A força da experiência

Aos 48 anos, o alemão Stefan Glowacz se lança em projetos que misturam desafio outdoor extremo com escalada técnica — o que ele jamais faria quando tinha vinte e poucos anos e era um dos atletas mais bem ranqueados do mundo

Por Mario Mele


EXPRESSIVO: Já faz 20 anos que Stefan trocou os ginásios de escalada pelos paredões
naturais e isolados


NASCIDO NA BAVIERA, no sudeste da Alemanha, Stefan Glowacz começou a escalar aos 15 anos e, em pouco tempo, a competição já estava no sangue: entre as décadas de 1980 e 1990, ele ganhou três edições do Rock Master, um tradicional evento de escalada esportiva que acontece anualmente na Itália. Em 1993 Stefan se aposentou dos pódios depois de conquistar o vice-campeonato mundial de escalada.

As ascensões continuaram, mas saíram dos ginásios e foram para as rochas. Já faz 20 anos que Stefan explora lugares remotos como o monte Roraima, na tripla divisa entre Brasil, Guiana e Venezuela, a ilha de Baffin, no Canadá, e a Pedra Riscada, no leste de Minas Gerais – esta com a ajuda do escalador brasileiro Edemilson Padilha, um dos integrantes da expedição.

Em fevereiro deste ano, o alemão fez sua mais recente aparição em ambientes essencialmente inóspitos. Durante o alto inverno da Sibéria, ele conquistou as sete curiosas formações rochosas conhecidas como Seven Giants, no platô Man-Pupu-Ner, um místico legado geológico dos montes Urais, que dividem a Ásia e a Europa pelo norte. Stefan fez tudo da forma mais natural e humana possível, sem recorrer a helicópteros e esquiando a maioria dos trechos para se aproximar da base das pilastras.

Enquanto produz o filme sobre este projeto, que deverá ser lançado ainda este ano, ele falou com a Go Outside.


GIGANTE DOMADO: Stefan pisa no topo de um dos Seven
Giants e vê a imensidão siberiana de um ângulo privilegiado


GO OUTSIDE: Você escalou lugares considerados místicos, como o monte Roraima e agora os Seven Giants. Teve alguma experiência diferente nesses lugares?

STEFAN GLOWACZ: Sim, estive em muitos lugares místicos, mas nunca tive experiências esotéricas. Pessoalmente, não sou supersticioso. Mas quando vou para a selva da Venezuela para escalar uma montanha como o Roraima, respeito ao máximo a religião e as crenças nativas.


Quando você vencia os campeonatos de escalada, nos anos 1980 e 1990, você imaginava que um dia sua carreira de escalador se voltaria para as grandes expedições?

Não imaginava. Na época em que eu competi, entre 1985 e 1993, eu estava muito focado nas provas. Tem que ser assim, ou você não vence. Você precisa estar possuído pela ideia de ganhar. Só mais tarde percebi que precisava voltar para minhas raízes, voltar a escalar big walls.


O projeto Seven Giants foi o mais duro que você enfrentou até hoje? Qual foi o momento mais difícil que você enfrentou lá?

Não foi a expedição mais dura, mas foi muito difícil porque é uma área muito remota. Só dá para cobrir a distância até a base dos Seven Giants com caminhões enormes ou snowmobiles, uma espécie de moto para neve. Na primeira parte da aproximação, nevava um pouco e estava cerca de -45o C. Todos tiveram queimaduras de frio. Konstantin, nosso companheiro de equipe russo, teve que ficar no hospital por quase uma semana. Levamos quase sete dias para alcançar o platô e mais dois dias para escalar o ‘Irmão mais Velho’, o maior dos sete gigantes.


Qual o segredo para se manter motivado, em forma e em busca de grandes realizações aos 48 anos de idade?

Sempre ter um objetivo em mente. Não preciso me motivar todo dia, eu sou uma pessoa inspirada. Meu maior problema, na verdade, é controlar a motivação!


Você pode contar um pouco sobre suas experiências de escalada no Brasil? Como descobriu a Pedra Riscada, em Minas Gerais, por exemplo? E por que chamou o cume dessa pedra “O lugar da felicidade”?

Conheci um escalador espanhol que morava na Patagônia e ele me contou da Pedra Riscada, na cidade de São José do Divino (MG). Eu nunca tinha ouvido falar dela e adoro ir para lugares desconhecidos. Chamamos lá de “Place of happiness” (lugar da felicidade) porque nos pareceu o paraíso, depois de todas as baladas que fizemos antes da escalada, ainda em São José. Um dos escaladores que subiu comigo a Pedra Riscada foi o Edemilson Padilha.


Você tem a intenção de escalar em algum outro lugar do Brasil?

Não tenho nada planejado nesse sentido. Mas quero muito voltar ao Brasil em 2014 para a Copa do Mundo. Também amo velejar de kitesurf, e o litoral de Fortaleza é fantástico para isso.


Você tem uma equipe para registrar e documentar essas expedições?

Geralmente vai conosco um fotógrafo, que também é cinegrafista. E ele é um cara superbacana, que nós gostamos de ter em nossas expedições. Tentamos manter a equipe o menor possível. Somente na expedição ao Monte Roraima nós trabalhamos com um time maior.


EXPEDIÇÕES: Nesta foto, Stefan, em 2010, abrindo uma via inédita no monte Roraia.
Abaixo,aproximando-se dos gigantes siberianos em pleno inverno, em fevereiro deste ano

Que escaladores esportivos você admira?

Quando comecei a escalar, eu era fã dos escaladores alemães mais velhos, como Wolfgang Güllich e Kurt Albert. Hoje jovens escaladores ainda me motivam, especialmente o Chris Sharma. Ele não só é um grande escalador como uma pessoa muito carismática e criativa. Mas o escalador mais inspirador para mim, de todos os tempos, foi o francês Patrick Edlinger [que morreu no ano passado, aos 52 anos].


Qual a sua escalada mais incrível?

É difícil de dizer qual escalada mais me fascinou. Mas talvez a minha primeira ascensão do “The emperor new cloth” (o tecido novo do imperador) nas montanhas de Wilder Kaiser, na Áustria. Por um longo tempo, foi a via de escalada esportiva alpina mais difícil do mundo.


O que você acha do fato de mais e mais escaladores estarem praticando também base jump e wingsuit?

Acho que todos nós somos atraídos por esportes extremos, e muitos escaladores não são apaixonados só por subir uma parede, mas também por saltar dessa parede. Graças a deus, nunca experimentei, e portanto não posso falar pelos outros. Sou apaixonado por kitesurf, mas vivo no lugar errado para praticar mais esse esporte. Mantenho-me focado na escalada. É o que faço melhor.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2013)







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