A rede animal

Com câmeras instaladas em florestas tropicais de 15 países, incluindo o Brasil, a organização Team cria uma espécie de “Facebook dos bichos” para lutar pela proteção de espécies ameaçadas

Por Denise Mota


FILMA EU: Leopardo é captado pelas câmeras da Team na Costa Rica

IMAGINE ALGO como um “Facebook do mundo animal”, formado por mais de 1 milhão de imagens de 300 espécies, feitas em seus hábitats e com intervenção humana mínima. É assim que a equipe do projeto Tropical Ecology Assessment & Monitoring Network (em tradução livre, algo como Rede de Avaliação & Monitoramento Ecológico Tropical) explica resumidamente o que faz sua organização não governamental internacional. Mas há muito mais por trás dessa aparente simplificação.

Desde 2002, a rede, mais conhecida pela sigla Team (teamnetwork.org), vem utilizando imagens como seu principal instrumento de luta pelo meio ambiente. Em 15 países, incluindo o Brasil, a organização espalhou equipamentos fotográficos e de filmagem, todos em ecossistemas tropicais. Com as quase 1,4 milhão de imagens captadas até hoje, os pesquisadores da Team conseguem monitorar uma vasta quantidade de regiões do planeta, e a partir disso podem documentar e divulgar ameaças

à fauna e à flora para pressionar governantes a tomar medidas de proteção à natureza.

Nesse extenso banco de dados sobre a biodiversidade das florestas tropicais, há imagens surpreendentes e emocionantes, que vão de onças-pintadas tentando cheirar as câmeras a curiosos macacos pegos de surpresa pelo disparo do equipamento — conhecido como “câmera-armadilha”, pois funciona com um sensor que detecta o movimento dos animais. São registros cativantes, mostrados com graça no recente documentário Badru’s Story [A História de Badru], de Benjamin Drummond e Sara Joy Steele. Exibido no Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit deste ano, que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro por iniciativa da Go Outside, o curta-metragem acompanha a rotina do jovem africano Badru Mugerwa. Sua missão é instalar e recolher imagens de 60 armadilhas fotográficas no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, em Uganda, classificado como patrimônio da humanidade pela Unesco. No final, os espectadores se encantam com cenas dos bichos passando em frente às máquinas. Badru’s Story pode ser visto na íntegra no próprio site da Team (teamnetwork.org/stories).


INSTAGRAM: Fotos da Team feitas em países como Brasil e Uganda

Não é só a fauna que recebe atenção da instituição: mais de 60 mil árvores de 5 mil espécies em cem pontos distribuídos pelo planeta também estão sendo monitoradas pelo método. “O uso dessas câmeras é um meio ideal de monitoramento, porque podem ser colocadas em vastas áreas, trabalham por vários dias, armazenam muita informação e também oferecem dados verificáveis, que são as imagens”, explica o colombiano Jorge Ahumada, ecologista e diretor técnico da Team. “Isso é uma grande vantagem em comparação com outros métodos tradicionais de monitoramento, nos quais trabalhadores de campo geralmente caminham longas distâncias na floresta e anotam o que veem. Assim não há como verificar a informação que recolhem, então é preciso ter biólogos de campo muito bem treinados.” Já com as câmeras, as fotos são tiradas e, depois, identificadas por especialistas. E, sempre que surge algum desacordo sobre que tipo de espécie aparece nelas, é possível voltar à imagem para checar a informação.

Mas, afinal, por que a rede Team se concentra nos trópicos? Porque, conforme explicam seus pesquisadores, os ecossistemas tropicais são os lugares mais biologicamente ricos do planeta. Essas florestas desempenham papel fundamental para a biosfera da Terra e concentram aproximadamente 50% de todas as espécies já identificadas pelo homem.

O que se sabe sobre as florestas tropicais é resultado de pesquisas científicas extremamente especializadas. “A maioria dos estudos ecológicos dura menos de cinco anos em uma única região, com medições que se concentram em áreas de apenas dez metros quadrados”, conta Sandy Andelman, vicepresidente de conservação internacional da Team. “A ecologia precisa de estudos em escala maior para poder tratar de mudanças climáticas globais e outras ameaças ambientais.” Em resumo, o objetivo é monitorar tendências de longo prazo, como alterações no solo e desaparecimento de espécies.


Cenas do documentário Badru’s Story

Composta por 261 integrantes, entre coletores de dados, coordenadores regionais e cientistas, a Team analisa imagens extraídas de aproximadamente mil câmeras localizadas em florestas do Brasil, Costa Rica, Panamá, Equador, Suriname, Peru, Camarões, Congo, Tanzânia, Uganda, Madagáscar, Ruanda, Malásia, Indonésia e Laos. A meta da instituição é chegar a 40 ou 50 lugares no mundo. “Gostaríamos de trabalhar em todos os países que têm florestas tropicais”, explica Jorge. No Brasil, a Team está presente em dois locais. Em Manaus, em uma região administrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e em Caxiuanã, no Pará, sob administração do Museu Paraense Emilio Goeldi.

“Queremos ampliar o número de áreas monitoradas no Brasil, especialmente na Amazônia. Trata-se realmente de um país líder na conservação de florestas tropicais na América do Sul”, diz o especialista.

Tanto como uma forma de contribuir para o desenvolvimento das comunidades onde realiza seus trabalhos como para obter a maior excelência possível nos registros, a rede emprega mão de obra local — a exemplo de Badru —, o que faz com que o colaborador se sinta elemento integrante do processo de preservação de um lugar que é parte de sua própria história, e que conhece melhor do que ninguém. Em cada país, a rede também atua em conjunto com profissionais e com órgãos nacionais com objetivos semelhantes aos seus.

No curta-metragem, Badru fala sobre a importância do que essas câmeras revelam ao final dos perío-

dos de 30 dias em que ficam expostas ao cotidiano mais íntimo e profundo da floresta. “Cada vez que saio de manhã e ando por oito horas com um machado abrindo caminho para instalar uma câmera no meio do nada, sei que não estou fazendo isso porque tenho que fazer, porque é um emprego, e sim porque é uma causa global para a qual estou contribuindo. Faço isso porque sei que tenho de fazê-lo para salvar a vida nos trópicos e em Bwindi.”


Time em ação

Mas obter dados confiáveis e processá-los em escala global não é a única preocupação da equipe. “Um dos maiores desafios que enfrentamos é encontrar mecanismos de financiamento sustentáveis para manter a rede funcionando, já que nesse momento nossos recursos vêm majoritariamente de fundações privadas e doações”, afirma Jorge. Outro desafio é convencer autoridades de parques nacionais sobre a utilidade dos dados da Team e sobre como eles podem ser usados em suas políticas de conservação. Dificuldades essas que, diante da vastidão de imagens coletadas e do ambicioso objetivo da organização, parecem pequenas, como pontinhos granulados de uma foto sem muita resolução.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2014)