Sete pilotos de parapente se reúnem no sertão nordestino com um objetivo ambicioso: quebrar o maior número possível de recordes mundiais de voo livre
Por Elisa Eisenlohr
QUIXADÁ, CEARÁ, CINCO DA MANHÃ de uma segunda-feira de outubro: os pilotos já estão acordados antes de o sol nascer. O plano é tomar café, checar os últimos detalhes dos equipamentos e chegar à rampa de voo livre às seis, para decolar às seis e meia, se o vento permitir. Depois é só voar até o sol sumir novamente no horizonte, atravessando o Ceará, o Piauí e pousando no Maranhão. E o dia não termina aí: dependendo da distância percorrida, os pilotos terão que enfrentar a volta por terra, às vezes percorrendo de carro até 600 quilômetros em estradas sem asfalto. Essa foi a rotina de sete pilotos que se reuniram de 17 de outubro a 21 de novembro em um projeto de busca de recordes mundiais de distância em voo de parapente, com o apoio da marca brasileira de parapentes Sol Paragliders e da Volkswagen Amarok. O cenário da odisseia foi a cidade de Quixadá, no interior do Ceará. O local é bastante conhecido de voadores mundo afora: todos os anos, durante a temporada de bons ventos, Quixadá recebe uma horda de gente em busca de recordes mundiais e pessoais. Na temporada, que vai de setembro a novembro, o sertão está mais seco, logo após o inverno, e o sol já começa a castigar. O clima seco é propício para a formação das térmicas, que são o “motor” dos voos de distância em parapente. O sol aquece a terra, que por sua vez aquece o ar da superfície, formando bolhas de ar quente que têm a tendência de subir. Os voadores aproveitam essa corrente ascendente para pegar uma carona para cima e depois planar na direção que o vento empurra. Nessa região do Nordeste, o calor é tão forte que é possível decolar e se manter no ar assim que amanhece, enquanto em outras regiões o normal é decolar por volta de meio-dia, quando o solo já esquentou o suficiente para formar as térmicas. Outro fator que torna Quixadá especial nessa época do ano são os ventos alísios, que sopram velozmente empurrando os voadores na direção oeste, para o interior do país. Se as térmicas são o motor necessário para o voo de distância, o vento forte é o combustível aditivado para ir mais longe e mais rápido e, assim, quebrar os recordes. Quixadá se transforma, então, no Havaí do voo livre e recebe a visita de “surfistas” do mundo todo que vêm aproveitar o swell dos ares. Os voadores fazem expedições e passam dias a fio desbravando a região e praticando voo de cross-country, modalidade em que o piloto procura voar o mais longe possível. O RECORDE MAIS COBIÇADO PELA EXPEDIÇÃO Sol Amarok é o recorde de distância livre, que atualmente é de 502,9 quilômetros e foi estabelecido na África do Sul por Nevil Hullet em 2008. O plano para superar a marca do sul-africano era seguir a estratégia criada pelos brasileiros que quebraram o recorde mundial de distância em 2007, voando 462 quilômetros em grupo. Na ocasião, os três experientes pilotos (Rafael Saladini, Marcelo Prieto “Cecéu” e Frank Brown) usaram uma estratégia simples e genial para superar o recorde mundial, que na época era de 423 quilômetros: voaram o tempo todo juntos. “Eu queria quebrar o recorde mundial no Brasil, com equipamento nacional, e sabia que Quixadá seria o lugar perfeito para esse tipo de voo. Além disso, eu já havia percebido que, quando a gente formava ‘pelotões’, voando em grupo, o voo se tornava muito mais eficiente. Normalmente um pelotão voa mais rápido e consegue rastrear melhor as térmicas do que um piloto sozinho. Então juntamos alguns pilotos que tinham bastante afinidade entre si e começamos a fazer essas expedições no Nordeste em busca de recordes”, recorda Cecéu, o primeiro piloto do mundo a quebrar a barreira dos 400 quilômetros. As expedições em busca de recordes mundiais no Nordeste tiveram início em 2003 e alcançaram resultados excelentes. “Evoluimos muito durante estes anos. Até então ninguém acreditava que podíamos sair para o cross-country às seis e meia da manhã e voar térmicas. Isso é algo que a gente desenvolveu na prática. Foram anos indo para o sertão, avaliando as nuvens, olhando como fazem os urubus e chegando à conclusão que dava, sim, para fazer. Foi uma quebra de paradigma. Decolar cedo assim só é possível em poucos lugares do mundo”, diz Cecéu.
Todo esse aprendizado, aliado à estratégia de voo em grupo, gerou bons resultados na Sol Amarok deste ano. A expedição já conquistou quatro recordes mundiais: de distância passando por três pontos solo, com 288 quilômetros; duplo, com 216 quilômetros; e dois voos com “gol” declarado (no qual é preciso declarar antes o local por onde se vai passar), um com 420 quilômetros e outro com 423 quilômetros.
A ROTINA DA EXPEDIÇÃO não foi nada fácil: acordar antes de o sol nascer, decolar com vento forte na rampa e voar por até 11 horas a fio, em condições extremas que alternavam períodos de muito calor em baixa altitude e frio quando se subia alto em uma térmica. E com concentração máxima para evitar acidentes e para não errar colocando o sonho do recorde por água abaixo. Para participar de um feito como esse, é preciso não apenas bom preparo físico como ótima estrutura mental. “Eu me preparei durante vários meses. Para a parte aeróbica, joguei tênis duas vezes por semana e fiz mountain bike nos outros dias. Também fui à academia todo dia, com exercícios específicos para a lombar e para o abdômen”, conta Frank Brown, dez vezes campeão brasileiro de parapente e um dos integrantes da expedição. Voar por tantas horas é muito cansativo. Uma boa alimentação e hidratação são essenciais para manter o corpo ágil e a mente alerta quando se está metros e metros acima do solo. “Em um voo, eu bebo dois litros e meio de água. Coloco um pouquinho de energético na água. Também como barras de proteína e tomo géis de carboidrato”, diz Frank. Após o voo, os pilotos têm que percorrer todo o caminho de volta, que por terra se torna bem mais longo, muitas vezes passando por lugares onde nem estrada existe. É aí que está a importância da ajuda de um resgate experiente. “No dia do voo de 462 quilômetros, nosso resgate teve que cruzar o rio Parnaíba para pegar todo mundo lá no Maranhão”, lembra Caio Salles, diretor de produção e mídia da equipe. “É sempre um rally.” Voos acima de 400 quilômetros não são muito comuns. Antes da expedição Sol Amarok, apenas nove voos desse tipo haviam sido realizados no mundo. Só nesta temporada no Brasil, já foram realizados 15 deles. Ou seja, na história do voo livre 24 voos acima de 400 quilômetros foram feitos até o momento, sendo que apenas cinco aconteceram fora do Brasil. O país é mesmo o paraíso do voo livre, mas ainda não foi dessa vez que a equipe conseguiu ultrapassar a barreira dos 500 quilômetros. “Normalmente a gente bate os recordes em novembro, mas neste ano, quando novembro chegou, a condição já não estava boa. Tinha chegado a umidade, e o vento diminuiu no Piauí. Então não conseguimos quebrar o recorde mundial de distância livre, mas no ano que vem tem mais”, sonha Cecéu.
Asas do desejo
Conheça os parapentistas que participaram da expedição Sol Amarok
André Fleury > Instrutor de parapente de Brasília. Dizem os voadores que ele dá o curso mais “casca grossa” de voo do Brasil. Tem sete recordes mundiais de voo duplo de distância.
Claudia Otília > Ex-piloto de asa delta, voa de parapente há seis anos. Tem muita experiência em voos de distância no sertão, já que é dona de uma pousada para voadores em Santa Terezinha, no interior da Bahia, onde voa com os hóspedes fazendo o papel de guia.
Donizete “Bigode” Lemos > Atual vice-campeão brasileiro. É também campeão sul-brasileiro e três vezes campeão da Liga Nacional de Voos de Distância.
Frank Brown > Dez vezes campeão brasileiro de parapente. Fez parte da equipe que quebrou o recorde mundial em 2007 com o voo triplo de 462 quilômetros.
Hernan Pitocco > O único argentino da equipe está entre os melhores do mundo na modalidade acrobacia aérea. Faz parte do time Red Bull, foi três vezes campeão argentino e quebrou recentemente o recorde mundial com 286 infinity tumblings (manobra que consiste em dar um looping completo com o parapente).
Marcelo “Cecéu” Prieto > Foi o primeiro piloto do mundo a ultrapassar a barreira dos 400 quilômetros. Tem três recordes mundiais no currículo.
Samuel “Samuka” Nascimento > É piloto de parapente desde 2003. Em seu primeiro ano de competições, conquistou o título de campeão brasileiro em 2010.
Dioclécio “Dió” Rosendo > É coordenador-geral da expedição. Há 14 anos acompanhando pilotos pelo sertão brasileiro, é o resgate mais experiente do Brasil. É também um voador de alto nível e realiza voos de grandes distâncias. * Para saber mais, acesse o site da expedição Sol Amarok em xcnordeste.com.br. Assista ao filme Ciclos, sobre os três pilotos que quebraram o recorde mundial em 2007, em filmeciclos.com.br.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2012)
CÉU DE BRIGADEIRO: O piloto Marcelo "Cecéu" Pietro, que integra a expedição
ANDORINHAS: Os parapentistas da Sol Amarok
QUE BELEZA: A galera da expedição: acima., piloto da equipe dos céus do Nordeste