Sonho possível

Você vive pensando em sair pelo mundo em uma expedição, porém não tem grana para isso? Ou acalenta o desejo de se lançar em um desafio esportivo, mas não sabe como bancá-lo? Damos aqui algumas sugestões de como atrair a atenção de pessoas e financiadores para tirar seu projeto do papel


Por Denise Mota


GENTE QUE FAZ: O britânico Gareth Jones está neste momento realizando o sonho de
conhecer 9 mil quilômetros do Brasil a remo, a pé e de bike
(Foto: Aaron Chervenak)


Ideia com personalidade

Tente ser original. Imagine uma viagem ou desafio esportivo que quase ninguém fez antes, e que tenha a sua cara. Não precisa necessariamente ser longe de casa, muito menos durar meses ou custar milhões de reais. Ser original e criativo faz sua ideia se sobressair, atraindo a atenção de jornalistas (que vão querer divulgá-la) e de empresas financiadoras, interessadas na divulgação na mídia. Por mais que todos nós amemos bike e a Patagônia, não pense que uma expedição de bicicleta pela região é um desejo só seu: muita gente tem partido em duas rodas por esse pedaço do continente nos últimos tempos. Propostas atraentes costumam contar com um ou mais dos seguintes elementos:


INEDITISMO Se seu sonho for mesmo pedalar na Patagônia, tente um roteiro pouco conhecido. Ou um jeito de percorrê-lo de forma inédita (em uma bike de madeira sustentável construída por você a partir de descarte de shapes de skates, por exemplo).


VIÉS SOCIAL. Atrele seu desafio a uma causa pela qual você se interessa e com a qual se envolva. Você vai se sentir bem por estar ajudando alguém ou uma comunidade, e sua viagem pode transformar a realidade de quem precisa. Além disso, empresas costumam gostar de associar seus nomes a quem se preocupa de fato com o mundo a sua volta. Meio ambiente, sustentabilidade e educação são temas em alta.


CRIATIVIDADE. Uma ideia inusitada e criativa sempre atrai a curiosidade de outras pessoas. Mas como saber se ela é boa mesmo? Fizemos essa pergunta para o britânico Dave Cornthwaite, renomado aventureiro que se lançou em jornadas cheias de criatividade. “Em primeiro lugar, seja você mesmo”, disse ele. “Meu melhor conselho é: não se preocupe tanto com o que os outros estão fazendo. Encontre seu talento, sua melhor habilidade e seus desejos, e é por aí que você achará seu ‘nicho’, aquilo no qual seja único. Mas se lembre de que isso não acontece da noite para o dia”, diz. Há oito anos, o ex-designer gráfico emenda uma viagem na outra com o objetivo de realizar 25 jornadas de 1.500 quilômetros cada uma, sem usar nenhum tipo de veículo motorizado. A partir deste mês, Dave, que não tem patrocinador e vive de seus livros, vídeos e palestras baseadas nas viagens, estará de novo na estrada em um novo projeto, batizado de ElliptiGO, no qual percorrerá seis países europeus em uma bicicleta elíptica, espécie de patinete grandona e estilizada (saiba mais em davecornthwaite.com).



Clareza e beleza na rede

Ter um site sobre o projeto de sua expedição não basta. Seu cartão de visitas virtual precisa ser visualmente atraente e bonito. E sua ideia central tem de ser compreendida facilmente por quem visita seu site pela primeira vez.

Nele, explique direito sua proposta, com áreas para fotos, mapas e links diretos para Facebook/Twitter/Instagram (redes sociais que devem ser alimentadas com frequência). Um ótimo exemplo é a página da expedição Brazil 9000 (brazil9000.com), do londrino Gareth Jones e do californiano Aaron Chervenak. Juntos, eles estão percorrendo 9.000 quilômetros do Brasil a pé, de bike e a remo. A viagem tem data para terminar: julho de 2014. Até lá, o percurso dos dois companheiros pode ser acompanhado em detalhes pela internet. A dupla posta fotos belíssimas sobre a jornada e atualiza o Facebook de um jeito bem humorado e informativo.

“Para nós o site foi essencial. Tornou-se um meio eficiente de atrair patrocinadores e doadores de equipamentos. Depois, serviu de plataforma para compartilhar e divulgar nossa aventura através de vídeos, histórias e fotografias. Fora que nos deu uma mão e tanto para que crescêssemos nas redes sociais”, diz Gareth. “Decidimos usar algumas de nossas limitadas economias para investir em um webdesigner para a criação de um site bacana. Isso nos ajudou a ter uma aparência profissional. Mantivemos o design simples e limpo, sem cara de modelo de site gratuito e não muito chamativo ou high-tech”, comenta o londrino, durante uma pausa na travessia, em Santarém (PA), às margens do rio Amazonas.


MIL AVENTURAS: O britânico Dave Cornthwaite já nadou 1600 quilômetros por rios
norte-americanos; agora, ele percorrerá seis países com uma bike elíptica


Dinheiro no bolso
1:: Crowdfunding

Crowdfunding é um modelo de financiamento coletivo, quase sempre realizado em sites que te ajudam a pedir colaborações financeiras para as pessoas. O mais conhecido internacionalmente é o Kickstarter (kickstarter.com), mas no Brasil já existem versões como o Vakinha (vakinha.com.br).

O brasileiro Felipe Baenniner está atualmente no processo de captar recursos para seu Transite. Inscrito no Catarse (catarse.me/transite), seu projeto custa R$ 40 mil e resultará em um foto-livro sobre os brasileiros e suas magrelas, fruto de uma travessia de bicicleta de 17.000 quilômetros pelo Brasil, na qual passará por todas as regiões do país. “A vantagem desse modelo de financiamento coletivo é a total liberdade na hora de criar e conduzir o projeto. Você tem uma relação direta com o público. Isso não acontece de outra maneira, especialmente quando uma empresa decide te patrocinar. A desvantagem é que, se não conseguirmos todo o dinheiro até a data estipulada, a verba arrecadada retorna aos apoiadores. É tudo ou nada!”


2:: Ministério dos Esportes

A Lei de Incentivo ao Esporte existe desde 2007 e permite que empresas e pessoas físicas que apoiem projetos de fomento à prática esportiva possam se beneficiar de renúncia fiscal. Curiosamente, dos cerca de 1.500 projetos que o ministério recebe anualmente, nenhum se refere a expedições. Isso se deve, principalmente, à ainda tímida cultura expedicionária no Brasil. “As propostas enviadas para nós são todas educacionais, de participação ou de rendimento, em modalidades tradicionais como futebol, corrida, basquete e natação. Não há ainda muita coisa sendo feita na área de expedições e esportes radicais menos difundidos”, diz João Roberto Tajara, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério dos Esportes.


De tudo o que é proposto, cerca de 50% é reprovado por falta de documentação necessária. Dos que têm a documentação em ordem, 85% são aprovados. O maior desafio vem depois, quando as propostas são levadas ao mercado para captar os recursos aprovados, não conseguem, em sua maioria, reunir o valor necessário. “Grande parte não consegue captar nada”, conta João. Os projetos têm um ano para captação, prorrogáveis por mais dois anos. Um mínimo de 20% do valor orçado deve ser obtido para que o projeto possa começar a ser realizado.

Só podem se inscrever na lei pessoas jurídicas de direito público (como universidades) ou privado (ONGs, confederações etc.). Há 326 propostas em realização no país no momento, que vão da organização de partidas de basquete para pessoas em cadeiras de rodas a corridas de rua. Para a aprovação do ministério, o essencial, explica João, é que o projeto seja bem montado, com objetivos e indicadores claros. “Ele tem que ser enxuto e bem feito.” Para mais detalhes, consulte: esporte.gov.br/leiIncentivoEsporte e esporte.gov.br/leiIncentivoEsporte/manualProponente/manualPropoente.htm


AJUDA COLETIVA: O brasileiro Felipe Baenninger está captando recursos usando sites
de crowdunding

(Foto: Gabriel Cabral)


3:: Prêmios, bolsas e fundos

Aventureiros experientes são unânimes em aconselhar o planejamento de propostas interessantes, criativas e… baratas. “Você não precisa de dezenas de milhares de dólares para se lançar no mundo em uma expedição. Eu ganho dinheiro através das minhas palestras e livros. Não tenho casa própria. Tudo do que preciso para sobreviver, viajar e compartilhar uma história cabe em uma mochila. Então necessito menos do dinheiro dos outros, e isso significa que posso me concentrar mais no que realmente importa, que é aproveitar minhas aventuras”, diz o britânico Dave Cornthwaite.

Gareth Jones, da expedição Brazil 9000 (orçada em US$ 80 mil), afirma que ter reservas pessoais também é importante: “Uma grande vantagem que permitiu que o projeto ganhasse vida foi nossa independência financeira inicial. Vivemos como eremitas por dois anos, trabalhando e juntando cada centavo que ganhávamos. Patrocinadores não são fáceis de conseguir antes da expedição”, avisa.

Seja lá como for, apoios financeiros sempre são bem-vindos. Uma das formas de viabilizar uma expedição é contar com recursos de organizações estrangeiras. Com valores que oscilam entre 100 libras (cerca de R$ 310) e US$ 35 mil (quase R$ 70 mil), algumas entidades ao redor do mundo oferecem prêmios, bolsas e fundos para aventureiros de primeira ou de muitas viagens:


National Geographic

nationalgeographic.com/explorers/grants-programs/ec-apply/

O Conselho de Expedições da tradicional organização, fundada em 1888, financia projetos que se concentram “em regiões pouco conhecidas do mundo ou áreas que estejam passando por rápidas transformações ambientais ou culturais”. Os fundos aprovados variam entre US$ 5.000 e US$ 35.000.


Polartec Challenge

polartec.com/polartec-challenge

Desde 1991, o prêmio da marca de tecidos para artigos outdoor tem por objetivo estimular aventuras que respeitem as culturas locais, gerem pouco impacto ambiental e sejam inspiradoras para praticantes de atividades ao ar livre ao redor do mundo. Os recursos variam entre US$ 1.000 e US$ 5.000 para cada projeto escolhido.



DUPLA MASSA: Aaron (esq.) e Gareth recomendam aos futuros aventureiros que criem
um site bonito e didático para promover seu projeto
(Foto: Aaron Chervenak)

Captain Scott Society

www.captainscottsociety.com/awards.html

Essa organização, baseada no País de Gales e criada para incentivar as aventuras, não recebe inscrições por meio de formulários online. O candidato deve enviar, por e-mail, as informações que considerar relevantes para ser eleito. São aceitas expedições realizadas individualmente ou em grupos, e o maior critério de escolha é que o projeto exemplifique o “espírito de aventura” inspirado pelo capitão da expedição Antártica Britânica, de 1910 (saiba mais no site da sociedade). The Spirit of Adventure Award, o maior prêmio concedido pelo órgão, é de 2.000 libras (cerca de R$ 6 mil).


Timmissartok Foundation

timmissartok.com

A sociedade filantrópica, criada na Groelândia, apóia projetos de pessoas de qualquer nacionalidade e faixa etária, desde que se realizem fora de seu país de origem e que sejam inspirados pela paixão em atingir um objetivo claro. O apoio financeiro que oferecem costuma ser de, em média, 500 libras (cerca de R$ 1.500).


The Adventure Fund

theadventurefund.com

Em associação com a revista Sidetracked, o fundo destina doações pequenas (a partir de 100 libras, ou cerca de R$ 300) a propostas que, mais do que o destino da aventura, privilegiem a criatividade. O foco é “apoiar o espírito aventureiro em si mesmo”.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2013)







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