Durante dois anos, um jovem brasileiro cavalgará, sozinho, 16 mil quilômetros do Canadá até São Paulo
Por Camila Nunes
(Foto: Journey America) O BRASILEIRO FILIPE MASETTI LEITE, de 25 anos, nem se lembra quando andou a cavalo pela primeira vez. Mas sabe, com certeza, que foi antes mesmo de dar seus primeiros passos. Apaixonado por esses animais desde sempre, muito por influência do pai, foi com eles que escolheu fazer a maior aventura de sua vida. Saiu do Canadá, mais especificamente da cidade de Calgary, com dois cavalos, no dia 8 de julho deste ano. Está a caminho do Brasil, rumo à cidade de Espírito Santo do Pinhal (SP), onde pretende chegar somente em 2014, a tempo de ver a Copa do Mundo. Ao todo, serão 16 mil quilômetros, passando por 12 países e centenas de pequenas cidades. Há quatro meses na estrada, seu objetivo é transformar a épica viagem em documentário, batizado com o mesmo nome da expedição: Journey America. A ideia da Jornada América surgiu a partir de um sonho antigo – ligado, claro, a cavalos (aliás, até seu nome comprova isso: do grego philippos, Filipe significa “amigo dos cavalos”). Quando criança, ele costumava ouvir do pai a história do argentino AimeTschiffely, famoso aventureiro que em 1925 cavalgou da Argentina aos Estados Unidos durante dois anos e meio. O livro Tschiffely’s Ride, escrito pelo aventureiro, é uma das obras de cabeceira de Filipe. “Meu pai amava essa história e me contou várias vezes quando eu era criança. Virou meu sonho fazer uma viagem igual”, relembra. Durante o colegial, já vivendo no exterior, Filipe laçava animais em rodeios pelo Canadá. “No meu último ano de faculdade, comecei a pensar se seria possível uma viagem como aquela do Aimeem pleno século 21”, diz. O planejamento durou um ano, e a conversa com outros experientes cavaleiros revelou-se muito importante para decidir a partida. Por meio da LongRiders’Guild, uma associação que reúne exploradores a cavalo de todo o mundo e funciona como um grande banco de dados virtual sobre o assunto, Filipepode trocar experiências e se inspirar ainda mais. “Comecei a conversar com longriders [gente que faz longas cavalgadas] de vários países, principalmente com Stan Walchuk, do Canadá, BerniceEnde, dos Estados Unidos, BashaO’Reilly, da França, e o brasileiro Pedro Luis de Aguiar.” Com o canadense Stan, um dos mais importantes cavaleiros de sua nação, aprendeu que tipo de equipamentos levar, como amarrar os cavalos, como acampar e outras lições preciosas. Jason Thompson, seu antigo técnico de laço, com quem teve aulas durante o colegial, é um experiente ferrador e o ensinou a cuidar dos animais. Em sua longa e solitária jornada, Filipe é o único responsável pela troca dos cascos e outros cuidados em geral. Toda viagem está sendo documentada pelo próprio aventureiro e pode ser acompanhada pela internet (journeyamerica.net), assim como seu percurso, mapeadopor GPS. O material é enviado a uma produtora em Nashville (EUA), que edita e lança os vídeos em pequenos episódios semanais. Neles, podemos ver os preparativos, os percalços no meio do caminho, lindas paisagens e gente que ele encontra. E também o momento que Filipe considera o mais emocionante até agora: sua partida. “As pessoas têm medo de se lançaremem projetos nos quais acreditam. O que estou sentindo agora não tem descrição. Coração batendo forte, lágrimas de alegria e um pouco de medo por não saber o que vai acontecer. São muitas emoções, mas felicidade é a maior delas”, declarou para a câmeramomentos antes de partir com seus companheiros Frenchie e Bruiser. “Sempre sonhei com aquele momento, e estar ali com meus cavalos foi demais. O ano de planejamento foi difícil, com muitas portas fechadas na minha cara e pessoas me chamando de louco. Sair de Calgary mostrou para os pessimistas que tudo é possível quando você quer realizar um sonho”, nos disse ele quando estava nos Estados Unidos, atravessando o estado do Novo México.
A RELAÇÃO DE FILIPE COM A AVENTURAe com os cavalos vem de longa data. Com apenas 6 anos de idade, Filipe começou a correr de motocross. Aos 10, mudou-se com a família para o Canadá, onde mora até hoje. Oito anos depois, fez uma longa viagem pela América Central, saindo da Guatemala até o Panamá, de ônibus. Antes de terminar a faculdade de comunicação, produziu e filmou um documentário no Peru e outro no Quênia. “Amo a estrada e me sinto em casa viajando”, afirma. Segundo ele, percorrer as Américas ao lado de seus animais tem várias vantagens – uma delas, diz, é desfrutardo silêncio ao redor. “Você vê o mundo de uma maneira maravilhosa. No cavalo, estou a uma altura perfeita para observaros lugares por onde passo, viajando a apenas 4km/h. Não há nada igual.” Sem contar que, com os animais, muitas portas se abrem para o viajante, já que os bichos parecem sensibilizar os desconhecidos que aparecem pelo caminho. “O cavalo faz com que as pessoas que conheço abram suas vidas para mim. Elas querem me ajudar, me recebem em casa. Poucos meios de transporte proporcionam isso.” Numa grande jornada em que se passa a maior parte do tempo sozinho, esses encontros fazem a diferença e dão força para se seguir adiante. No estado norte-americano de Montana, por exemplo, Filipe ficou uma semana num rancho na cidade de Bozeman, o Cooper Spring Ranch, o mesmo em que seu cavalo Bruiser foi criado. Lá pode descansar, ver um rodeio local, além de estar perto de alguns importantes animais de alta performance dos Estados Unidos. Em outra passagem, depois de um mês e meio comendo bananas com pasta de amendoim (refeição típica de cowboys da América do Norte), Filipe parou em uma pequena cidade e aproveitou para ir ao drive thru de uma lanchonete, onde as atendentes ficaram um tanto impressionadas com o jovem que, em vez de carro,apareceu lá com dois cavalos. Um dos obstáculos mais difíceis até agora foi o verão norte-americano, que Felipe encarou cerca de um mês após a partida. Neste ano, o país enfrentou a maior seca do último século, e muitos produtores e fazendeiros perderam toda sua produção agrícola. Cavalgando sozinhopelo deserto, Filipe sentiu-se, pela primeira vez, preocupado com o bem estar de seus cavalos. Era difícil encontrar água pelo caminho, e os córregos que cruzava estavam sempre secos. “Achar água para os cavalos se tornou um grande problema.” Em uma noite no sul do estado de Wyoming,ele teve que dar óleo para os animais, uma técnica para prevenir cólica causada pela sede. “Eu estavaem cima de uma montanha sem ninguém por perto e sem sinal no celular, com todos os riachos secos. Foi o pior dia da viagem. Meus cavalos são tudo para mim, meus melhores amigos”, conta. Por causa disso, sua namorada teve que ir a seu encontro em um carro carregado de água. Ela continuará a viagem com Filipe até o sul do Texas.
Em compensação, pouco depois desse perrengue, o cowboy passou por um dos momentos mais importantes de sua saga. Depois de 48 dias, chegou à cidade de Craig, no Colorado, completando mil milhas (cerca de 1.609 quilômetros) de percurso.Essa marca é histórica e o fez entrar para o círculo de pessoas consideradas grandes exploradores pelo LongRiders’ Guild. Nessa lista, estão nada menos que Marco Polo e Charles Darwin. Quando completou a marca, só então Filipe colocou sobre a bagagem a bandeira da associação. “Essa conquista pertence a um monte de gente extraordinária que teve coragem de seguir rumo ao desconhecido”, vibra. Até o fechamento desta Filipe já havia percorrido mais algumas centenasde quilômetros, mas a jornada está apenas no começo. Mesmo ainda na estrada, ele começa a pensar em futuras aventuras. “Já tenho algumas ideias, nada definido. Quero morar um tempo na Espanha e, de lá, conhecer o resto do mundo.” Seja a pé ou a cavalo, Filipe promete não parar nunca.
* Para acompanhar o viajante, veja seu Twitter (@filipemasetti), Instagram (filipemasetti) e Facebook (JourneyAmerica).
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2012)
EM BUSCA DO SONHO: O brasileiro Filipe com Freenchie, durante uma expedição de milhares
de quilômetros pelas Américas
LONG RIDER: Cenas da expedição de Filipe, que no
momento atravessa os EUA
AIOU, SILVER: Filipe posa com os três amigos; acima, ele passa pela fronteira
(Foto: Journey America)