Vitória nos Himalaias


SOBE-SOBE: Pórtico da Everest Trail Race, que aconteceu em novembro no Nepal

Por Fernanda Maciel

A Everest Trail Race é uma prova de corrida de montanha que acontece ao redor de algumas altas montanhas de mais de 7.000 metros de altura, como o Everest, o Lotse e o Ama Dablam. Durante seis dias, esse foi o cenário que admirei enquanto enfrentava uma distância de 160 quilômetros e um desnível acumulado de 29.900 metros, concluídos por mim em 26h00min29s.

A Everest Trail Race superou minhas expectativas por sua bela organização e estrutura inacreditável. Foram mais de cem pessoas trabalhando, entre sherpas e ocidentais, com direito a helicópteros e à melhor comida, ótimas barracas e abrigos, eficiente marcação de percurso, assistência médica e extrema atenção ao corredor.


LÁ VAI ELA: Fernanda fazendo força para vencer a prova

> Primeira e segunda etapa

A primeira etapa foi bem rápida (3h13min). Começou em Jiri e finalizou em Bandhar. A segunda etapa, de Bandhar a Jase-Bhanjyang (que está a 3.900 metros), passou pelo temido Pico Pickey, de 4.100 metros de altura e temperatura de 10 graus Celsius negativos. No total, foram 4h50min.

Minha estratégica foi dar meu máximo nessas duas etapas para conseguir uma maior vantagem em relação à corredora norte-americana Shiri Lementhal (campeã de algumas provas do famoso circuito Four Deserts) e da grande corredora nepalesa Yangdi Lama Sherpa.

Na primeira etapa consegui uma vantagem de 13 minutos em relação à segunda colocada, a nepalesa Yangdi, e já na segunda etapa, onde enfrentamos uma duríssima ascenção de 3.000 metros positivos em apenas 28 quilômetros, a vantagem chegou a ficar em mais de 1 hora. Com certeza essa foi a ascenção mais longa e dura que corri durante uma prova curta. Foram mais de três horas numa mesma ascenção, tendo grande dificuldade em respirar. O sacrifício valeu muito a pena, por estar perto do Everest e por correr por caminhos tão selvagens, dividindo trilhas com os nepaleses de sorrisos largos, cercada pela fauna e flora locais.

O terreno nessa prova é muito técnico, o que dificulta a corrida fluida. Porém usando os bastões de trekking consegui não perder tanto tempo nessas ascenções.


DE OLHOS ATENTOS: Fernanda corre acompanhada em vilarejo nepalês
(Foto: Ian Corless)

> Terceira e quarta etapas

Já nessas etapas as descidas longas e técnicas foram o que predominaram durante os 38 quilômetros (5h14min). De Jase-Bhanjyang, a 3.900 metros de altura, chegamos a descer até 1.400 metros, uma descida memorável para o resto de nossas vidas. Depois uma rápida e íngrime subida por uma escadaria de pagar pecados até Karikhola, um monastério budista. Essa foi uma linda etapa, onde pudemos vivenciar junto a jovens monges budistas seus costumes, rotinas e cantos de mantras. A quarta etapa corremos do monastério até Monjo (4h34min), já em direção à famosa vila de Namche Bazaar. Estivemos, na minha opinião, na melhor área de camping de todas, ao lado de um enorme rio de cor azul cristalino, em meio a um profundo e enorme vale rodeado de longas paredes de pedra. Estávamos justamente na entrada do Parque Nacional de Sagarmatha. Essa área fica perto de uma vila onde pude comprar uma calça “quentinha” e comer pipoca num bar de música reggae. Um pouco de civilização…

> Quinta e sexta etapa
A quinta etapa me marcou muito pelas belezas naturais e pelo grau de dificultade de ascensão de Monjo até Tyangboche (3h45min). Tyangboche está a 3.950 metros de altura e, para chegar até ali, foi um forte sobe e desce, já dentro do Parque Natural do Everest (o chamado Sagarmatha National Park). No parque cruzamos a famosa Ponte Hillary, construída por sir Edmund Hillary, e inúmeras outras pontes até chegar ao monastério budista também reconstruído por Hillary. Ali estávamos frente a frente para montanhas míticas, como Lotse, Everest, Tawoche, Ama Dablam, Kangtega, Tamserku… Fez uma noite fria, passada dentro de um logde. Tudo foi inesquecível e ainda mais inspirador depois de uma tarde dentro do monastério com uma sessão de mantras, meditação e música com os monges.

A última etapa aconteceu de Tyangboche a Lukla (4h22min): foram 30 quilômetros onde também víamos as belezas do Lotse, Everest, Tawoche, Ama dablam, Kangtega e Tamserku. Veio uma longa descida para sair do Sagarmathan National Park e chegar a Lukla. Nessa etapa, desviei meu curso durante as descidas e fui parar em um outro vale à direita do grande rio, sendo que eu deveria seguir pela margem esquerda. Foi uma grande aventura, sem encontrar nepaleses, apenas trilhas estreitas e descidas verticais de kilômetros negativos, altas rochas onde tive que escalar para seguir pelo caminho e cruzar velhas pontes de madeira podre. Passei por momentos em que senti “medo e respeito” por saber que estava “meio perdida”. Encontrei uma adolescente no meio do vale, que me sinalizou o melhor umo a tomar… que dava em três caminhos diferentes. Qual seguir?

Voltei a perguntar à garota, mas ela já não podia me escutava. Dos três caminhos, escolhi um mais difícil, porém mais certeiro (na direção que eu achava ser a correta) com intenção de sair do meio do vale. Deu certo: segui correndo até chegar perto de quatro casinhas simples, onde uma senhora que descascava cereais me mostrou a direção de Lukla. Com mais 15 minutos correndo, cheguei até uma vila e avistei turistas sentados em um bar local. Segui por ali e encontrei um corredor espanhol. Foi um alívio grande! Perguntei a ele se já havia passado o ponto de controle antes do fim da etapa. Ele disse que não, que estávamos a três quilômetros desse "check point" e que após mais quatro quilômetros de ascensão vertical estaria Lukla, a linha de chegada e fim da Everest Trail Race.

Conclui em segunda posição na colocação geral (homens e mulheres) e como campeã na categoria feminina. Estou muito feliz com o resultado e com a experiência vivida nas altas montanhas dos Himalaias. Nada mal para uma brasileira!







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