Garra feminina

Documentário conta a história de cinco brasileiras apaixonadas pela escalada em rocha e que estão ajudando a expandir os limites do esporte entre as mulheres do país

Por Mariana Mesquita


MULHER DE ROCHA: A baiana Daniela Santos escalando
em Igatu, em seu estado natal (FOTO: Igatu escalada)

“TRABALHO PARA MANTER MEU VÍCIO.” Essa frase pode ter diferentes interpretações, mas vindo das protagonistas do documentário Elas na Pedra possui apenas um sentido: viver escalando por aí. O filme, que deve ser lançado até a metade de 2013, conta a história de cinco brasileiras de diferentes regiões do país que lutam diariamente para conciliar a rotina de uma vida “normal” com a paixão de treinar e estar na rocha desafiando os próprios limites.

A idealizadora do projeto é a escaladora Ana Lígia Fujiwara. Nascida em Piracicaba, no interior de São Paulo, ela tinha uma carreira frenética como engenheira agrônoma quando, às vésperas do nascimento de seu primeiro filho, percebeu a necessidade de desacelerar o ritmo e buscar mais qualidade de vida. Quis o destino que, naquele momento, Ana estreitasse seus laços com a escalada. “Eu sempre escalei. Mas, justo nesse período, comecei a sentir muita falta do esporte. Além disso, curiosamente, passei a escalar bem melhor após ter meu filho que antes da maternidade”, diz.

No mesmo ano, o marido de Ana, o também escalador Rafael Rodrigues, teve a ideia de criar uma revista digital para ajudar a divulgar a escalada no interior de São Paulo. Juntos eles lançaram a página EscaladaINT (escaladaint.com.br). Em 2011, pela primeira vez o casal começou a cogitar a possibilidade de produzir um documentário. Um dos fatores que afastaram a dupla do projeto por um período foi o desconhecimento: eles não tinham experiência e muito menos o equipamento necessário para produzir um filme de qualidade.


GIRL POWER: A mineira Macella Romannelli; acima, a paulista Ana Lígia Fujiwara,
idealizadora do documentário, na via Velha Virgem (8c), em Minas Gerais
(Foto: de cima para baixo, Marcella Romanelli e Felipe Belisário)

Desde então, Ana manteve-se ocupada com o trabalho, a manutenção do site, o filho e os treinos, porém sempre acalentando o sonho secreto de registrar as escaladoras brasileiras. “Só no ano passado, depois que investimos em uma câmera melhor, uma DSLR da marca Canon, decidimos desengavetar a ideia”, lembra. No começo, o projeto seria um álbum de fotos de meninas escalando pelo interior de São Paulo, mas aos poucos foi ganhando o formato de documentário. “Queríamos mostrar aos apaixonados pela modalidade as dificuldades e motivações das mulheres ao se dedicar a esse esporte”, diz Ana, que começou a escalar com um grupo de amigos quando tinha 20 anos.

Segundo ela, é cada vez mais comum ver homens dividindo vias de escalada com mulheres, que por sua vez estão se aperfeiçoando e tomando gosto pelo esporte. Em 2008, Ana visitou pela primeira vez a serra do Cipó, em Minas Gerais, e reparou em duas garotas chegando sozinhas. Elas equiparam uma via de nono grau de dificuldade técnica e escalaram-na de forma totalmente independente. “Aquela situação mudou minha vida. Percebi que não precisava ficar procurando uma via previamente equipada para escalar, nem pedir para fazerem isso por mim. A partir daquele momento, evoluí na escalada para poder equipar meus próprios projetos. Quem sabe, com esse filme, não conseguimos inspirar outras mulheres para que façam o mesmo?”, diz.


CONCENTRAÇÃO: A professora Diandra Pitella escalando em Calogi (ES)
(Foto: Naoki Arima)

PARA SE PREPARAR para a realização do documentário, Ana passou a assistir e rever os melhores filmes de esportes de aventura e, principalmente, os clássicos da escalada, como o The Fanatic Search 2 – A Girl Thing, do diretor Laurent Triay, que conta a evolução de algumas das melhores escaladoras do mundo, como Brooke Raboutou, garota de 9 anos de idade que coleciona inúmeros recordes, e a lenda norte-americana Lynn Hill, a primeira a ter escalado com sucesso a via The Nose, no El Capitan, localizado no parque californiano do Yosemite.

Aos poucos Elas na Pedra foi ganhando forma: decidiu-se que as protagonistas seriam mulheres escalando em diferentes regiões do país, cada uma com sua história e característica de atleta. “O mais difícil foi selecionar as regiões. Por final, decidimos que eu filmaria minha rotina de escaladora em São Paulo, e depois incluímos Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro. Além de serem lugares incríveis para se escalar, encontramos neles mulheres muito comprometidas com o esporte”, explica Ana.

Entre as personagens, estão a administradora baiana Daniela Santos, a professora mineira que vive no Espírito Santo Diandra Pittella, a analista de sistemas carioca Flavia dos Anjos e a arquiteta mineira Marcella Romanelli. Todas dedicam-se à escalada por prazer, e sempre que podem escapam para explorar a natureza e as rochas. “A escalada ocupa bastante meu tempo: se eu não estou escalando, estou conversando sobre o assunto ou sonhando com isso”, diz Marcella, que já conquistou mais de 40 vias em Minas Gerais.

Uma curiosidade do filme: todas as escaladoras foram responsáveis por suas próprias filmagens, a partir de diretrizes do casal de diretores, que ficou encarregado de toda a edição. Isso não apenas deixou a linguagem mais informal como minimizou, com criatividade, a logística e o custo de produção.

Um trailer com as primeiras imagens do documentário acaba de ser lançado, e a ideia é concluir o filme a tempo de participar de festivais como o Rocky Spirit, que acontece em São Paulo, e a Mostra Internacional de Filmes de Montanha, no Rio de Janeiro. “Independentemente disso, nosso objetivo é levar mais escalada para este mundão, por puro prazer e paixão pelo esporte”, vibra Ana.


* Para saber mais sobre o lançamento do filme e assistir ao de Elas na Pedra, acesse escaladaint.com.br

Matéria publicada originalmente na revista Go Outside nº 95 (abril/2013)







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