Animais são bem mais inteligentes do que imaginamos, assegura a especialista norte-americana Virginia Morell
Por Bruno Lazaretti
FOI POR UMA SÉRIE de insights sobre a inteligência animal – e a nossa relutância em admitir sua existência – que a norte-americana Virginia Morell, escritora, viajante, jornalista e entusiasta da natureza, começou a se questionar sobre como pensam os animais. Virginia estava na Tanzânia, em 1987, para pesquisar seu primeiro e aclamado livro, Ancestral Passions (sem edição em português), onde conheceu o trabalho que a primatologista Jane Goodall realizava com chimpanzés. Lá ela foi testemunha de claros sinais de inteligência por parte dos macacos – muito além da velha rotina de bater palmas, pedir bananas e usar gravetos para comer cupins. “Um chimpanzé me envolveu em suas intrigas políticas, e um chimpanzé mais novo enganou um mais velho usando a ajuda da Jane”, relembra Virginia. Mas não foi isso que mais a fez pensar. “Os chimpanzés estavam claramente pensando, sentido e expressando emoções, mas Jane não conseguia falar isso sobre eles. Ela tinha que usar expressões oblíquas, do tipo ‘o chimpanzé se comportou como se estivesse enganando o outro’.” Na época, admitir a inteligência de animais era uma heresia científica.
GO OUTSIDE Antes de mais nada, por que meu labrador tenta destruir o quintal e os móveis de casa quando eu saio para viajar?
VIRGINIA MORELL É muito provável que seu cachorro sinta ansiedade pela separação. Quando você sai, ele se preocupa que você nunca mais vai voltar – e essa preocupação o faz destroçar coisas que ele geralmente não toca.
O quanto ele sabe o que está fazendo? Sente culpa depois?
Há sugestões de que alguns animais sentem algo próximo à culpa. Charles Darwin acreditava que seus cães sentiam. Mas seu labrador provavelmente não refletiu sobre esse comportamento e não o considerou destrutivo.
Então o que estamos chamando de inteligência?
“Inteligência” é um temo mal definido, portanto não é utilizado por pesquisadores. O termo certo é “cognição”, que basicamente significa a habilidade de tomar decisões. A maioria dos pesquisadores de cognição animal considera que, quanto maior a capacidade de um animal de tomar decisões, mais inteligente ele é. Em outras palavras, o animal não é limitado a seus instintos. Alex Kacelnik, um pesquisador da Universidade de Oxford, ficou tremendamente surpreso quando um de seus corvos criou uma ferramenta com arame, material que ele nunca tinha visto na vida. Para fazer isso, o corvo teve que criar uma imagem mental da ferramenta que queria e dobrar o arame nessa forma.
Eu acho que meu labrador não consegue fazer ferramentas…
Alguns animais têm cérebros mais complexos que outros, mas não existe uma “cadeia da cognição”. Um tubarão não é mais “evoluído” do que uma alga marinha. Dentro de cada ambiente, cada espécie precisa de determinadas habilidades mentais. Talvez cães sejam o melhor exemplo, porque o habitat natural deles já se tornou a nossa casa. E, para conviver conosco, eles evoluíram para compreender nossas expressões, e seguir regras que variam de tempos em tempo (tipo deitar ou não no sofá).
Que animal te impressionou mais em suas pesquisas?
Alex, o papagaio africano. A habilidade dele em falar palavras em inglês e comentar sobre o mundo ao redor é impressionante. Juro que ainda consigo ouvi-lo falar: “Quero trigo, quero trigo” quando ele achava que merecia uma recompensa, e tentando falar “amarelo” quando a pesquisadora perguntava qual era a cor de um objeto. Melhor ainda, ele ralhava com os outros papagaios do laboratório quando eles erravam alguma pronúncia: “Fale direito, fale direito!”.
O quão complexa é a comunicação entre animais?
Estamos só começando a entender a vocalização dos animais. O que sabemos com certeza é que alguns papagaios e golfinhos conseguem imitar o “chamado assinatura”, ou seja, o nome de outros membros de sua espécie. É provável que eles também atrelem outras informações a esses nomes… Um pesquisador que conheci está tentando provar que papagaios conversam de fato. Ou seja, pode ser que animais tenham algo próximo de linguagem, ou até linguagem de fato.
O senso de identidade é comum a outros animais?
Sim, os animais conseguem distinguir o “eu” do “outro”. Vespas podem reconhecer o rosto de outras vespas. Elefantes se conhecem pelo cheiro da urina, e cavalos, pelos relinchos.
É comum achar que todos os membros de uma espécie são meio iguais, tipo todos os macacos são igualmente inteligentes. Mas isso está errado, não é?
Exato, animais não são partes mecânicas intercambiáveis. Cada chimpanzé tem sua personalidade. E isso também é verdade para a maioria das espécies. Recentemente, visitei os lobos do parque de Yellowstone (EUA) e ouvi falar de uma fêmea que tinha habilidades de caça excepcionais. Ela conseguia derrubar um alce macho sozinha – coisa que até os lobos machos, que são maiores, raramente tentam fazer. É que de algum jeito, ela se deu conta de que os alces não conseguem enxergá-la se ela ficar diretamente na frente deles, porque os olhos do alce têm foco lateral, não frontal. Ela se aproximava pela frente e disparava frontalmente, direto ao pescoço. Essa loba era tão boa que se tornou a caçadora líder da família.
Tamanho do cérebro importa?
Porque temos cérebros grandes, tendemos a enxergar animais maiores, como golfinhos e elefantes, como mais inteligentes. Mas animais com cérebros minúsculos, como formigas, conseguem tomar decisões incrivelmente complexas. Como uma neurocientista alemã me falou: “Circuitos inteligentes podem ser montados em qualquer cérebro. Não são exclusividade de animais com cérebros grandes e vários neurônios. Se a evolução exigir, esse circuito será montado, mesmo que com um número ínfimo de neurônios”.
Bichos sentem amor? Isto é, eles conseguem colocar a afeição pelo outro acima dos instintos de autopreservação?
Sim, animais sentem amor, especialmente pelos filhotes. Mas não é só. Em meu livro, eu falo de pesquisadores que registraram os laços fortes e emocionais que unem os pares de leopardos machos, que precisam se unir para proteger um território. Sem um “camarada”, um leopardo não consegue viver para se reproduzir, então os dois se tornam como irmãos. E, quando um deles morre, o outro frequentemente morre também – ou atacado por leopardos rivais, ou por doenças provenientes do estresse.
Os animais se preocupam com sua saúde do jeito que nós o fazemos, ou eles só comem e fazem o que dá mais prazer?
Existem consideráveis indícios de que chimpanzés se medicam quando estão doentes. Nossos cães e gatos comem grama para ajudar a digestão. Animais comem o que precisam para sobreviver, se reproduzir e alimentar os filhotes. Alguns animais até procuram algo especial para comer, como cupins – o que é muito parecido conosco quando buscamos uma iguaria.
Qual é o melhor jeito de “educar” meu cachorro?
Cães são animais de companhia, então queremos que eles se dêem bem com outras pessoas e animais. Para meus cães, descobri que o jeito mais fácil de ensinar essas habilidades sociais é deixá-los brincar com outros cachorros e conhecer pessoas em todas as situações imagináveis. Se você quer reforçar algum comportamento específico, ou treinar seu cachorro, treinamento com clicker ainda é um bom jeito (leia sobre o método na página XX).
Estimular a cognição do meu cachorro é possível?
O melhor jeito de fazer isso é passando um tempo com ele. Converse com ele, leve-o para longas caminhadas para estimular seus sentidos. Um pesquisador falou algo importante para mim um dia: “Cachorros não são lustres”. Eles têm uma mente própria que precisa ser desafiada e exercitada. Como nós.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2013)
Uma heresia que hoje, 16 anos depois, Virginia soterra na montanha de evidências reunidas em seu último livro, Animal Wise (sem edição em português), lançado em fevereiro. Nele, a autora visita os mais importantes laboratórios de cognição animal e revela que formigas tomam decisões, papagaios entendem conceitos como “igual” e “diferente” e macacos praticam medicina. Na entrevista a seguir, Virginia explica o que seu cachorro pensa quando tenta engolir o sofá inteiro na sua ausência e explica por que devemos, como ela, ser um pouco mais humildes quanto a nossa própria inteligência.