O mágico de Voss

O paulista Marcio Franco vence quatro provas do festival norueguês Ekstremsportveko, um dos maiores eventos multiesportivos do mundo, e agora ostenta o título de cidadão de honra de Voss, onde ele vive há quatro anos

Por Maria Clara Vergueiro


“DESCULPE O BARULHO, é que eu estava lavando minha mountain bike porque acabei de chegar de um downhill na montanha que tem aqui atrás de casa”, conta Marcio Franco por telefone, da Noruega, com a maior naturalidade, sem imaginar o efeito que a frase produz nos ouvidos de alguém que mora em São Paulo, cidade que ele deixou há cinco anos para viver de aventura. Conhecido em terras brasileiras como um atleta top de caiaque de corredeira e rafting, além de corredor de aventura competitivo, Marcio ainda está comemorando as quatro vitórias nas nove provas em que se inscreveu no principal evento internacional de esportes de ação da Noruega, o Festival Ekstremsportveko (“Veko” para os íntimos). Ele consagrou-se, em junho, campeão na categoria solo de Horgi Ned (um triathlon nada convencional, composto de esqui downhill, mountain bike e caiaque em águas brancas), campeão de rafting, campeão de caiaque de corredeira, campeão de riverboarding (espécie de bodyboarding em corredeiras) e vice-campeão de parapente na categoria precisão de aterrissagem na água.

O conjunto de conquistas e a faceta multidisciplinar de Marcio – que ainda disputou provas de escalada nesse mesmo festival – renderam-lhe o título de cidadão de honra de Voss. A pequena cidade norueguesa, onde ele mora ao lado de outros 14 mil habitantes, é sede do megaevento que acontece desde 1998 e do qual Marcio participa desde 2011, na intenção de competir de igual para igual com gringos nascidos e criados naquelas montanhas e vales. Na primeira tentativa, ele se uniu a uma equipe de revezamento para disputar o triathlon Horgi Ned, que exige dos atletas muita velocidade e técnica para descer as montanhas, trilhas e corredeiras do percurso. Naquele ano, ele fez apenas a prova de caiaque, deixando as outras duas modalidades para os companheiros. Em 2012, encarou a versão solo do desafio, apesar do pouco tempo de prática com o esqui. Deslocou o ombro, rompeu ligamentos e terminou em 19º lugar.

Era natural que, desta vez, o paulista de 33 anos chegasse com muita sede. Com a prova de esqui cancelada pela pouca neve, as chances de vencer cresceram vertiginosamente, já que Marcio é mountain biker de mão cheia e exímio canoísta (aos dez anos de idade já descia as corredeiras dos rios de Juquitiba, no interior de São Paulo). “O mountain bike downhill é o coração desse tipo de triathon. É uma etapa muito técnica, com pedra, lama e raízes”, explica Marcio. Melhor que a premiação total (que incluiu um jantar com direito a acompanhante, a chave da cidade entregue pelas mãos do prefeito e R$ 3.500 mil) foi a sensação de poder fazer qualquer coisa depois daquilo.


A GEOGRAFIA PRIVILEGIADA da cidade de Voss – cercada por três montanhas, com um imenso vale cheio de rios, além da maior concentração de fiordes glaciais salgados do mundo – chamou a atenção de Marcio quando ele ainda vivia na Nova Zelândia, onde passou uma temporada de pouco mais de um ano assim que saiu do Brasil. “Vi em uma revista que ali estavam algumas das melhores corredeiras do planeta, por isso me candidatei a uma vaga em uma empresa que faz segurança em eventos e provas de caiaque”, conta o atleta, que segue conciliando esse trabalho com o de preparador físico.




MUY MACHO: O brasileiro Marcio Franco teve de encarar de corredeiras traiçoeiras a trilhas
técnicas de MTB para chegar ao pódio do Ekstremsportveko, na Noruega
(Foto: Per Fine)

Hoje Marcio divide seu ano entre esses dois países, Noruega e Nova Zelândia, sempre em busca da primavera e verão de cada hemisfério. No verão norueguês, por exemplo, as temperaturas em Voss chegam à marca dos 10C° negativos, o Sol se põe à meia-noite e a neve fofa nas montanhas permite que se esquie por pelo menos dois meses. “Meus treinos diários de bike, esqui e caiaque acontecem de acordo com o clima. Se chove, vou remar. Se venta muito, faço downhill. Quando tem neve, esquio. Em caso de céu está limpo, saio para voar”, conta o atleta, que no ano passado fez as etapas de surf e parapente no Rocky Man, prova multiesportes promovida no Rio de Janeiro pela editora Rocky Mountain (que edita a Go Outside).

Marcio não é o único que sabe dos atributos de Voss nas temporadas menos frias: no ano passado, a revista National Geographic elegeu a cidade como um dos dez melhores destinos do mundo para se visitar na primavera, período em que o lugar ferve com o Ekstremsportveko – palavra norueguesa que significa “semana de esporte extremos”. Considerado o campeonato mundial dos esportes radicais de natureza, o evento está em sua 15ª edição, reunindo atletas e entusiastas do universo outdoor sempre na última semana de junho, para curtir dias seguidos de competições de base jump, paraquedismo, asa delta, skate, canoagem, rafting, esqui, snowboard, mountain bike, parapente e horgi-ned. De quebra, rola uma intensa programação de shows de música e de festas paralelamente às competições. “É sensacional: atletas de todas as partes do mundo, todos os tipos de modalidades radicais que existem, um público enorme assistindo às provas, com festas sem parar”, vibra o honroso cidadão de Voss.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2013)