dentro, onde a temperatura é mantida entre 15°C e 21°C, se parece com qualquer outra destilaria: caixotes cheios de garrafas, rolos de rótulos, tubos plástico de cevada e grãos maltados.

Mas então reparo nos blocos de gelos espalhados pelo lugar. Em vez de esquentar as peças, Scott prefere deixá-las derreter naturalmente, um processo que leva de dois a cinco dias. No meio do armazém, uma laje de gelo transparente está pendurada no teto por uma corrente. Ela fica pingando em um barril de aço inox de 1300 litros, emitindo um eco metálico a cada gota. “Esse é um dos meus sons favoritos”, ele diz, debruçando a orelha sobre o barril. “Acho que dá para tirar uma música desses pingos.”

Ele pendura pedaços menores em correntes, e os maiores sobre o barril. Depois que terminam de derreter, Scott entra no modo cientista maluco, misturando uma parte de água de geleira com duas de nascentes locais. A alquimia, é claro, reduz os custos para a Alaska Distillery, mas Scott insiste que faz isso para obter um paladar superior. “Não dá para conseguir um sabor suave com 100% de água de geleira pura”, explica.

“O cara é um artista”, ri Toby. “Quando começamos a trabalhar juntos, ele me tirava do sério, porque levava um dia inteiro para fazer um lote de água. Minha teoria sobre o Scott é que, como ele é cego, todos os seus outros sentidos – incluindo o paladar – são mais aguçados.”

A água é então adicionada a álcool 95%, feito a partir de trigo e batatas. Os sabores de salmão e frutas vermelhas são acrescentados em reduções. Mas alguns produtos mais radicais ainda não funcionam: “A gente tentou fazer uma vodca de nicotina, mas não teve jeito”, diz Scott, fazendo careta.

Às vezes, como acabo descobrindo, as geleiras podem ser perigosas, mesmo em cativeiro. Scott está me mostrando seu laboratório de infusão de sabores quando, de repente, ouço um barulho atrás de mim, seguido por um grito. Quando me viro, o fotógrafo Michael Hanson está estirado no chão, com sangue esguichando do supercílio. Ele estava agachado tirando fotos de um bloco de gelo quando a pedra escorregou e o acertou bem na cara. Por sorte, conseguimos estancar a hemorragia rapidinho e levar ele ao hospital para ganhar uns pontos – uma cicatriz que terá a história mais bizarra dos últimos tempos (Michael voltou à destilaria mais tarde, tonto e de olho roxo, para terminar as fotos).

Talvez seja isso que acontece quando se sai por aí coletando gelo no Alasca. Ou talvez exista mesmo algum tipo de elixir mágico dentro desse gelo ancestral, alguma essência imortal que atrai a beleza e o sangue. É nisso que penso quando me curvo sob um desses mini-iceberg para um teste de paladar. Scott enche para mim um pequeno recipiente de vidro com água de geleira, depois apanha um picador de gelo e faz chover pedacinhos brilhantes no meu drinque.

Quando ergo meu copo, me vejo refletindo sobre o drama da coisa toda. Viajei milhares de quilômetros e testemunhei o poder que as geleiras têm de esmigalhar fuças. Então, que gosto eu sinto quando fragmentos de história congelada descem pela minha garganta?

Eu sinto gosto de água. Para ser honesto, não consigo ver a diferença entre essa e a que tem na geladeira lá em casa. Por outro lado, percebo que a questão não é essa. O gosto que estou sentindo é o do poder – a grandeza de uma água que foi congelada há 10.000 anos e derretida apenas para o meu prazer. E o gosto disso é ótimo.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2013)







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