Lojas e oficinas de bike que servem um bom expresso viram febre no mundo e se espalham pelo Brasil. Como explicar a associação entre estas duas paixões? Por Daniel Santini
EM CURITIBA, HÁ UM ROTEIRO de bicicleta voltado para a degustação de cafés. No Rio de Janeiro, um casal apaixonado por cicloviagens comercializa cremosos cafés com leite numa padaria que tem a bicicleta como símbolo. Em São Paulo, oficinas, bicicletarias e lojas apostam em máquinas sofisticadas para tirar um saboroso expresso. Na Europa e América do Norte, o hábito de misturar a endorfina da pedalada com o prazer de uma bebida quente é ainda mais difundido.
A associação não é de hoje. Na década de 1960, a Faema, fabricante italiana de máquinas de expresso, chegou a patrocinar uma equipe de ciclismo. Desde então, apreciar um curto bem tirado virou mania entre os profissionais – um dos termos do bem humorado “Código Europeu de Conduta de Ciclistas” é tomar café forte.
Não há estimativas ou estatísticas oficiais, mas para quem pedala nas principais cidades brasileiras é fácil constatar o aumento do número de bicicletarias que servem bons cafés ou cafeterias que sabem receber ciclistas. “Depois de um treino de bike, é comum a equipe parar para descansar em um café”, diz Albert Pellegrini, ciclista aficionado pela bebida. “Quando você está em um carro, pode até ir a um café, mas a interação dos ciclistas é bem mais direta. Além disso, de bicicleta, a pessoa não precisar buscar uma vaga para estacionar e pagar por isso.”
Foi essa simplicidade que fez o casal de cicloturistas Henri Forcellino e Ana Gentil escolherem La Byciclette para o nome da padaria que abriram no Rio de Janeiro. “O ciclismo tem uma ética que corresponde a uma nova maneira de pensar o mundo. Quem viaja de bicicleta sabe que a relação do ciclista com o tempo muda, assim como a distância”, afirma Henri, francês radicado no Brasil. Para ele, pedalar tem tudo a ver com a pausa necessária para se apreciar uma boa xícara.
Além dos “bike cafés”, há espaço para outras iniciativas similares. Em Curitiba, a combinação resultou em um tour gastronômico de cicloturismo para degustação da bebida. “A ideia surgiu graças à união destas duas paixões. Em Nova Iorque e Barcelona existem opções de roteiros como este, e em Curitiba temos ótimas cafeterias e uma cultura de grãos especiais, com baristas premiados internacionalmente”, afirma o organizador do roteiro, Gustavo Carvalho, da KuritBike. “A explicação para a fusão é a afinidade entre o perfil dos bikers e a receptividade e o aconchego oferecidos pelas cafeterias. Isso, na verdade, tem a ver com a essência do café, que, na cultura brasileira, é a bebida da hospitalidade.” A seguir, indicamos alguns lugares que unem essas duas coisas tão gostosas, no Brasil e no mundo.
>> NO BRASIL Ciclourbano (São Paulo) Las Magrelas (São Paulo) Bike Café (São Paulo) La Bicyclette (Rio de Janeiro) Roteiro de degustação, KuritBike (Curitiba) Look Mum No Hands (Londres, Inglaterra) Zappi’s Cafés (Oxford, Inglaterra) Angry Catfish Bicycle Shop + Coffee Bar (Minneapolis, EUA) The Denver Bicycle Cafe (Denver, EUA) Café La Bicicleta (Santiago, Chile) (Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2013)
La Bicyclette, no Rio de Janeiros; ao lado, Denver Bicycle Cafe (EUA)
Ciclourbano, em São Paulo
SIMPÁTICO: O ambiente ciclístico do café Look Mum, no Hands
Leandro Valverdes e Mário Canna dividem o tempo entre cappuccinos e expressos – por vezes acompanhados de fatias caprichadas de bolo – e explicações técnicas sobre bicicletas. “Servimos um grão gourmet e a conta talvez não fechasse do ponto de vista financeiro se fôssemos somente uma cafeteria. Mas como o café é um complemento à loja de bikes, podemos nos dar ao luxo de oferecer uma matéria-prima mais cara e utilizar uma das melhores máquinas do mercado”, explica Leandro. ciclourbano.com.br; (11) 3476 9919
No bar desta oficina do boêmio bairro da Vila Madalena, o café tem uma causa social. Suas vendas ajudam a subsidiar o projeto Pedala Zezinho, cujo objetivo é incentivar o uso de bicicletas no Capão Redondo, periferia da capital paulista. A iniciativa é do grupo Gangorra, um espaço de co-working que concentra empresas e iniciativas com foco em mobilidade urbana e qualidade de vida em São Paulo. lasmagrelas.com.br; (11) 3938 7366
A proprietária Camila Nakatsui decidiu montar o Bike Café depois de uma longa temporada morando fora do Brasil. “Queria unir duas paixões, gastronomia e bicicleta”, diz. O café funciona em um anexo da loja da marca KTM Bikes, no bairro de Pinheiros. O teto retrátil dá a sensação de estar ao ar livre, enquanto prova as bebidas e quitutes ou espera a manutenção da sua bike terminar. “Bike e café têm tudo a ver! Passear e se exercitar todos os dias faz bem à saúde, assim como tomar café moradamente”, completa. bikecaffe.com.br; (11) 2737 3115
Fundada no Rio de Janeiro pelo casal de cicloturistas Henri Forcellino e Ana Gentil, a padaria tem, nas palavras dos donos, “um pão que respeita a natureza do tempo”. Sem gordura, açúcar, aditivos químicos e conservantes, os pães são assados num forno de pedra após um longo processo de fermentação. As entregas são feitas somente de bicicleta. labicyclette.com.br, tel. (21) 3256 9052
Criado em janeiro deste ano, o roteiro de cicloturismo urbano mescla degustação de café e passeio de bike pelas ruas de Curitiba. Os ciclistas experimentam pelo menos cinco variedades de grãos e ouvem explicações sobre os diferentes preparos. O passeio acontece das 9 às 14h de segunda a sexta, e das 10 às 15h aos sábados e domingos. kuritbike.com, tel. (41) 9656 2951
Look Mum, no Hands, em Londres
>> NO EXTERIOR
“Todos os estabelecimentos comerciais deveriam ser ‘bike friendly’ ou ‘amigos da bike’”, diz Matthew Harper, do Look Mum No Hands (algo como Olhe Mãe Sem as Mãos), um dos mais conhecidos bikecafés da Inglaterra. No embalo de Londres, onde a criação de uma infraestrutura cicloviária avança a passos largos e já existem cicloavenidas, Matthew é um dos beneficiados pela tendência. lookmumnohands.com; + 44 020 7253 1025
Criado pelo ex-ciclista profissional italiano Flavio Zappi em parceria com Stuart Meanwell e Dan Willians, o Zappi’s Café, em Oxford, serve como base para um clube de ciclismo. “Tem sido um sucesso. Nos orgulhamos de servir alguns dos melhores expressos da região”, diz Dan Willians, entusiasta desse tipo de negócio. “Trata-se de ambientes vibrantes em que as pessoas podem conversar e apreciar uma boa xícara.” zappisbikecafe.com; + 44 07506 997779
Em funcionamento desde janeiro de 2010, os fundadores do Angry Catfish são obcecados pela qualidade. “Existem outros bikecafés na cidade, mas a gente se concentrou no entusiasmo de oferecer bikes e acessórios de primeira linha e ajudar a fortalecer a indústria de cafés especiais”, explica o proprietário Joshua Klauck. angrycatfishbicycle.com; + 1 612 722 1538
Jessica Cauoette, uma das sócias, estima que, por mês, o do Denver Bicycle Cafe receba 200 bicicletas e sirva 7 mil cafés. “Tem funcionado muito bem. Os visitantes aparecem em busca de pequenos reparos, um pneu furado ou um ajuste nos freios, e param para tomar uma xícara”, diz. “Ou param só pela bebida mesmo. Há desde os que pedalam aos fins de semana para se exercitar até os que vivem próximos e sempre passam por aqui. Todo mundo gosta de uma boa cafeteria e a gente adora dar uma assistência a quem pedala.” denverbicyclecafe.com; +1 720 446 8029
O Café La Bicicleta é o primeiro estabelecimento do gênero no Chile, segundo seus proprietários, o casal Romina e Beto Bravo. “Quisemos abrir um negócio que unisse nossas grandes paixões, a gastronomia e a bicicleta”, explica Beto Bravo. Somadas à ideia de oferecer um bom expresso aos que esperam reparos na oficina de bikes, surgiram outras com espírito comunitário. Os simpáticos proprietários se orgulham, por exemplo, de abrir um espaço para intercâmbio de livros. cafelabicicleta.cl; + 56 02 2059709