Engula isso

Você está treinando forte e comendo menos do que deveria? Saiba que esse (mau) hábito pode desencadear deficiências hormonais com consequências terríveis, que vão da falta de energia até a incapacidade de conceber filhos


Por Heidi Mills


JOHN MILLER sentia-se um lixo. Aos 44 anos, esse ciclista norte-americano amador de repente percebeu que não tinha mais aquela dose extra de energia que o alçara tantas vezes ao pódio em provas estaduais de velódromo. Agora ele cruzava a linha de chegada no fim do pelotão e, durante os treinos, não conseguia mais atingir os picos de sua frequência cardíaca. John engordou e ficou com a pele seca. Durante o dia, sofria com fadiga extrema e, à noite, não dormia. Como muitos atletas competitivos, ele reagiu à má fase de um único jeito: treinando mais forte. Quando isso não ajudou, colocou o pé no freio, mas não se sentiu melhor. “No fim de uma semana de descanso, eu ainda estava letárgico”, diz. “Era como se eu estivesse na menopausa.”

De certa forma, era isso mesmo que estava acontecendo. Quando John finalmente procurou um médico, os exames mostraram que ele sofria de sérias deficiências hormonais. A causa? Má nutrição. Resumindo, ele não estava comendo o suficiente. Seu corpo entrou numa espécie de “modo de sobrevivência” e reduziu drasticamente o metabolismo, cortando a produção hormonal.

O caso de John parece extremo, mas não é incomum. Com a popularização dos esportes de endurance – só a participação em provas de triathlon mais que dobrou nos últimos cinco anos, chegando a dois milhões de adeptos só nos Estados Unidos –, um número cada vez maior de atletas amadores está desenvolvendo sérios déficits hormonais por causa de dietas deficitárias.

Diferentemente dos competidores de elite, que seguem planos alimentares cuidadosamente equilibrados, os amadores tendem a dar menos importância à nutrição do que a melhorar seu tempo na corrida e ficar mais forte e magro. Com agendas cheias, eles seguem o cronograma de treino religiosamente, mas tratam da nutrição como se fosse uma questão secundária. E o mais surpreendente é que não é preciso um treinamento do nível do Ironman para prejudicar as taxas hormonais do organismo: até meio-maratonistas novatos podem ter problemas nessa área se não se alimentarem adequadamente e na hora certa.

“É de assustar o que estamos vendo entre competidores amadores”, alerta a médica norte-americana Emily Cooper, que tratou John e mais de 200 atletas com deficiências hormonais nos últimos 20 anos. Segundo ela, muitos desconhecem ter o problema, pois os sintomas costumam ser atribuídos ao cansaço e ao desgaste normais do treinamento. Isso é particularmente verdade para os homens, que não têm um ciclo mensal como o das mulheres para ajudar a monitorar seus organismos. Alguns deles só descobrem o problema depois de procurarem exames de fertilidade ao não conseguir conceber filhos.

David Olive, presidente do Instituto de Fertilidade de Wisconsin (EUA), também testemunhou um aumento na ocorrência desse fenômeno. Desde 1985, ele ajuda centenas de atletas com dificuldade em conceber filhos devido a problemas hormonais. A maioria deles é composta de esportistas de fim de semana que resolveram intensificar o treinamento sem aumentar o consumo de alimentos. “Vejo isso acontecer mais com atletas recreativos do que com os profissionais de verdade”, diz.


A LIGAÇÃO ENTRE NUTRIÇÃO E NÍVEIS HORMONAIS já foi bem estabelecida pela ciência. Quando seu cérebro sente que o corpo está queimando mais calorias do que consumindo, ele suprime a produção de leptina, um hormônio regulador do apetite e do metabolismo. Você se sente com fome, e sua digestão fica mais lenta, para conservar energia. Quando a taxa de leptina cai além de um determinado ponto, seu cérebro sente que você está morrendo de inanição e ordena que o corpo cesse todas as atividades não essenciais, como a síntese de testosterona, estrogênio e outros hormônios associados à reprodução. As consequências incluem perda de densidade muscular e óssea, redução do desejo sexual e falta de energia. Pesquisas mostraram que o déficit hormonal causado por exercícios em homens pode resultar em esperma mais ralo e menos saudável; nas mulheres, pode desregular o ciclo menstrual.

Felizmente, tanto Emily como David dizem que a maioria dos atletas se recupera reformulando a dieta e reduzindo temporariamente o ritmo de treinamento. Não que seja fácil sair do fundo do poço hormonal: talvez eles levem meses para nutrir seu corpo até o ponto em que ele sinta ter combustível de sobra. Isso significa comer muitas vezes por dia, aumentar a ingestão de calorias e nunca treinar de estômago vazio. As refeições devem ter quantidades equilibradas de carboidratos, proteína e gordura. “Meu principal conselho é que meus pacientes se certifiquem de ingerir tantas calorias quanto estão utilizando”, explica David.

John aprendeu isso do jeito mais difícil. Quando procurou Emily, sua taxa de testosterona estava tão baixa que a médica lhe receitou reposição hormonal, associada a suplementos alimentares. Ela também pediu que ele desse um tempo dos exercícios de alta intensidade. “Falei, brincando, que eu estava com a testosterona de uma garotinha”, lembra John. “E ela respondeu: ‘É, está mesmo.’” Depois de cinco meses, o ciclista retomou o treinamento a sério. Seu plano é voltar a competir quando a terapia hormonal estiver concluída. “Os atletas flertam com seus limites o tempo todo”, diz John. “Meu corpo estava gritando por socorro, mas eu precisei aprender a escutá-lo.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2013)