Furacão El Pistolero


Durante uma visita ao Brasil, o ciclista Alberto Contador pedala pelo Rio de Janeiro
(Foto: Pedro Monteiro)

Por Gisele Gasparotto

Os dias 10, 11 e 12 de novembro foram marcados pela presença de um ícone do ciclismo mundial no Brasil: o espanhol Alberto Contador, também conhecido por "El Pistolero". Ele veio ao Brasil a convite da marca Specialized, em um mega-evento para agitar a inauguração de suas novas sedes no Rio de Janeiro e em São Paulo.

O anúncio de sua vinda causou alvoroço. Fãs brasileiros nas redes sociais comentavam e demonstravam uma vontade muito grande de poder chegar perto dele, que é um dos maiores ciclistas da atualidade. Ao mesmo tempo, senti um vazio… Um pesar por perceber que, no Brasil, não temos um ídolo que nos faça sair de nossas casas, deixar nossas rotinas de lado por algumas horas, atravessar a cidade para tirar uma foto, pedir um autógrafo ou até mesmo pedalar ao lado dele.

Tentarei ser imparcial na minha avaliação da visita de Contador ao Brasil, relevando seu histórico polêmico (dopping, personalidade hostil), muito comum em atletas do nível do espanhol.

Considero que Contador cumpriu bem seu papel. Atuando ou não, como muitos dizem, ele recebeu a todos no coquetel de inauguração da nova sede da Specialized em São Paulo com muita paciência, olhar calmo, andar tranquilo. Esboçou alguns sorrisos, tirou muitas fotos e respondeu algumas perguntas — nenhuma polêmica a pedido da marca, até porque não era o propósito ali no momento –, e distribuiu muitos autógrafos. Foi uma noite realmente muito agradável!

Já no dia seguinte, quando aconteceu o tão esperado treino com o ídolo, a situação não foi tão tranquila. Apesar de todos os esforços da Specialized e do ciclista santista Claudio Clarindo, organizador do treino (que também contou com a ajuda da estrutura da Route Bike), a excitação e a empolgação de andar ao lado de Contador fez com que os ciclistas ali presentes travassem uma verdadeira batalha para ficar a seu lado.

Essa combinação, somada a um pelotão de 50 ciclistas, não poderia ser 100% segura. E não foi. Quando percebi, logo nos primeiros quilômetros, que estaria entrando numa guerra, decidi preservar a minha integridade física e afastar-me do pelotão. Outros fizeram o mesmo, mas, infelizmente, alguns não saíram ilesos. Resultado: algumas quedas e bikes quebradas. Contador, percebendo a euforia dos ciclistas, acelerou para se desgarrar do pelotão e se manter seguro, sendo acompanhando por, no máximo, quatro ciclistas profissionais nacionais. Desnecessário criar tanto risco, mas totalmente compreensível!




Nas imagens acima,treino em São Paulo com o Contador, que reuniu diversos fãs do atleta
(Fotos: Ivan Storti)

Fiquei ali no meu passo, observando o momento em que Contador voltaria para eu tentar acompanhá-lo ao menos por alguns metros. Quando avistei a moto e o carro de apoio retronando, dei meia-volta na estrada e fiquei esperando ele passar. Eis que o avisto subindo. Naquele momento, fui até as montanhas da Europa e voltei. Então, ele olha para mim e diz: "Venga, Venga, Vamos, vamos!". Juro que minha cabeça subiu na bike antes do meu corpo e meus olhos o seguiram até perdê-lo de vista, novamente… Não estou no meu melhor momento do ciclismo, meu corpo está ainda se recuperando de uma sucessão de gripes, sinusites, rinites — e, se com muito treino já fica bem difícil, sem treino, então… impossível! De qualquer forma, me senti privilegiada de poder compartilhar esses efêmeros instantes com ele. Confesso que Contador não é o meu maior ídolo no esporte, mas ele deve ser respeitado e admirado pela história que escreveu no ciclismo mundial.

Li alguns comentários de ciclistas profissionais brasileiros, reclamando que os fãs ficam bajulando um ciclista de fora, enquanto, no Brasil, temos muitos ciclistas bons e que não recebem a mesma bajulação.

Desculpe-me, mas não dá para comparar. Nosso ciclismo profissional ainda é amador comparando com o resto do mundo, por mais que tenhamos atletas com capacidade de chegar ao nível de um atleta como Contador. Não temos nada! Não temos provas dignas! Não temos equipes dignas, salários dignos, patrocínios dignos… Falta tudo! Portanto menosprezar a vinda de um atleta como Contador ao Brasil é virar as costas para o ciclismo profissional mundial. Ele veio aqui não para divulgar o ciclismo dele, mas para divulgar a marca da bicicleta que patrocina sua equipe. Jogada de marketing? Sim! Coisa que as equipes aqui no Brasil não têm e não sabem como fazer.

Conclusão do que vivenciei nesses dias: Contador é um cara que por onde passa deixa marcas, e aqui não foi diferente. Torço para que, um dia, possamos ter um ciclista nacional com a mesma capacidade de arrastar multidões, pois é isso que precisamos para mudar a história do nosso ciclismo: um ídolo!

Gisele Gasparotto é ciclista profissional e atualmente integra a equipe de ciclismo Route Bike, de São Paulo