Por dentro do pelotão feminino


FORÇA: Gisele (com o número 544) no pelotão durante a
Copa Light, no Rio de Janeiro
(Foto: Hudson Malta)

O tema desta coluna aborda o pelotão feminino, para passar a quem não está habituado um pouco da visão de quem está dentro, vivendo-o e sentindo-o de perto. Conheço muitas atletas que até desejam participar de uma prova feminina, mas não o fazem por medo — ou até mesmo preconceito.


Lembro bem a minha primeira vez em um pelotão desses. A prova escolhida foi a Volta do ABCD. Confesso que fui um tanto quanto pretensiosa, pois se trata de uma das provas mais tradicionais do Brasil, da qual praticamente todas as ciclistas de ponta participam. E aquele dia não foi diferente. Havia cerca de 40 ciclistas, o que para um pelotão feminino no Brasil é considerado "casa cheia".


As provas de circuito feminina no Brasil duram em média de 1 hora + 2 voltas. Parece pouco, e dá mesmo a impressão de que qualquer ciclista que tenha uma rotina regular de treinos pode se dar bem em uma prova de “apenas” 60 minutos. Foi exatamente o meu pensamento quando resolvi inscrever-me. "Treino de quatro a cinco horas na estrada, como não conseguiria correr 1 hora em um circuito plano?”, refleti. "Baba!" Já no alinhamento para a largada, comecei a perceber que não seria tão "baba" assim. As atletas experientes, com sua equipe formada, colocam-se de forma estratégica. Então sobrou para mim o final do pelotão.

Da largada até a chegada, não vi mais nada. A única coisa que eu fazia era correr atrás do pelotão a cada retomada de curva, quase vomitando os pulmões. Na chegada, não vi quem ganhou. Fiquei sabendo depois, com a premiação. Após analisar minha performance desastrosa, comecei a respeitar ainda mais o pelotão feminino. Percebi que completar uma prova não quer dizer que você tenha feito um bom trabalho. Eu terminei, mas e daí? Não apareci. Não ataquei, não busquei fugas, não sprintei, não dei o passo. Fui uma mera figurante.

Após esse episódio, participei de uma centena de outras provas. Hoje, com alguma propriedade e com ajuda de algumas companheiras, elaborei um “Guia Rápido” de como comportar-se no pelotão feminino para ajudar você que tem vontade de fazer parte dele a tirar o melhor proveito dessa experiência fantástica.


1) Procure ficar do meio para frente do pelotão, assim terá a melhor visão da corrida;


2) Conheça as ciclistas que estão no pelotão e suas características – passo, fuga, sprint etc.;


3) Após analisar as ciclistas e o tipo de circuito, escolha uma (ou no máximo duas) para marcar;


4) Contato físico é muito comum no pelotão. Mantenha a calma e as mãos firmes no guidão para esquivar-se sem cair e sem derrubar ninguém;


5) Na chegada, procure posicionar-se à frente do pelotão, mas respeite a "escalera(*)" formada pelas atletas da mesma equipe;


6) Em um percurso com muitas retomadas (saídas de curva), faça a curva com uma marcha mais leve e vá "empilhando" (colocando uma marcha mais pesada) à medida que aumenta a velocidade;


7) Lembre-se: você não é super girl! Então aproveite os momentos mais "tranquilos" da prova para se recuperar. Economize energia;


8) Não freie bruscamente. Sinalize suas intenções;


9) Ao fazer uma curva, não mude a tangente. Se entrar fechada, continue fechada. Se entrar na curva mais aberta, termine aberta;


10) E por último: esteja aberta para experimentar um jeito diferente de correr e apaixone-se, assim como eu me apaixonei. Seja bem-vinda ao nosso pelotão!


FÔLEGO: Ciclistas durante chegada da Copa Light 2013, no Rio de Janeiro


(*) Escalera: Formação em fila feita por atletas da mesma equipe, com o intuito de ditar o ritmo do pelotão ou embalar seu sprintista na chegada.

Gisele Gasparotto é ciclista profissional e atualmente integra a equipe de ciclismo Route Bike, de São Paulo







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