A evolução da tradição

Lá se vão mais de três mil anos desde que as primeiras canoas polinésias saíram para desbravar o oceano Pacífico. De lá para cá, muita coisa mudou na embarcação – que, no entanto, soube conservar com sabedoria características fundamentais para sua sobrevivência na água


Por Mariana Mesquita


> O VELHO


MATERIAL

Originalmente as canoas polinésias eram esculpidas em troncos de koa, uma árvore nativa das ilhas do Pacífico. Os kahunas, como são chamados os sacerdotes da tradição havaiana, escolhiam a árvore que seria derrubada, e o trabalho de construção era feito por toda a comunidade. Uma canoa tradicional de madeira chegava a pesar 200 quilos. No século 20, a fibra de vidro se transformou no material mais usado na confecção da embarcação.


ESTRUTURA

As canoas polinésias são compostas por três partes básicas: hau (casco principal), iacos (hastes de madeira) e ama (flutuador). Essas seções são amarradas por ‘ahas, que originalmente eram cordames extraídos da fibra do coco e, posteriormente, da fibra do algodão. Essa estrutura confere à canoa características essenciais de navegação marítima, como estabilidade e velocidade. Tanto nas canoas de koa como nas de fibra de vidro, as medidas tradicionais foram mantidas, a exemplo dos 13,6 metros de comprimento.


REMO

Os remos antigos eram confeccionados em madeira, com uma pá enorme se comparada aos atuais. No passado, o hoe, como esse equipamento é conhecido, não possuía a empunhadura (o “t” de apoio da mão superior). Já a pá também não contava com ângulo de entrada, posicionando-se de forma reta e acompanhando o desenho do cabo. Os remos tradicionais de madeira chegavam a pesar aproximadamente 1 quilo.


COMPETIÇÃO

Entre os primeiros povos que saíram com suas canoas pelo Pacífico, é sabido que havia rivalidades e competições altamente disputadas. Mas foi somente em 1936 que se começaram a organizar provas oficiais, no Havaí. Lá surgiriam competições míticas, como a Molokai Hoe, que há 61 anos acontece no mês de outubro e na qual todas as embarcações precisam seguir normas tradicionais de medidas e pesos para encarar uma travessia de aproximadamente 65 quilômetros pelo temido “canal dos ossos”, entre as ilhas de Molokai e Oahu.


> O NOVO


(Foto: Daniel Zappe)


MATERIAL

A partir dos anos 2000, a fibra de carbono passou a ser o material usado nas canoas contemporâneas, com aplicações de resina com base de poliéster ou epóxi na construção do deck, casco e cockpit. As partes de madeira, como o iaco e a ama, foram substituídas por componentes plásticos, para maior durabilidade frente à ação da água salgada e do sol. O material também deu mais leveza à canoa: o modelo Ha’upu V6, um dos mais recentes lançamentos da marca Kamanu Composites, pesa 90 quilos.


ESTRUTURA

Com o objetivo de aumentar o desempenho e a velocidade das canoas, os fabricantes estão apostando em uma proa em forma de “V”, que tem boa hidrodinâmica e corta o vento com mais facilidade. Tecnologias de materiais e construção permitem ainda que as novas canoas polinésias surfem em grandes ondulações em alto mar com rapidez e segurança, exigindo menos do remador. Hoje uma embarcação moderna tem 14 metros de comprimento.


REMO

Os remos contemporâneos são moldados em fibra de carbono e chegam a ser proibidos em algumas competições como a Molokai Hoe, no Havaí, por respeito à história da modalidade. Esses equipamentos, mesmo quando fabricados em madeira, tiveram uma grande evolução, principalmente na ergonomia e peso: os mais leves de carbono pesam 400 gramas. Há os remos de construção híbrida, com pá de carbono e cabo de madeira, permitidos em provas tradicionais.


COMPETIÇÃO

As provas de canoa polinésia espalharam-se pelo mundo, mas o Havaí continua sediando os principais eventos do esporte. Lá existem até competições mais “moderninhas”, como a Olamau Race, em que são aceitas embarcações com medidas e pesos diferentes das tradicionais. Agendado para junho de 2013, a Olamau permite que qualquer embarcação polinésia – de qualquer tamanho e feita de qualquer material – seja utilizada durante uma travessia de quatro dias, passando por quatro canais diferentes.


Para produzir esta reportagem, conversamos com André Cotrim, Fernando Bonfá, Hugo Sanchez, além do havaiano Luke Evslin.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2013)