A descoberta de uma provável verdadeira nascente do maior rio da América do Sul gerou uma nova "corrida do ouro" no mundo da aventura para ver quem seria o primeiro a navegar toda sua extensão – com direito a desavenças e guerra de egos
Por Grayson Schaffer
A PRIMEIRA DESCIDA completa por toda a extensão do rio Amazonas, da nascente ao mar,foi realizada entre 1985 e 1986 pelo canoísta polonês PiotrChmielinski e pelo jornalista e canoísta norte-americano Joe Kane. Na época, a expedição foi festejada como uma das últimas grandes aventuras do planeta.Piotr e Joe foram dois entre apenas quatro pessoas que seguiram viagem após a expedição de 12 pessoas ter sido detida por rebeldes do peruano Sendero Luminoso, consumida por conflitos internos e, no final, abandonada por seu egoísta líder sul-africano, François Odendaal. O livro de Joe, lançado em 1989 e intituladoDescendo o Amazonas (editora Interação), virou best-seller. Mas agora parece que a façanha pode deixar de ser considerada a primeira descida completa do rio. Novas evidências, atualmente sob análise de uma respeitada revista científica, defendem que o afluente onde Piotr e Joe embarcaram, o Apurimac, não é a verdadeira nascente do Amazonas. É mais ou menos como dizer que Hillary e Tenzing[considerados os primeiros a chegar ao cume do Everest] escalaram a montanha errada. Também significa que a primeira descida do Amazonas pode, mais uma vez, estar em disputa. E, numa corrida que ainda é remanescente da era clássica das explorações, dois canoístas rivais estão batalhando pela linha de chegada. Parece inacreditável que a nascente do Amazonas tenha sido negligenciada por tanto tempo, mas o ponto onde nasce um rio é, de certa forma, uma distinção arbitrária, definida como o lugar de onde a água percorre a maior distância para chegar ao mar. Foi só no ano 2000 que uma equipe internacional de cientistas declarouque o derretimento das neves da montanha Nevado Mismi, de 5.597 metros, sobre o Apurimac, era definitivamente o ponto exato de início do Amazonas. Mas, pelo jeito, não é. No fim de 2011, o guia norte-americano de caiaque de águas brancas e ex-neurocientista James “Rocky” Contos, de 41 anos, estava planejando uma viagem pelo Peru usando o Google Earth, com a intenção de navegar os cinco principais rios que alimentam o Amazonas. Quando ele estava plotandoa extensão dos rios em seu GPS, chegou à conclusão que o Mantaro, a noroeste do Apurimac, era a real nascente. “Eu estava observando os mapas e descobri que o Mantaro é 80 quilômetros mais longo que o Apurimac”, dizJames. Ele pesquisou um pouco mais e descobriu que a maior parte do Mantaro nunca havia sido navegada. James imediatamente começou a trabalhar num artigo a respeito da sua descoberta, submetendo-o no outono de 2012 à publicação científica britânica Area, especializada em geografia, que deve decidir nos próximos meses se publica ou não o texto.James também reformulou seus planos, para descer o Mantaro e então continuar por mais de 6.400 quilômetros pelo rio Amazonas até o Atlântico – dessa forma, conquistaria o título da primeira descida antes mesmo que alguém soubesse que ela estava em jogo. O guia tinha a técnica e a coragem para realizar a façanha: ele havia realizado numerosas primeiras descidas no México e percorrido o rio Colorado pelo Grand Canyon duas vezes, sem permissão. Mas não tinha dinheiro para custear uma empreitada tão longa. James começou a procurar parceiros canoístas que pudessem compartilhar os custos de trechos da viagem. Em março, ele descobriuo site de uma expedição chamada Amazon Express. Seu criador era o assistente social e canoísta texano West Hansen, de 50 anos, especialista em longas travessiasem águas calmas. Ele estava organizando uma descida de dois meses da nascente ao mar do rio. James entrou em contato com Westpor e-mail, e os dois começaram a trocar informações. Inicialmente, James descreveu apenas seus primeiros planos de descer os afluentes do Amazonas, o que o transformou num companheiro em potencial para West, que estava buscando especialistas em águas brancas (como são chamadas as quedas d’água) para lhe ajudar a passar pelas corredeiras classe V do alto Apurimac. Westse negou a falar conosco para esta reportagem, dando como justificativa um acordo com a NationalGeographic, sua patrocinadora nesse projeto. Mas Jamesnos mostrou o que ele diz ser um relatório completo da troca de informações entre os dois. Num e-mail de 23 de março, Hansen lhe disse que poderia custeargrande parte da viagem em troca de “sua companhia e de seu equipamento”.
NÃO MUITO DEPOIS DISSO, James sentiu-se na obrigação de abrir o jogo em relação ao Mantaro, insistindo para que West mantivesse a novidade em segredo. West considerou a descoberta crível, mas não estava certo se gostaria de mudar seus planos. “Ao mesmo tempo que estou muito interessado em começar minha viagem a partirda verdadeira nascente do Amazonas”, escreveu a James em 2 de abril, “a diferença de 48 para 80 quilômetros entre a minha descida do Mantaro e a do Apurimac irá impactar meu feito apenas para um número muito restrito de pessoas.” West colocou James em contato com PiotrChmielinski. Aos 60 anos e trabalhando como consultor ambiental em Virginia (EUA), Piotrserviu como conselheiro de duas das três expedições que repetiram a rota que ele e Joe haviam percorrido nos anos 1980. Quando James explicou sua descoberta a respeito do Mantaro, Piotr concordou em reunir-se a ele para um reconhecimento de duas semanas do afluente, e conseguiu um patrocínio de US$7.500 da NationalGeographic para o projeto. No começo de maio, após completar o reconhecimento e após Piotr sair do Peru, James e seu xará, o canoísta americano James Duesenberry, passaram 23 dias realizando a primeira descida do Mantaro, até sua confluência com o Apurimac. James Contos imaginava que retornaria no final do verão para se encontrar com West na grande empreitada até o Atlântico. Se West mantivesse o plano original de começar no Apurimac, James teria só para si o título deo primeiro a realizar a descida completa do rio. Se West mudasse seus planos para descer pelo Mantaro, eles compartilhariam a glória. De qualquer uma das formas, James conseguiria cumprir aquilo que queria. Mas nenhum dos dois cenários se concretizou. Não está claro por que, mas a partir de maio as respostas de West aos e-mails de James começaram a demorar cada vez mais para chegar. James começou a se preocupar de estar sendo posto de lado, e de West estar, secretamente, de olho no Mantaro. Elepediu que West o incluísse em qualquer correspondência mencionando o Mantaro. No dia 26 de junho, West respondeu a uma mensagem de James. “Desculpe-me, mas eu estava sem condições financeiras”, escreveu. “Estou planejando descer o Mantaro.”James ainda estava convidado a se unir à expedição, mas West sugeria que, devido a mudanças na agenda – James estava comprometido a guiar uma outra viagem no Peru em meados de agosto –, ele talvez devesse se encontrar com a expedição mais abaixo, no rio Amazonas.Foi suficiente para aumentar as preocupações de James. Se ele não se juntasse a West, ou descobrisse uma maneira de fazer a descida completa do rio, West afirmaria que a conquista pertencia a ele. No dia 28 de julho, com a certeza de ter sido cortado da aventura, James escreveu a West que planejava usar embarcações comerciais a motor para acelerar a longa parte de águas calmas do Amazonas. “Você vai alcançar seus objetivos de descida mais rápida a remo do Amazonas”, escreveu. “Mas eu vou ficar com o título da primeira descida completa”. West nunca respondeu. Uma semana depois, James irritou-se, atacando West por e-mail, acusando-o de má fé. Logo depois, James começou a enviar longos desabafos a seus contatos na NationalGeographic. “Quero deixar claro que COMPLETAREI MINHA DESCIDA ANTES DO WEST, e assim vou ficar com o título de PRIMEIRA DESCIDA DO AMAZONAS.” Quando contatado para emitir comentários sobre o assunto, um porta-voz da revista confirmou que a organização estava bancando as duas expedições, e que a de West provavelmente teria uma reportagem na revista NationalGeographic. Quanto à grande descoberta de James, a revista iria aguardar a determinação da publicação científicaArea. No final de agosto, o porta-voz de West, David Kelly, enviou um e-mail sucinto a James, informando-o que ele estava oficialmente fora da equipe, citando o “teor e conteúdo dos sentimentos expressados com relação a West”. Jamesvê tudo isso de uma forma bem diferente. Ele me disse que Hansen “não queria outro líderna expedição. Ele queria ficar com todos os louros”. Piotr, que continuava como consultor dos dois durante todo aquele tempo, esperava servir como pacificador da treta, como fez com sua equipe em 1986. “Eu estava tentando fazer com que todos entrassem em alguma forma de cooperação. Rocky [James] é muito forte e obstinado – um cabeça-dura. Ele é um bom homem e tem boas intenções, mas às vezes cria conflitos dos quais se arrepende mais tarde.” Realmente, a carreira de James como neurocientista terminou em 2008 após acusar sua supervisora de pós-doutorado, Linda B. Buck, ganhadora do Prêmio Nobel de 2004, de fraudar dados para um estudo de mecânica do olfato. Linda retirou o trabalho em que os dados apareciam sem admitir culpa no caso, que saiu nos noticiários nacionais e levou à demissão de James. Em novembro, permanecendo com seu novo plano, agora revisado,Westfinalmente completou o Mantaro. Mas não fez menção do afluente em seu site daAmazon Express. Em vez disso, agiu como se houvesse partido na nascente conhecida, e criou uma página intitulada A Rota, em que se lia “então, começamos pelo Apurimac” (seu porta-voz negou-se a responder a perguntas a respeito da rota).
Enquanto isso, Jamesmanteve seu plano de descer a motor até o mar. Após terminar todos os trechos de águas brancas do baixo Apurimac em setembro, embarcou numa balsa e ultrapassou a equipe de West para chegar ao Atlântico no começo de novembro, assegurando a primeira descida completa do rio – isso se for confirmado que o Mantaroé a real nascente do Amazonas. Neste mês, ele planejava terminar o rascunho de um livro sobre a aventura, intituladoFirstDescentoftheAmazon [Primeira Descida do Amazonas]. Ironicamente, quando os dois homens entraram em contato pela primeira vez, West sabia muito bem das batalhas internas que quase destruíram a expedição de Piotr e Joe. “O mais importante que aprendi… foi como NÃO realizar uma expedição. Estou sendo extremamente cuidadoso na escolha dos meus companheiros.” Talvez esse cuidado seja necessário.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de janeiro de 2013)
DESBRAVADOR: James Duesenberry, parceiro do Rocky Contos, durante a descida da dupla
pelo rio Mantaro, no Peru, em maio de 2012; eles alegam que é ali que se localiza a nascente
do Amazonas
(Foto: Rocky Contos)
ENCRENQUEIRO?: James "Rocky Contos, que disputa com West Hansen o título de o
primeiro a percorrer toda a extensão do rio Amazonas
(Foto: Rocky Contos)