Aos 39 anos, o sul-africano Conrad Stoltz, o “Caveman”, domina o circuito de triathlon off-road XTerra por uma simples razão: ele ainda se diverte (e muito) com isso Por Mario Mele
O SUL-AFRICANO CONRAD STOLTZ segue os próprios instintos: não costuma usar monitores cardíacos nem planilhas de treinamento, além de nunca querer saber a colocação de seus adversários. “A competição é sempre comigo mesmo”, garante. “O que faço é comparar minhas performances em anos diferentes com a ajuda de um dispositivo colocado na bicicleta que analisa a potência do meu pedal. Para mim, isso é treino inteligente.” Conrad está mais forte com o passar tempo. O motivo, segundo ele, é saber ouvir a voz interior. Durante as últimas duas décadas como triatleta profissional, ela o manda ir cada vez mais rápido, e ele obedece.
Prestes a completar 40 anos, esse sul-africano ainda domina o XTerra – o principal circuito de triathlon cross-country do planeta, do qual é tetracampeão mundial (2001, 2002, 2007 e 2010). E faz isso se divertindo. Nem a idade, nem as lesões e nem os pneus furados foram até hoje fatores limitantes para o Caveman (Homem das Cavernas), como Conrad, com seu 1,90 metro de altura, é conhecido. Ele ainda é capaz de melhorar suas marcas e deixar para trás atletas bem mais novos, como o conterrâneo Dan Hugo. Foi o que fez no fim de junho no XTerra Brasil, disputado no mar e nos terrenos acidentados de Ilhabela (SP). Dessa vez, o “triatleta das cavernas” chegou em primeiro depois de completar a trinca de 1,5 quilômetro de natação, 25 quilômetros duríssimos de MTB e oito quilômetros de corrida em trilha em 2h19min38s – quase oito minutos mais rápido do que o brasileiro Felipe Moleta, segundo colocado na prova. Antes, porém, o Caveman conversou com a Go Outside.
XTerra Ilhabela
“Trata-se de um percurso muito difícil e íngreme. Vou bem em downhills, consigo ser rápido sobre as pedras. Claro, nada comparado ao meu amigo [o sul-africano campeão mundial de mountain bike downhill] Greg Minnaar, com quem treino junto de vez em quando. Não gosto de brecar, mas em Ilhabela até senti o cheiro de queimado dos freios.”
Triatleta endurance
“Considero o XTerra uma modalidade endurance. São quase 2h30 de atividade intensa. É preciso, também, muita força e explosão. Mas quase 30 quilômetros de mountain bike, empurrando e carregando a bicicleta em diversos trechos, não é simples e exige técnica e paciência. Em Ilhabela, por exemplo, só o pedal consome 1h30 de prova. O que gosto no XTerra é que as provas são bem diferentes entre si. No Brasil, a floresta é o grande diferencial.”
Longevidade
“Para se manter na ativa próximo dos 40 anos, é preciso gostar do que você faz. Sou capaz de ainda me superar nessa idade porque consigo treinar de maneira inteligente. Depois de 21 anos competindo profissionalmente, consigo até acelerar a recuperação de uma lesão. Antigamente as pessoas passavam da conta e se aposentavam cedo porque não ouviam o próprio corpo e se contundiam com muita frequência.”
Carreira
“Em meus primeiros dez anos como atleta, eu tinha que guardar o dinheiro que ganhava como premiação de prova num fim de semana para poder competir no fim de semana seguinte. Só consegui meu primeiro patrocínio aos 28 anos de idade. Quando fiz 27, participei da minha primeira Olimpíada [Conrad foi triatleta olímpico em Sydney, em 2000, e Atenas, em 2004; seu melhor resultado foi um 20º lugar, na Austrália]. Fiz uma boa prova, cheguei a liderar. Mas não consegui viver do esporte na África do Sul, por isso me mudei para os Estados Unidos. A premiação era melhor em cidades como Chicago e Los Angeles. Em 2001 descobri o XTerra e me apaixonei. Logo no primeiro ano fui campeão mundial, mesmo sem ter uma mountain bike. O Ned Overend [um dos pioneiros do mountain bike] me emprestou sua bike Specialized. Minha carreira não tem sido fácil, mas tenho curtido muito.”
Acidentes
“Acidentes aconteceram quando fiz alguma coisa muito estúpida porque não estava concentrado. O pior deles foi em 2008, em Lake Tahoe (Califórnia, EUA). Voei sobre o guidão e aterrissei com o peso do corpo sobre os pulsos. Quebrei a mão e a coluna cervical. Era uma descida suave, só que eu vinha rápido e distraído com a vista do lago. Estava fazendo o reconhecimento do percurso da prova, que seria no dia seguinte. Em abril deste ano, tomei um tombo no XTerra de Las Vegas depois de um downhill. A trilha terminava sobre pedras, e eu não me dei conta. Escorreguei, caí e machuquei a mão porque estava sem luvas. Mas subi de novo na bicicleta e consegui chegar em segundo. Não foi uma grande contusão, mas no circuito do XTerra é preciso somar pontos em cada competição, além de essas corridas pagarem bem. Não posso ficar afastado, minha família depende de mim. Quando é inevitável, no entanto, e tenho que ficar um tempo de molho, decreto que será apenas por algumas semanas. Fico em paz com a situação e vou tocar violão, em vez de pensar que estou ficando gordo e fora de forma.”
Troglodita
“Foi meu pai que me deu o apelido de Homem das Cavernas. Estava na oficina consertando uma bicicleta e, no momento em que ele chegou, quebrei uma ferramenta. Então ele disse: ‘Você é um Caveman, pode quebrar qualquer coisa que tocar’. Eu tinha uns 29 anos. Hoje os engenheiros da Specialized me mandam uma nova peça para eu testar e, se ela não quebrar, colocam o selo ‘à prova de Caveman’ (risos).”
Rivais
“Atualmente o cara mais difícil de ser batido é o [triatleta espanhol] Javier Gomes. Ele é especialista no triathlon olímpico – foi medalha de prata em Londres. No ano passado, ele correu um mundial do XTerra por diversão e simplesmente ganhou. Apesar de não ser técnico no mountain bike, é fisicamente muito forte. Em outubro deste ano o Javier estará em Maui, no Havaí, novamente para defender seu título. Fora da competição somos bons amigos, ele é um cara gentil.”
Futuro
“Em 2011 fui campeão inaugural do mundial de triathlon cross-country organizado pela International Triathlon Union (ITU) e um dos meus objetivos é perseguir outro título desse. Além disso, quero meu quinto título mundial no XTerra. Em 2001, quando ganhei o primeiro, pensei que seria fácil vencer cinco vezes. Estava enganado. Isso porque você não tem apenas que superar seus adversários e os percursos técnicos. Tive algumas contusões, e problemas na bike que me custaram vitórias. Depois que eu me aposentar, pretendo ser mentor esportivo. É diferente de ser um técnico. Não sou bom em fazer planilhas nem programas de treinamento, mas, sim, em passar dicas a jovens atletas, como a calibragem certa dos pneus para determinados terrenos ou a altura correta do selim, para que não cometam os mesmos erros bobos que eu já enfrentei. Ao longo dos anos, percebi que amo a cultura do mountain bike, que tem muito menos a ver com ir rápido ou ter a bicicleta mais leve, e sim com se divertir pedalando.”
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2013)
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