Novas tecnologias estão conseguindo monitorar seus treinos de forma cada vez mais ampla e inteligente. Só cuidado para não se afogar nesse mar de informação Por Alex Hutchinson
NA ANTIGA URSS, ter o domínio mundial nos esportes era tão vital para a máquina de propaganda estatal que o regime soviético empregava um exército voraz de 5.500 médicos esportivos de elite para analisar cada aspecto de seus atletas, de batimentos cardíacos a ciclos de sono e níveis de cortisona. “Era tudo muito complicado”, lembra Val Nasedkin, grande nome do atletismo russo dos anos 1980. Val, que depois foi estudar ciências dos esportes e se tornou treinador na equipe de desenvolvimento olímpico da Ucrânia, se recorda de morrer de medo na hora da bateria de testes. “Você precisava ir ao laboratório, onde se exercitava até a exaustão, enquanto os pesquisadores tiravam amostras de tecido muscular, de sangue, hormônios e um monte de outras coisas.” Esse mundaréu de testes era, na melhor das hipóteses, rudimentar. Levavam-se semanas até o resultado ficar pronto, e os dados eram difíceis de interpretar. “Não seria ótimo”, pensavam Val e seus colegas na época, “se as informações pudessem ser coletadas instantaneamente, em tempo real?” Avance 25 anos no tempo, e esse sonho virou enfim realidade. Uma nova geração de plataformas de acompanhamento de dados esportivos tornou possível que até mesmo atletas amadores coletem, sem muito esforço, uma enorme quantidade de informações personalizadas sobre seu treinamento.
Essas plataformas combinam aparelhos conhecidos de coleta de dados, como os populares relógios com frequencímetro que vêm com uma fita para se prender no peito, com sofisticados aplicativos que acompanham de tudo – de ciclos de sono a níveis de açúcar no sangue. Os defensores desse tipo de medição esportiva ferrenha insistem que esse acompanhamento deixará os atletas – incluindo você – mais saudáveis e felizes, além de mais rápidos e fortes. Isso porque podem ajudar a calibrar a rotina de exercícios de acordo com o funcionamento fisiológico de cada pessoa. Mas, por outro lado, todos esses dados levantam uma questão importante: em quais medições vale a pena prestar mesmo atenção? Segundo pesquisadores como Val Nasedkin, o primeiro passo, antes de tudo, é determinar quais são seus objetivos. Se o que você quer é uma melhora geral na sua saúde, a moda atual de pulseiras que monitoram o desempenho, a exemplo da Nike+ FuelBand, oferece uma medição básica da quantidade de atividade física que você está realizando por dia. Diferentemente dos pedômetros do passado, esses dispositivos são movidos por “acelerômetros” ultrassensíveis que detectam movimentos em três dimensões. Seu maior avanço, porém, diz respeito à praticidade: são pequenos o bastante para serem usados 24 horas por dia e se sincronizam com aplicativos de smartphones. Mais importante ainda, fornecem um registro simplificado – a Nike chama isso de “Fuel Score” –, de modo que os usuários só precisam acompanhar um único tipo de dado ao longo dos dias. “As pessoas gostam de ver como estão progredindo”, explica Trent Stellingwerff, fisiologista do Canadian Sports Institute. Para muita gente, só esse prazer já é incentivo suficiente para fazer uma atividade. Se o que te motiva mais é a competição, busque dados que quantifiquem seu esforço em vez de somente marcar a distância percorrida. O Armour 39, o novo monitor peitoral da Under Armour, combina dados de frequência cardíaca com sensores de movimento para calcular as melhores marcas, em tempo real, de sua “força de vontade”. “Queríamos chegar a um único número que mostrasse o quanto a pessoa está se esforçando, independentemente de qual esporte pratique”, diz Christy Hedgpeth, chefe do departamento de esportes da Under Armour. O FuelBand, da Nike, e o MiCoach, da Adidas, oferecem sistemas poliesportivos similares, que permitem que o usuário acompanhe seu esforço em várias atividades. Também possibilitam a comparação entre seus melhores desempenhos e promovem uma competição entre amigos, com rankings de classificação mundial – basicamente transformando seu treino em um jogo. Mas é uma terceira categoria de aparelhos feitos para ajudar a maximizar o treinamento – dizendo quando é hora de forçar o máximo e quando é hora de pegar leve – que representa o avanço mais audacioso até agora. “Eles são uma espécie de santo graal, mas também representam um buraco negro”, diz Shona Halson, chefe da divisão de desempenho e recuperação do Instituto Australiano dos Esportes. Ao longo dos anos, os cientistas vêm tentando localizar os indicadores fisiológicos do excesso de treino (overtraining), como variabilidade da frequência cardíaca – as flutuações no tempo entre as batidas do coração – e hormônios relacionados ao estresse, entre eles o cortisol. Para os treinadores, dois dos mais confiáveis indicadores de overtraining são o humor e o ciclo de sono – e, naturalmente, já há aplicativos para medir isso também. Com o Moodscope, que ajuda a acompanhar diariamente suas emoções, você usa um baralho virtual de cartas para classificar sentimentos como atenção e nervosismo. Uma tendência negativa consistente é sinal de que você provavelmente precisa dar uma reduzida no ritmo. Para o sono, há uma série de rastreadores de primeira linha muito úteis que detectam os vários estágios do sono, como o sono REM e o sono profundo, mas Shona Halson usa um “acelerômetro” de pulso simples para medir o tempo de sono em seus atletas. Ela fica de olho em padrões de interrupções e sugere melhorias nos hábitos de dormir, no consumo de cafeína e no treinamento. A mais ambiciosa tecnologia de dados de desempenho pessoal talvez seja o Omegawave, um rastreador de “prontidão fisiológica” que Val Nasedkin e um grupo de cientistas dos esportes da antiga União Soviética passaram 25 anos desenvolvendo. Preso ao redor do tórax como um monitor de batimentos cardíacos, o Omegawave leva dois minutos para medir a variabilidade cardíaca (que mostra que o coração ainda está se recuperando de estresse do exercício), executa um eletrocardiograma simplificado para avaliar os sistemas aeróbico e anaeróbico, e realiza uma avaliação do sistema nervoso para medir a atividade elétrica no cérebro e determinar os níveis de estresse relacionados ao exercício. Ele, então, oferece conselhos sobre o tipo e a intensidade de treinamento que você está mais preparado para aguentar. É claro que prestar atenção em dados demais pode ser contraproducente. Por exemplo, muitas pessoas ficam estressadas com a falta de sono. E ninguém precisa de um aparelho para te dizer que você dormiu mal. “Se você acordar e começar a falar: ‘Caraca, como eu dormi mal essa noite’, já sabe que não teve uma noite boa, né?”, diz Shona. O conselho da pesquisadora? Mantenha o foco nos dados de longo prazo – não se preocupe tanto com marcas que medem valores diários, independentemente de estarem mostrando quantos passos você dá, quanto tempo dorme ou até mesmo sua força de vontade. Esses dados indicam que você está melhorando em comparação com a semana passada, o mês passado e o ano passado? “É bom prestar atenção nesse bando de informação, mas não ficar obcecado com isso”, diz ela.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2013)