O barquinho vai

O remo oceânico, que já foi apenas uma modalidade menos conhecida da aventura, está em ascensão graças a novas tecnologias que facilitaram a quebra dos antigos recordes – e tornaram resgates em situações de risco inevitáveis


Por Kate Siber


NA REMADA: A partir da esq., Pat Fleming, Adam Kreek, Greg Spooner e o capitão Jordan
Hanssen, da equipe norte-americana OAR Northwest


DURANTE SUA VIAGEM ANTERIOR pelo oceano Atlântico em 2006, a OAR Northwest, uma equipe norte-americana composta por quatro ex-remadores universitários, deparou-se com ondulações de 10 metros, ficou cara a cara com tubarões e por pouco não bateu em um navio cargueiro. Mas o desafio mais duro que os membros da equipe encararam veio duas semanas depois do início da viagem de 5.150 quilômetros, quando perceberam o quanto subestimaram a quantidade de comida que precisariam levar. Por conta desse erro, o grupo teve que se submeter a um racionamento nos 56 dias seguintes, no qual perderam um total de 67 quilos, e ainda assim se tornaram a primeira equipe a ir remando dos Estados Unidos à Inglaterra. “Chega o 16º dia e nos dizem que não temos comida suficiente”, lembra o capitão de 30 anos da OAR, Jordan Hanssen. “Me ocorreu na hora que a coisa mais perigosa que a gente tinha trazido à bordo era a gente mesmo”.

Em dezembro, a OAR Northwest vai lançar-se no Atlântico com um objetivo diferente em mente: fazer a primeira viagem sem apoio em barco a remo da África à América do Norte (mais precisamente, de Dakar a Miami), uma travessia 1.000 milhas náuticas mais longa que a rota de remada atlântica normal, que vai das Ilhas Canárias ao Caribe. Dessa vez vão levar comida suficiente, e há uma boa chance de que até março a equipe conquiste outro recorde mundial.

O até então restrito esporte do remo oceânico está florescendo. Mais de 450 equipes partiram para cruzar os mares do mundo desde 1997, quase nove vezes mais que no resto do século 20. A atração de ser o primeiro a fazer alguma coisa ou conquistar recordes de velocidade é uma das razões para isso. Nos últimos dois anos, a britânica Roz Savage, de 45 anos, se tornou a primeira mulher a completar uma viagem a remo solo por três oceanos, e Leven Brown, também britânico, liderou uma equipe de quatro que quebrou o recorde de velocidade para a travessia do Atlântico Norte. Neste ano uma equipe norte-americana realizou a primeira travessia a remo sem paradas pelo Oceano Ártico.

Essa corrida toda está acontecendo em parte porque melhorias nas tecnologias de comunicação e de construção de barcos permitem que os remadores modernos evitem os perigos que pioneiros como John Fairfax –primeiro homem a cruzar o Atlântico sozinho em 1969 em um barco a remo de madeira – precisaram encarar. Hoje em dia o esporte está aberto para qualquer um com boa forma física e disposição para sofrer.

“Agora é mais fácil”, afirma Chris Martin, co-fundador da Associação de Remadores Oceânicos e membro da primeira equipe a atravessar remando o Pacífico Norte, do Japão a São Francisco, em 2009. “Temos os telefones por satélite, os dessalinizadores de água, a comida desidratada. Eu cheguei a encomendar um buquê de flores para minha noiva do meio do oceano”.

Esse surto de interesse também atraiu a atenção de operadoras de turismo. Recentemente, aventureiros empreendedores organizaram viagens em catamarãs no esquema “pague para remar” que permitem que amadores se inscrevam em barcos capitaneados por cerca de US$ 10 mil por viagem. Uma dessas empresas, a Roc Expeditions, tem programadas travessias do Pacífico e do Caribe. Os candidatos não precisam de experiência marítima – só precisam “estar em forma e saber trabalhar em equipe”, nas palavras do capitão David Davlianidze.


É CLARO QUE QUANTO MAIS PESSOAS se lançam na imensidão azul, maior o risco de um acidente ocorrer – e, portanto, maior a necessidade de resgates. A maioria dos barcos a remo volta à posição normal por conta própria quando soçobram (viram de cabeça pra baixo), mas uma escotilha mal fechada pode resultar em um pedido de socorro. Quando isso acontece, a lei do mar diz que o barco mais próximo deve responder, mas resgates podem sair muito caro para essas embarcações próximas ou, caso a Guarda Costeira tenha que ser acionada, para os contribuintes. Segundo a Sociedade Internacional de Remo Oceânico (ORSI), responsável por reconhecer os recordes do esporte, cerca de um terço das viagens acaba com uma carona. Isso inclui aventureiros experientes como Sarah Outen e Charlie Martell, ambos resgatados pela Guarda Costeira japonesa este ano depois de se depararem com ondas de quase 20 metros.

“Muita gente decide que está em uma situação de perigo e aciona o EPIRB (“emergency position-indicating radio beacon – sinal de rádio indicador de posição de emergência), que por sua vez aciona o resgate e custa muito para alguém. Está havendo um sério debate sobre se tanta gente deveria estar fazendo essas travessias”, diz Kenneth Crutchlow, diretor executivo da ORSI. “Não queremos encorajar remadores inexperientes a acharem que podem se levantar do sofá e já saírem cruzando o oceano”, explica Paul Newman, especialista em segurança de barcos recreativos do 11° Distrito da Guarda Costeira dos EUA. “Mas o oceano é um ótimo nivelador das coisas. Você não vai muito longe se não estiver bem preparado”.

De sua parte, a OAR tomou algumas precauções. Jordan Hanssen deu um upgrade na sua equipe, incluindo três novos membros: Adam Kreek, 32, um medalhista de ouro da Olimpíada de 2008; Pat Fleming, 29, um ex-remador universitário; e Markus Pukonen, 30, um veterano atleta de endurance. O barco de 30 pés feito sob encomenda com fibra de vidro e kevlar foi batizado de James Robert Hanssen (veja o quadro “Como remar seu barco”), e está equipado com um inédito sistema de comunicação por satélite que pode transmitir imagens de vídeo ao vivo. A equipe também contratou um médico de emergência, um especialista em navegação e um meteorologista, que ficarão de sobreaviso durante a expedição. Nada é certo quando se está remando por ondas de dez metros e morando em um barco do tamanho de um quartinho por três meses, mas a equipe está otimista.

“Andar de bike em Seattle é provavelmente mais perigoso”, compara Pat Fleming. “”Não estou dizendo que somos invencíveis. Mas não consigo ver nada de muito perigoso nisso tudo”.


(Ilustração: James Provost)


>> Como remar seu barco

Por dentro dos 30 pés do James Robert Hanssen, o barco a remo de última geração da OAR Northwest


A CIÊNCIA

A OAR ajudará cientistas pesquisando mudanças climáticas ao usar dois coletores de dados durante a viagem para medir o pH, a temperatura, a salinidade e o volume de gás carbônico e oxigênio diluído na água.


O TRATAMENTO DO ESGOTO

O sistema de esgoto é bem simples: um balde. “Você se senta nele e pronto”, explica o ex-remador e coordenador em terra Greg Spooner. “Mas vou ser honesto: da primeira vez é meio constrangedor”.


A HIDRATAÇÃO

Um sistema de dessalinização puxa a água do mar por meio de osmose reversa, produzindo mais de 20 litros de água potável por hora.


A ENERGIA

Uma turbina eólica de 160 watts na popa e uma tela de energia solar de 530 watts na proa geram energia suficiente para manter o sistema de baterias carregado.


OS APOSENTOS

O barco tem uma cabine de popa de 2,10m por 1,50m para dormir – normalmente dois remadores de cada vez, ou quatro durante tempestades – e uma cabine na proa para guardar os equipamentos. O deque de 2,0 x 4,60 m onde sentam os remadores fica exposto aos elementos.


A PROPULSÃO

Em vez dos frágeis remos de fibra de carbono preferidos pelos competidores de águas calmas, a equipe usa remos de madeira de 3,60m que eles mesmos projetaram, com uma cobertura de fibra de carbono para aumentar a rigidez.


A COMUNICAÇÃO

A equipe pode transmitir imagens de vídeo ao vivo – algo inédito para um barco a remo oceânico – graças à conexão via satélite e às câmeras embutidas.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2012)