Magro na montanha


HORA DO RANGO: Silvia Bonora e Waldemar Niclevicz jantando nas alturas

Por Pedro Hauck*

Eu nunca fui de frequentar academias. Já tentei, mas meu recorde de puxar ferro foi de, no máximo, três meses. Ficar fazendo exercício num lugar fechado, muitas vezes enfrentando o calor no verão e frio no inverno, nunca me atraiu. Pior que isso, em locais muitas vezes lotados, com música alta e desagradável.

Talvez por essa razão, o corpo de atleta, com barriga de tanquinho e músculos saltando, nunca foram parte do meu físico, embora desde garoto eu seja um praticante de esportes. Aos 16 anos, comecei a subir montanhas e escalar, com 18 já estava conquistando minha primeira montanha andina e, aos 30, deixo qualquer "piá" de 20 com a língua de fora numa trilha, caminhando mais rápido e carregando mais peso — na mochila e na pança.

E foi assim que, no ano passado, para rumo aos Andes para uma longa expedição a convite do Waldemar Niclevicz, maior montanhista brasileiro que, do alto de seus 48 anos de idade e 25 anos de montanhas, deixa qualquer marombado de academia para trás.

Até que tentei fazer um treino, afinal um convite desses era muita responsabilidade. O tal cara com a língua de fora na montanha poderia ser eu! No entanto, em vez de treinar, tive um bom motivo para ficar em casa, ir ao cinema e comer em bons restaurantes (se é que vocês me entendem?), o que me deixou numa situação um pouco engraçada: fui para a expedição com 75 quilos e 22% de gordura corpórea. O detalhe é que tenho apenas 1,73 de altura, ou seja, eu estava com um físico de pessoa sedentária, embora minha perna estivesse bem acostumada a trilhas e minhas costas, com a mochila.

Fizemos uma aclimatação muito rápida e eficiente. Em três dias de viagem, já estávamos dormindo a 3.600 metros, em San Antonio de los Cobres, em Salta, e no quinto dia fizemos um cume de 5.400 metros, o vulcão Tuzgle.


NO ALTO: Waldemar Nicleviz e Pedro Hauck no cume do Três Cruces Sur

A altitude é cruel; não é a toa que lá em cima não existe muita vida. Para os seres humanos, a altitude extrema, ou seja, aacima de 5.500 metros, é um complicador para o metabolismo. Gastamos mais energia para manter as funções vitais do organismo do que no nível do mar, e uma tarefa simples como dormir pode consumir mais calorias que em uma corrida à beira da praia.


É muito comum perdermos uns 6 e até 8 quilos numa expedição em alta montanha. Isso não é novidade para mim. Lembro-me de quando desci o Aconcágua. Tinha apenas 20 anos e, no banheiro do albergue, me olhei ao espelho depois de 18 dias isolado na montanha. Foi uma experiência muito engraçada poder se ver tão diferente, magro, sujo, cabeludo e barbudo. Eu perdi 8 quilos naquela expedição — mas quando voltei ganhei 10 quilos só na comemoração.

Nosso corpo sente a perda de gordura e de massa muscular, então no retorno da normalidade a gente recupera o peso perdido e, ainda, ganha um pouco mais de reserva. Talvez por isso eu nunca tenha tido um corpo atlético…

Desta vez foi diferente. Escalamos dez cumes em 45 dias, numa expedição muito intensa, onde pegamos o pior clima possível. Isso nos obrigou a caminhar muito rápido e fazer mais esforço que o normal. Fizemos um cume a cada quatro dias, nos deslocando por centenas de quilômetros. Ainda bem que não fiz feio e consegui acompanhar o Waldemar e contribuir para que tudo desse certo. Nunca estive com a língua de fora na montanha. Quando estava na civilização, eu aproveitava para comer o que a Argentina tem de melhor: carne! Como lá o prato principal não vem com guarnição, eu sempre pedia salada, em vez de uma base de carboidrato, fazendo sem planejar uma dieta da proteína.

Na montanha, diferentemente da cidade, não dá para levar carne, que é pesada e perecível. Levamos os eficientes alimentos liofilizados que, na maioria das vezes, são carboidratos, com um pouco de proteína. Combustível que é rapidamente consumido com o exercício pesado das caminhadas e escaladas em altitude.

O resultado, depois de 45 dias, foi que perdi 8 quilos, saindo dos 75 para os 67 quilos, com a queima de 6,5 quilos de gordura e ganho de 2 quilos massa muscular. Acredito que não exista no mercado uma dieta ou spa que consiga colocar um gordinho em forma tão rápido… Como eu sabia que meu corpo ficaria sedento por mais banha, decidi fazer algo de que não gostava: matriculei-me em uma academia para manter a forma.

A missão não foi tão difícil como imaginei, pois perto de onde eu moro, em Curitiba, há uma academia muito bacana que fica no quintal da casa do dono, um professor de educação física aposentado. Lá não tinha muvuca e som alto, pelo contrário: curtia a companhia agradável do seu Divo, que me ensinou a puxar ferro direito.

Infelizmente, no entanto, não pude ficar no Sul por muito tempo, pois minhas obrigações me levaram a io Claro (SP), para fazer um trabalho minucioso e demorado em um laboratório da Unesp. Fiquei por lá de março a praticamente Agosto, trabalhando de dez a 12 horas por dia, sem direito a distração. Foi terrível!

Minha sorte é que na frente da casa do Jeferson e da Larissa, que me hospedaram por todo esse tempo, tinha uma academia. E foi lá que eu distraia minha mente todas as noites após o estressante trabalho no laboratório.

Assim, com esse método tradicional, perdi mais um quilo de peso, chegando aos 66 quilos. Perdi também mais 4 de gordura, chegando a 7,9% de gordura aos 31 anos de idade, quando o normal na minha idade é ter 15%. Além disso, ganhei mais 2 quilos de massa muscular. Deixei de ser um montanhista barrigudinho pra virar um montanhista magrelo, mas em forma!

Passada essa fase de muito trabalho e pouca distração, estou de volta a minha casa após uma merecida viagem. Aos poucos vou colocando em dia minhas tarefas e vou me acostumando com a vida normal, procurando achar um tempinho pra voltar à academia do seu Divo. Não estou com uma barriguinha de tanquinho, porém estou longe de apresentar as "pochetes" que alguns descuidados cultivam. Certamente toda essa história acabou fazendo bem para meu corpo e minha saúde.

Fiquei muito tempo sem escalar, devido a minhas obrigações profissionais, mas nunca nessas idas e vindas ao longo destes 15 anos de montanhismo eu consegui retornar tão rápido e escalar vias difíceis tão facilmente. Estou muito feliz com isso, embora meu objetivo não seja ter barriguinha de tanquinho, muito menos músculos de fisiculturista. Quero apenas ir para a montanha com mais eficiência: leve e rápido.

Fica aí a sugestão: se você está precisando perder uns quilinhos, que tal ir para a montanha para recuperar a boa forma? Não esqueça de que, na volta, você precisa trabalhar para manter o que ganhou na altitude. Não é uma boa ideia? Quer coisa melhor que entrar em forma com o montanhismo?

* Pedro Hauck é montanhista, geólogo e co-fundador do site Alta Montanha, um espaço virtual inteiramente dedicado ao tema do montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.







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