Milagres africanos

O que acontece quando se juntam seis cirurgiões de olhos, 13 corredores amadores, seis educadores, duas ONGs, 871 pacientes com cataratas, 63 mil estudantes, dois dos homens mais rápidos do planeta e uma prova de corrida em trilha nos rincões desérticos da África? Bem-vindo ao mundo da filantropia de aventura, onde o lema é fazer o bem e praticar seu esporte predileto

Por Christopher Keyes
Fotos Jiro Ose


CURA: Paciente de catarata em Mekele, na Etiópia


MEGAB, UM VILAREJO poeirento situado no extremo norte da árida região de Tigray, na Etiópia, não é um destino que costuma atrair visitantes. A cidade é mais uma passagem no caminho de lugares mais interessantes. Cruzando a vilazinha, há apenas uma estrada de terra batida, cercada por lojinhas de fachada marrom e casas de pedra. Quando o vento resolve soprar – como normalmente acontece na época de seca, no meio do inverno –, rajadas repentinas infestam de areia os olhos e o nariz das pessoas.

Mas Megab tem seus atrativos. O povoado está situado na base das montanhas Gheralta, um maciço imponente que abriga algumas das mais antigas igrejas etíopes escavadas nas pedras. A bela cadeia montanhosa ergue-se 2.440 metros acima do deserto. Devido à elevação de 1.830 metros da cidade e às centenas de trilhas que cortam as terras cultivadas da região, o local é um dos melhores picos do planeta para praticar corrida em trilha.

O que explica em partes por que, às 7h30 da manhã de fevereiro de 2013, Megab de repente viu-se tomada por aquela energia familiar a todo mundo que já se alinhou na largada de uma prova. Pelo menos cem corredores lotavam as ruas, enquanto ônibus escolares traziam mais e mais gente.

Voluntários distribuíam camisetas e garrafinhas como brindes, enquanto atletas amadores pregavam seus números de identificação em shorts minúsculos e coloridos. À minha esquerda, o corredor norte-americano Scott Jurek, lenda das ultramaratonas, aquece suas pernas compridas e branquelas, dando saltinhos na ponta dos pés. Do meu lado direito, os corredores etíopes Gebre Gebremariam (vencedor da Maratona de Nova York de 2010) e Yemane Tsegay (o mais veloz maratonista etíope na atualidade) ainda estão vestindo seus agasalhos.

Estamos todos aqui para a primeira meia-maratona em trilha da Etiópia, evento que encerra um projeto de dez dias chamado Accelerate Ethiopia [Acelera, Etiópia] – um exemplo de iniciativas que estão se expandindo pelo mundo e que são conhecidas como “filantropia de aventura”. A viagem coincidiu com uma expedição de oftalmologia promovida pelo Himalayan Cataract Project (HCP, ou Projeto de Catarata do Himalaia), que atendeu 871 pacientes em Mekele, cidade de 219 mil habitantes localizada 80 quilômetros mais ao sul. O HCP, ao lado da ONG canadense Imagine1day (I1D), focada em educação, trouxeram para cá 11 pessoas que fizeram doações às duas organizações. Cada uma delas pagou US$ 10 mil dólares para ir à Etiópia treinar com Scott Jurek e corredores etíopes famosos, trabalhar como voluntárias em uma clínica oftalmológica, ajudar em vários projetos do I1D e, hoje, no grand finale, competir com alguns dos mais rápidos ultracorredores do planeta. As doações ajudaram a pagar os custos da clínica de olhos e serão essenciais na construção de uma biblioteca em uma das escolas apoiadas pela I1D.


É uma mistura um tanto bizarra de causas sociais e filantropia e, ao final da viagem, ainda me pergunto se todas as peças realmente se encaixam nesse tabuleiro. Mas agora é hora de correr. A música pop etíope que ecoa do sistema de som é abaixada, e o organizador da competição, Allem Kahsay, anuncia que estamos prestes a largar. Tudo o que quero é completar os 21 quilômetros que tenho pela frente. Passei a maior parte do dia de ontem em meu quarto de hotel, vomitando. Hoje pela manhã pensei em não ir à prova. Mas esperei dois anos até que essa corrida fosse organizada. Pego minha camiseta branca de algodão com os dizeres Accelerate Ethiopia e programo meu ritmo para 4×4 reduzido.


SANGUE NOVO: Corrida de 800 metros em escola localizada em Maego


ACCELERATE ETHIOPIA é uma ideia de Matt Oliva, um oftalmologista norte-americano de 41 anos que há mais de uma década trabalha como voluntário do Himalayan Cataract Project. A organização foi fundada em 1995 pelo montanhista e oftalmologista norte-americano Geoffrey Tabin e seu colega nepalês Sanduk Ruit. No início dos anos 1990, Sanduk desenvolveu uma técnica cirúrgica de baixo custo e sem suturas que revolucionou o tratamento da catarata, principal causa de cegueira no mundo.

Desde que formaram o HCP e construíram a primeira clínica cirúrgica de olhos em Katmandu, no Nepal, Sanduk e Geoffrey – e mais de cem médicos treinados pela ONG – já realizaram aproximadamente 266 mil cirurgias. Nos últimos dez anos, o orçamento anual do HCP aumentou de US$ 500 mil para US$ 5 milhões, e hoje a organização está presente em uma dúzia de países na região dos Himalaias e da África subsaariana.

Matt, em grande parte responsável pelos esforços do grupo na África, é o herdeiro legítimo do HCP quando Geoffrey e Sanduk se aposentarem. Ele também é um velho amigo meu, da embaraçosa época de estudante na Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Em 1998, enquanto eu passava dois anos morando no Nepal depois de me formar para descobrir o que fazer da vida, Matt estava prestes a terminar a faculdade de medicina. Nos encontramos para um drinque em Katmandu.

Matt tinha passado a semana anterior trabalhando como voluntário em sua primeira clínica HCP, em Kalimpong, na Índia, ao lado de Geoffrey. Matt sempre foi determinado e sempre adorou “sacolejar na traseira de uma pick-up”; com o HCP, encontrou uma maneira de sua formação médica satisfazer seu desejo de viajar. Naquele outubro de 1998, fizemos juntos uma expedição de 20 dias na região do Annapurna, aproveitando o tempo na trilha para discutir grandes questões da vida. Desde então, acalentamos o desejo de fazer novamente uma viagem juntos.

Em 2010, Matt me disse que havia tido uma epifania enquanto assistia a uma prova de corrida em um estádio na capital etíope, Adis Abeba. A Etiópia tem uma das maiores taxas mundiais da catarata — cerca de 1,6% da população desenvolve essas doenças de olhos — e outras formas de cegueira tratável, em grande parte por causa da má alimentação e da altitude elevada do país. No entanto, como acontece na maioria dos lugares onde o HCP atua, os habitantes e o governo locais não conhecem o trabalho da organização. Enquanto Matt testemunhava o entusiasmo da multidão do estádio diante da performance dos atletas, ele se deu conta de que precisava envolver os heróis da corrida da Etiópia em sua causa. “Não seria ótimo se pudéssemos reunir atletas estrangeiros e etíopes em um evento para apresentar à população o trabalho do HCP?”, ele me perguntou. Há anos o projeto conta com o apoio de amigos de Geoffrey da comunidade do montanhismo, mas uma viagem com foco na corrida proporcionaria uma maneira surpreendente de alcançar mais gente.

Levou algum tempo para a ideia dar frutos. Em 2011, o HCP contratou a norte-americana Majka Burhardt, escritora, guia e alpinista com vasta experiência na Etiópia, para produzir a viagem e garantir a participação de competidores talentosos e, assim, atrair patrocinadores. Majka queria que os patrocinadores vissem as muitas facetas da Etiópia, então convidou a I1D, organização não-governamental criada há seis anos pelos fundadores da marca de roupas esportivas Lululemon e que financia projetos escolares na região de Tigray. As duas organizações são muito diferentes, mas a ideia de uni-las em um mesmo projeto revelou-se um sucesso. O Accelerate Ethiopia já contava com dez patrocinadores poucos meses depois de ser divulgado.


ESPERANÇA: Pacientes com catarata aguardam para ser atendidos


ENCONTRO MATT E SEUS COLEGAS em um domingo. Eles passaram o dia anterior em YaYa Village, um sofisticado centro de treinamento a 16 quilômetros de Adis Abeba, cujo proprietário é o astro da corrida Haile Gebrselassie, um dos maiores fundistas da história e duas vezes medalha de ouro nos 10 mil metros (Atlanta e Sydney). Haile, de 40 anos, ajuda a divulgar a causa da saúde ocular desde 2009, quando anunciou que, após sua morte, doaria suas córneas ao Banco de Olhos da Etiópia, um órgão que o HCP ajuda a supervisionar. Quando me encontro com Matt, ele ainda estava empolgadíssimo com a sessão de corrida ao lado de Haile. “Ele parece uma gazela”, diz Matt, esbanjando energia e disposição mesmo após ter passado a semana anterior em outra clínica de catarata, no norte da Etiópia.

Os participantes que doaram grana para estarem ali são todos sorrisos. A maioria veste camisetas de tecido tecnológico, relógios esportivos e óculos de sol, mostrando que fazem parte da tribo da corrida de longa distância. O grupo abrange dois médicos norte-americanos, um cientista da computação de Nova York nascido na Índia, dois advogados corporativos (um de Denver, nos EUA, e um de Bogotá, na Colômbia), um professor do ensino fundamental de Maryland, também nos Estados Unidos, o diretor norte-americano de uma organização sem fins lucrativos e um dentista do Canadá. Todos são entusiásticos corredores ou vegetarianos – ou ambos, como Scott Jurek. Quando pergunto o que os atraiu para a viagem, quase metade deles responde: “Scott”.

Depois de uma viagem de avião de uma hora sobre uma paisagem desértica acidentada, repleta de desfiladeiros profundos, chegamos a Mekele para a nossa primeira visita à clínica de olhos. Ela funciona no Hospital de Olhos de Quiha, cujas instalações foram concluídas em 2011. Quando não está recebendo os médicos estrangeiros, o local serve como centro de assistência oftalmológica e é administrada por Tilahun Kiros, oftalmologista parceiro do HCP na Etiópia.

Chegamos por volta das quatro da tarde, e o clima é inesperadamente sombrio. Mais de 400 pacientes, muitos deles idosos e frágeis, de pé em pleno sol escaldante, fazem fila na varanda do lado de fora do hospital e na escadaria que leva até a sala de cirurgia. Outros estão deitados sobre o chão de terra que cerca a construção. Cada paciente tem um esparadrapo acima de uma das sobrancelhas com um número nele, indicando a ordem em que foram examinados e o olho que neces

Matt está visivelmente estressado quando se junta a nosso grupo. “Essas pessoas estão esperando o dia todo”, explica ele. “Para esses pacientes chegarem aqui já é um desafio. Muitos viajaram centenas de quilômetros. Muitos são idosos ou diabéticos e estão bem fracos.”

“Onde é que eles dormem?” pergunta um cara de nosso grupo.

“Aqui no chão”, diz ele, apontando para a varanda de concreto e para o campo de terra sem sombra atrás dele. “Nós fornecemos cobertores e comida.” Matt então pede que três pessoas sejam voluntárias para ajudar no centro cirúrgico e incentiva os outros a dar uma força na entrega de alimentos.

Eu o acompanho até a sala de cirurgia no segundo andar, passando pelos pacientes enfileirados no pátio interno. O cheiro de tanta gente junta é terrivelmente forte. “Nunca vi essa quantidade de pacientes de uma só vez por aqui”, diz Matt, enquanto amarro uma máscara cirúrgica às pressas, dentro da sala de espera do centro cirúrgico. “É emocionante, mas opressivo.” Em uma cama ao lado, os pacientes recebem anestesia local: uma dose de lidocaína injetada diretamente na órbita ocular.

Com 1,88 metro de altura, Matt tem voz grave, que tende a subir uma oitava quando ele está animado, como agora, enquanto cumprimenta os enfermeiros. Dentro do centro cirúrgico, que tem duas salas, o doutor Tilahun Kiros e um residente já estão trabalhando. A bateria de operações é organizada de modo que cada médico fique entre duas mesas, girando a cadeira até o próximo paciente assim que uma cirurgia é concluída. Os enfermeiros estão em constante movimento ao nosso redor, preparando os próximos pacientes, aplicando atadura pós-operatória nos olhos deles e colocando conjuntos de instrumentos recém-esterilizados nas bandejas de metal.

Matt se senta na segunda sala de cirurgia e começa a trabalhar. Fico de pé a seu lado e observo. Meu corpo fica tenso com a expectativa das imagens que me aguardam. Com uma catarata totalmente desenvolvida, nenhuma luz penetra no cristalino do paciente. O objetivo da cirurgia é criar uma pequena abertura na cápsula do cristalino e depois, cuidadosamente, substituí-lo por um cristalino artificial, preservando ao mesmo tempo a delicada estrutura do olho. “É como se você estivesse removendo o núcleo de chocolate de um M&M sem romper a casquinha de cobertura”, diz Matt.


DA HORA: Allem Kahsay, organizador da corrida

“Agora estou criando o túnel”, continua ele, usando uma lâmina de diamante para fazer uma incisão no branco do olho do paciente, logo atrás da córnea, o que levará à parte externa do cristalino. Com a incisão finalizada, ele perfura a cápsula do cristalino, depois usa um aro oval de metal como espátula para remover a catarata. Ao mesmo tempo, injeta um fluido viscoso e gelatinoso no cristalino do paciente para evitar que a estrutura desmorone. Por último, ele desembrulha uma lente artificial de plástico do tamanho da cabeça de uma tachinha e a coloca dentro do cristalino, inserindo-a pela minúscula incisão. Depois de milhares de cirurgias semelhantes, ele trabalha com uma velocidade e economia de movimentos impressionantes, que mascaram a dificuldade do que está fazendo – o procedimento completo é realizado em sete minutos.

“É uma cirurgia muito modesta”, diz Matt, quando termina. “Mas este paciente será a pessoa mais feliz do mundo amanhã.”


A MARATONA OFTALMOLÓGICA continua por seis dias, enquanto a base de operações do Accelerate Ethiopia se instala no Gheralta Lodge, um hotel localizado duas horas ao norte de Mekele e a poucos quilômetros do local da corrida. Chegamos no hotel às 17h30 de uma segunda-feira, depois de uma viagem sacolejante. Antes de se sentar para o jantar, Majka, que descobriu esse local seis anos atrás em uma viagem de escalada, chama todos nós do lado de fora, onde o sol está se pondo sobre as encostas do penhasco. “Agora vocês entendem por que me apaixonei por esse país”, diz ela para nós, com os olhos cheios d’água diante do entardecer.

Na manhã seguinte, nos dividimos em dois grupos para um treino de corrida. Meu grupo é composto por Job Heintz, CEO do HCP, Scott Jurek e vários dos patronos mais rápidos, incluindo Juan Guillermo Cobo, Erich Poole, Misti-Sayani e Tom Dente, que nos conta que está em uma missão para completar uma maratona por mês durante cinco anos – o mesmo período de tempo que sua esposa, que enfrentou um câncer de mama, precisará tolerar altas doses de tamoxifen para ser declarada totalmente curada. O plano é começar na estrada principal e correr 9 quilômetros antes de pegar um percurso de terra para completar os 9 quilômetros finais em direção a uma aldeia onde o I1D construiu uma escola. O outro grupo, incluindo seis doadores e Yemane Tsegay, vão se juntar a nós na saída da via principal.

Partimos em um ritmo tranquilo, e sigo ao lado de Scott. Com 1,88 metro de altura, esse atleta falador é uma prova do velho ditado “faça o que você ama e o dinheiro virá naturalmente.” Agora com 39 anos, Scott começou a competir quando a ideia de ter uma “carreira em ultramaratonas” era vaga. Suas vitórias impressionantes em algumas das corridas mais difíceis do esporte lhe renderam minguados prêmios em dinheiro e patrocínios modestos. Para complementar a renda, ele passou a maior parte de seus melhores anos de corrida trabalhando como fisioterapeuta. “Há um motivo pelo qual os africanos não dominam a ultramaratona”, diz ele. “Não se ganha dinheiro com isso.”


INSPIRAÇÃO: O corredor norte-americano Scott Jurek com crianças etíopes

Em 2009, Scott finalmente mudou de vida quando apareceu como personagem principal do bestseller de Christopher McDougall, Nascido para Correr (lançado no Brasil pela editora Globo), livro que narra a viagem de Scott a Copper Canyon, no México, para competir em uma corrida em trilha com os corredores da famosa tribo tarahumara. A transformação em astro lhe proporcionou uma ascensão tardia na carreira, e ele tirou proveito disso com seu próprio bestseller, Eat and Run (Coma e Corra, ainda sem tradução por aqui), sobre sua vida como corredor e a dieta vegetariana que adota há anos. Agora ele conta com patrocínio fixo de marcas como Brooks e Clif Bar e ganha dinheiro com eventos e palestras. Não trabalha mais como fisioterapeuta, mas pretende diminuir o ritmo de corridas em breve. “É irônico que agora eu esteja conseguindo sobreviver de ultramaratona, apenas quando estou prestes a me aposentar”, diz ele.

Scott leva seu papel de chamariz de patrocinadores a sério. Durante toda a semana, ele atuará como guia e mentor, compartilhando, de modo incansável, o conhecimento que adquiriu ao longo de 25 anos nas trilhas. Como ter energia para o dia da corrida? “Deve-se comer 0,7 grama de carboidrato para cada quilograma de peso corporal por hora.” Como lidar com cães bravos que surgem pelo caminho? “Sempre pego uma pedra grande.” Ele também aborda um tema favorito dos corredores de ultramaratona: a melhor forma de limpar a bunda na trilha. Sua primeira opção, que choca os discípulos reunidos, é a neve. “Se você tiver de usar alguma planta, a folha de orelha-de-mula é a melhor. É como papel higiênico.”

Durante os primeiros quilômetros da corrida, quatro garotos, surgindo aparentemente do nada, se juntam a nós, cada um vestindo uniforme escolar marrom e sandálias de plástico. Eles nos ultrapassam e ficam bem à frente, propondo entre risos um desafio, para tentarmos alcançá-los. Scott morde a isca. Com um estilo de correr desengonçado, marca registrada do atleta, ele oferece sua melhor versão de um sprint. Duas das crianças o alcançam, a passos largos, radiantes.

Nós continuamos assim durante quilômetros, com vários outros garotos juntando-se ao nosso grupo, atraindo buzinas e olhares de carros e ônibus que passam por nós, negociando pausas, rindo da barreira do idioma e, de modo geral, compartilhando a alegria de simplesmente correr naquele lugar remoto, sem nenhuma outra obrigação urgente. Na hora de pegar uma estradinha menor, nos despedimos dos garotos, posamos para fotos e lá se vão eles, sabe-se lá para onde.

Yemane Tsegay junta-se a nós no restante do caminho, vestido com seu agasalho de corrida de mangas longas azul-turquesa da Mizuno, apesar do calor de 30 graus. Seu inglês é limitado, mas os estrangeiros presentes não se importam: correr ao lado de um dos atletas de corrida de longa distância mais rápidos do mundo é incrível. Quando finalmente chegamos à aldeia, um conglomerado de casinhas fustigadas pelo sol ao lado de instalações de uma escola, espremidas em frente a um riacho sazonal, somos recebidos por cerca de 250 moradores. As crianças nos dão bananas embrulhadas em um papel branco da escola. Há idosos tocando tambores gigantes e um grupo de homens mais jovens dança em um círculo. Scott junta-se a eles. “Gostaria que todas as corridas terminassem assim”, diz Juan Guillermo, o advogado de Bogotá.

Visitamos o novo prédio escolar financiado pelo I1D e assistimos a uma aula. Depois vamos para o lado de fora, onde nos servem café etíope e pipoca feita na hora enquanto nos sentamos para assistir a vários professores e alunos apresentarem uma peça na língua tigrinya. É difícil acompanhar o enredo, mas parece se referir à importância dos exames médicos. No final, Tesfay Teklemariam, chefe administrativo do hospital Quiha, chega para buscar os moradores que foram pré-selecionados para a cirurgia de catarata e levá-los à clínica do HCP.


A POUCO MAIS DE UM QUILÔMETRO da entrada do Gheralta Lodge fica a cidade de Hawzen, lar de um próspero mercado que, em 1988, foi cenário de uma das piores atrocidades cometidas durante a guerra civil etíope, que durou 16 anos. Na época, a Etiópia estava sob o controle da Derg, junta militar marxista apoiada pelos soviéticos e liderada por Mengistu Haile Mariam. A Derg chegou ao poder com um golpe em 1974, encerrando o reinado de 44 anos do imperador Haile Selassie e dando início a uma violenta disputa política. Quando a seca severa no início dos anos de 1980 provocou fome sem precedentes no país, Tigray foi uma das regiões mais atingidas, vítima tanto da colheita escassa quanto da disposição de Mengistu em usar a fome como arma política contra a emergente Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF). O hospital original Quiha foi onde jornalistas estrangeiros obtiveram algumas das imagens mais chocantes da fome.


ÍDOLOS: Haile Gebrselassie (de laranja) e Yemane Tsegay (de azul) durante treinamento


VELOZ: O maratonista Gebre Gebremariam

Em 1988, Mengistu ordenou um ataque aéreo no mercado em Hawzen, matando cerca de 2.500 pessoas. A operação foi gravada por câmeras da TPLF, e as imagens ajudaram a atrair apoio para o grupo. Em 1991, tanques liderados por uma coalizão anti-Mengistu avançaram sobre as tropas de Adis Abeba. A Constituição foi sancionada em 1994 e, um ano depois, o líder da TPLF, Meles Zenawi, acabou eleito primeiro-ministro na primeira eleição multipartidária da Etiópia.

As décadas de violência devastadora e fome terrível formaram uma percepção da Etiópia que já não representa mais a realidade. A estabilidade política tem sido a regra no país por 20 anos, e a economia está em rápida expansão, com crescimento anual médio de 9,9% desde 2004. Hoje Hawzen está transformada. A estrada de terra que liga a cidade à rodovia principal está sendo pavimentada por empreiteiros chineses, um dos vários projetos de infraestrutura do governo destinados a impulsionar as exportações agrícolas. O novíssimo posto de gasolina com um minimercado está em fase de acabamento. E a estrada para a cidade está ladeada por quase meio quilômetro de novos edifícios comerciais, estranhamente desocupados.

Este tipo de desenvolvimento está ocorrendo em toda a região de Tigray, como parte da meta determinada pelo país de se tornar uma nação de renda média (ou seja, renda per capita de US$ 1.025) até 2020. É um objetivo bem ambicioso. Com renda per capita atual de US$ 370, a Etiópia continua sendo um dos países mais pobres do mundo e, embora a economia esteja se diversificando, a agricultura ainda representa cerca de 50% do PIB, tornando-o vulnerável às secas periódicas da região.

Meles ficou no poder até sua morte, em 2012, e na última década seu partido tomou medidas enérgicas contra jornalistas e tem sido amplamente acusado de fraude eleitoral. Mesmo assim, para instituições beneficentes estrangeiras como o HCP e a I1D, as ambiciosas metas de desenvolvimento da Etiópia fizeram do país um lugar muito mais fácil de atuar. Em sua curta existência, a I1D já financiou 123 escolas na Etiópia, que atendem a mais de 63 mil crianças.

No dia seguinte a nossa primeira visita à escola, passamos o dia em Maego, uma pequena aldeia na base de um vale exuberante próximo a um rio. Como todas as comunidades onde a I1D usa seu particular método de atuação, Maego teve de apresentar uma proposta de escola para a organização sem fins lucrativos e contribuir com uma quantia entre 10% e 20% do custo de construção de US$ 100 mil, comprometendo-se a mantê-la com o dinheiro obtido com um pequeno negócio, que a I1D também ajudou a montar. Aqui, a empresa será um projeto de microirrigação, para possibilitar à aldeia o cultivo comercial de repolho e grãos. O dinheiro obtido com a empresa ajudará a cobrir os custos com livros e ensino e, no devido tempo, vai permitir que a I1D saia de cena.


BENÇÃO: Matt Oliva e, acima, Majka Burhardt removem os curativos de pacientes que
tinham catarata


Elaborar um projeto como esse exige motivação da comunidade local, algo que ambas as ONGs encontram de sobra na Etiópia. É, aliás, um dos motivos que fizeram Matt passar tanto tempo aqui. “A Etiópia tem um orgulho de sua identidade nacional que você não vê em outras partes da África, onde a política tribal quase sempre vence a união nacional”, conta ele. “Há um esforço coletivo aqui, um senso comum entre todos que eu encontro.”

Esse esforço poder ser bem demonstrado por uma história que Halefom Gezaei, funcionário do I1D em Mekele, relata em Maego. “Quando eu era criança, meus pais se recusaram a me deixar ir à escola porque eu tinha de cuidar das cabras”, ele conta para mim e Scott enquanto estamos sentados em uma cozinha esfumaçada ao ar livre, aprendemos a fazer pão em um forno a lenha. Seu melhor amigo costumava visitá-lo toda noite para dividir o que tinha aprendido. Halefom, com inveja, elaborou um plano. “Decidi que eu choraria”, diz ele. “Choraria todos os dias e todas as noites até que meu pai não pudesse mais me ignorar.” Depois de uma noite de choro interminável, seu pai acabou cedendo. Halefom estudou até a faculdade em Mekele, então se tornou professor e, finalmente, diretor da escola. Em 2010, recebeu um prêmio por ser um dos melhores diretores na Etiópia.

Já o médico Tilahun Kiros, parceiro etíope de Matt, foi criado em Mekele e se lembra de ver pessoas caírem mortas na rua no período da grande fome. Sua família tinha comida, mas nunca o suficiente, e a experiência fez surgir nele o desejo de ser médico. Depois da faculdade de medicina, fez sua pós-graduação na China, aprendendo mandarim por conta própria. Mais tarde, leu sobre a técnica de catarata desenvolvida por Sanduk Ruit, um dos fundadores do HCP, e aprendeu sozinho a realizar a incisão crucial da operação. Ele realiza atualmente 4.500 cirurgias por ano.

Até o famoso maratonista Yemane Tsegay tem uma história de quem venceu por esforço próprio. Ele cresceu na pobreza, em uma aldeia perto de Hawzen e, depois da escola secundária, mudou-se para a capital, Adis Abeba. Em 2008, ele estava trabalhando como mecânico de automóveis quando viu o campeonato mundial de corrida pela televisão. Ele nunca gostou de correr na infância, mas, quando um amigo lhe contou quanto ganhavam os atletas da equipe nacional de corrida, Yemane decidiu que iria tentar. Alguns anos depois, ele era o homem mais rápido da Etiópia.

Ele me contou essa história no almoço lotado ao ar livre em Maego, depois de nossa visita à escola. Nós não tínhamos ouvido Yemane pronunciar mais que uma dúzia de palavras durante a semana inteira, mas, de repente, ele pegou o microfone e falou de improviso por dez minutos. “As coisas estão mudando”, diz ele para a plateia. “Incentive o esporte. Isso nos torna mais fortes e saudáveis. Precisamos da participação das meninas também. As mulheres precisam correr. O esporte é tão importante quanto os estudos.”

No final do dia, vemos um pouco dessa mentalidade em ação, ao observar um encontro regional de corrida realizado em uma escola financiada pela I1D. Em volta de um campo de futebol de terra batida e pedras soltas, os professores traçam quatro raias de corrida com uma vareta. Cerca de 400 alunos se enfileiram do lado de fora da pista para ver os atletas que, com raras exceções, correm descalços.

As duas corridas de 400 metros parecem absurdamente rápidas, então eu preparo o cronômetro do meu celular para o início dos 800 metros das meninas. Uma jovem de cabeça raspada, usando shorts e camiseta preta, dispara em ritmo de velocista. A primeira volta: 54 segundos. Tempo para o término: 1min51s02. Eu ergo os olhos, estupefato, depois olho para o cronômetro novamente. Será que acabo de presenciar um novo recorde mundial? Constata-se que a pista improvisada está mais próxima de 350 metros, porém a velocidade da garota é evidente. Na cerimônia de premiação, Scott lhe dá um troféu, que ela aceita com uma expressão séria, sem demonstrar um pingo de vaidade.


ENQUANTO ISSO, Matt e os outros médicos da clínica oftalmológica de Mekele trabalham metodicamente para dar conta dos pacientes. Na quinta-feira de manhã, dois dias antes da meia-maratona em trilha, vários patrocinadores e integrantes da Accelerate Ethiopia, inclusive Scott e Majka, viajam de volta a Mekele para outra visita ao centro de oftalmologia. Há seis cirurgiões trabalhando em período integral agora, inclusive Geoff Tabin, um dos fundadores do HCP, que chegou na terça-feira, e Sam Cady, oftalmologista de Portland, nos EUA, que também conhece Matt desde a faculdade. Cerca de 200 pacientes estão enfileirados na varanda do primeiro andar, mas desta vez estão todos operados, com ataduras e esperando pelo momento em que recuperarão o dom de enxergar.

Matt, que descreve a remoção da atadura como a parte do trabalho que “nunca envelhece”, está eufórico. Os enfermeiros dão luvas de plástico e colírios para mim e para Scott. Scott vai na frente, retirando com cuidado o esparadrapo do rosto de um homem de aparência frágil, que usa um lenço branco de pescoço e tem uma barba grisalha – o paciente número 543. O homem abre os olhos, mas a princípio não demonstra nenhuma reação. Em questão de segundos, sua retina é inundada de luz, uma imagem dispara através dos neurônios, na parte de trás do olho, e o processo visual de seu cérebro é magicamente reiniciado. Um sorriso discreto se insinua em seu rosto e logo se transforma em um sorriso largo. Ele acena com a cabeça e segura as mãos de Scott. “Obrigado, muito obrigado.”

Ao longo dos anos, muitas vezes quis saber por que Matt sempre retorna para a Etiópia, como a rotina de tantas cirurgias não o deixa esgotado. Ele exerce a profissão com sucesso em Medford, no Oregon (EUA), e cada viagem significa deixar para trás a esposa (também médica) e os filhos de 4 e 8 anos, cruzando meio mundo na classe econômica, depois passando dez dias mergulhado no trabalho, raramente visitando algum dos destinos que atraem os turistas. Em um típico dia de trabalho por lá, ele toma quatro xícaras de café e atende a pacientes praticamente sem parar, fazendo uma pausa só “quando os enfermeiros dizem que eu preciso.” Às sete da noite, Matt está exausto e vai direto para o hotel, toma um banho e tenta dormir, às vezes sonhando com as cirurgias. No dia seguinte, ele se levanta cedo e começa tudo de novo. “Costumo me sentir um pouco lento pela manhã”, diz. “Mas a remoção de esparadrapos dos olhos dos pacientes sempre me renova.”

Agora entendo o motivo. Continuamos avançando pela fila, e o milagre vai se repetindo. As reações variam. Algumas mulheres começam a gritar com entusiasmo assim que o esparadrapo é removido. Outros homens começam a dançar. Muitos ficam simplesmente estupefatos, com uma aparência estóica e sem expressão. “A visão deles não é perfeita no primeiro dia”, explica Matt. “Melhora à medida que o inchaço diminui. Hoje à tarde, eles já serão pessoas diferentes.” O HCP começou a trabalhar na Etiópia em 2008, e eles já realizaram mais de 50 mil cirurgias. Mas dar cabo da lista de espera de doentes é um desafio de longo prazo, não muito diferente de participar de uma ultramaratona. Há 16 mil novos casos de catarata por ano só na região de Tigray.

“Estamos tentando ser realistas”, diz Job Heintz, CEO da HCP. O segredo, diz ele, não é fazer Geoffrey ou Matt atender mais pacientes, mas sim encontrar os parceiros certos no próprio país. Job menciona o médico Tilahun. “Ele aprendeu a técnica sozinho, fez seus próprios instrumentos, ensina alunos de medicina. Nós soubemos de imediato que Tilahun estava comprometido totalmente com a missão de curar pessoas.” O HCP e a I1D trabalham em níveis diferentes, porém o objetivo final é o mesmo: fornecer os recursos necessários para que os etíopes façam as coisas por conta própria. “Na Etiópia, a próxima etapa é a formação de mais oftalmologistas”, diz Job. “Muito em breve, eles não vão mais precisar de nós.”

No andar de cima, já dentro do centro cirúrgico, a equipe toda se movimenta em torno dos pacientes em um ritmo vertiginoso. Observo Geoffrey tratar de quatro pacientes em menos de meia hora. Na outra sala, fico ao lado de Matt enquanto ele trabalha. Depois de concluir algumas cirurgias, ele olha para uma das enfermeiras tentando chamar sua atenção.

“E o menino?”, pergunta Matt.

Duas outras enfermeiras trazem na cadeira de rodas um garoto de 6 anos que está anestesiado e que sofreu uma lesão ocular. A causa é desconhecida — “talvez uma pedra arremessada ou crianças brincando com gravetos”, diz Matt —, mas a esclerótica está rasgada e a íris está se projetando para fora do olho. À medida que Matt costura o olho do garoto, ele dá chutes, aparentemente por causa da dor, embora não acorde. Seguem momentos de tensão quando o anestesista reaplica o soro intravenoso. Em seguida, Matt reposiciona a íris e costura o ferimento. Cinco minutos depois, ele desliza a própria cadeira em direção ao próximo paciente.

Ao observar os médicos o dia todo, pode-se ter a impressão de que o talento de um especialista está sendo ofuscado em uma linha de montagem. Matt e os outros médicos não têm oportunidade de conhecer melhor os pacientes. Eles não sabem de que aldeia os pacientes vieram ou de que forma a vida deles vai mudar depois da cirurgia. Não participam da triagem pré-cirúrgica e não estão presentes na etapa de orientar os pacientes sobre o procedimento e acalmá-los, como fazem em seus consultórios. Muitas vezes, a única coisa que Matt vê é um globo ocular encarando-o quando desliza a cadeira para fazer uma cirurgia. Às vezes, sua atenção é tão profunda que ele sequer sabe o sexo do paciente. “Ela estará muito feliz amanhã”, diz Matt para mim, depois de terminar outra cirurgia, sem perceber que o paciente sob o cobertor é um homem.


NO COMEÇO, a meia-maratona organizada pelo Accelerate Ethiopia se revela como qualquer outra corrida de trilha de que eu tenha participado. O grupo de corredores dispara pela estrada, saindo da cidade e começa a se dispersar à medida que o percurso segue em uma trilha estreita ladeada por figueiras-da-índia e agaves, com as encostas mais baixas das montanhas Gheralta à direita. Há moradores torcendo por nós e copos azuis cheios de água no apoio instalado no sexto quilômetro. Minha expectativa era de correr com Matt, que havia chegado com os cirurgiões Geoffrey e Cady na noite anterior, mas durante os primeiros quilômetros meu estômago dá sinais de outra reviravolta, percebo que estou fraco demais para aguentar.

Me arrasto alguns quilômetros ao longo do percurso por uma estrada de terra vermelha, que depois se transforma em uma trilha que nos conduz ao leito de um rio seco com paredes íngremes de terra de mais de quatro metros de altura. De repente os marcadores de cor laranja não são mais avistados em nenhum lugar e o pequeno grupo do qual faço parte está perdido. Nós saímos com dificuldade do leito do rio para ter uma visão panorâmica, atravessamos uma dúzia de campos áridos e, depois, desviamos do nosso caminho para evitar um cão furioso. Finalmente vimos outro corredor e mudamos o percurso. Tive de fazer uma parada forçada, pois meu estômago rejeitou a água que eu tinha engolido com dificuldade um pouco antes, na estação de apoio.


MILAGRE: Geoffrey Tabin ao lado de paciente que acabou de voltar a enxergar

A segunda metade do percurso terminou de volta à estrada de terra principal. Está quente e o sol fustiga, sem nenhuma sombra. Caminhões pesados e maquinário de construção chinês dividem o espaço conosco. Mas o que o percurso perde em estética eu ganho em camaradagem, porque a rota permite que os corredores mais rápidos me incentivem à medida que retornam. Um por um, vejo todas as pessoas que conheci nesta semana, cada um deles me tratando como herói só por eu ter vindo.

Caminho pelo último quilômetro, juntando-me a um jovem professor de Hawzen que também não tem mais fôlego. Andamos em silêncio na maior parte do tempo. Na África, é comum amigos do sexo masculino darem as mãos, e ele segura a minha. É estranho no início, mas entro no clima e andamos de mãos dadas por 400 metros e, em seguida, corro os últimos 200 metros com orgulho. Na linha de chegada a festa já está começando. Scott e Tsegay distribuem as medalhas. O sistema de som retumba com música pop etíope. Majka Burhardt tira fotos. As equipes da l1D e do HCP aplaudem os retardatários e compartilham os relatos sobre o desafio.

De volta ao alojamento, nosso pelotão de médicos, professores e corredores cheios de endorfinas e altruísmo se reúne para uma última refeição. As pessoas que pagaram para estar ali sentam-se com os corredores etíopes, dividindo com eles suas impressões de um país emergente, sobre o qual confessam que sabiam pouco antes dessa viagem, mas que não veem a hora de contarem toda a aventura para os amigos quando voltarem para casa. Todos parecem estar tentando processar o que aconteceu durante a jornada. Esse é um evento que levou anos para ser organizado e, agora, dentro de 24 horas, os 11 patrocinadores vão se dispersar novamente pela América do Norte e outros países desenvolvidos. Criou-se uma conscientização, mas o que isso realmente significa?

Matt está exausto. Na noite seguinte, nos sentamos lado a lado nas poltronas do corredor de um avião quase vazio com destino a Amsterdã. Ele ficou 20 dias na Etiópia, quase todos eles em uma clínica improvisada de oftalmologia. Naquela manhã, Geoffrey e ele foram de carro até um sítio arqueológico histórico nas montanhas Gheralta, a única chance de serem turistas. No caminho, pararam na aldeia de Koraro, local da primeira clínica da HCP na Etiópia, em 2008. Havia um guarda lá. Ele reconheceu os médicos de imediato e apontou para seus olhos. Geoffrey pensou ter reconhecido o homem também e sacou a câmera, procurando, em cinco anos de fotos, a imagem de seu ex-paciente. Às vezes, o significado dos acontecimentos da vida demora um pouco para se revelar.

Enquanto penso nisso, viro a cabeça em direção à Matt para lhe perguntar se por acaso sabe o motivo de Geoffrey ter guardado aquela foto por tanto tempo. Mas ele já havia adormecido.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2014)