Carta de despedida


HOMO CAVERNISTIKUS: Às vezes Carlos se definia assim (FOTO: Acervo pessoal)

Ontem (dia 17/12) morreu Carlos Zaith, espeleólogo, fotógrafo, artista e um dos pioneiros do canionismo no Brasil.

Carlos tinha 53 anos, e estava internado no Hospital das Clínicas para tratar um câncer recém-descoberto. Ele ficou conhecido por ser um dos primeiros exploradores de cânions do Brasil, ainda na década de 1980. Antes, porém, já mapeava e fotografa cavernas com muita noção e propriedade.

Sentido ao saber da morte de Carlos, o amigo Zé Pupo, atleta, empresário e um dos maiores incentivadores da corrida de aventura do Brasil – ele foi técnico da seleção olímpica de canoagem na Olimpíada de Barcelona, em 1992 –, escreveu uma carta emocionante de despedida. Nela, Zé fala sobre como conheceu Carlos e descreve um pouco a personalidade e o caráter do amigo. No fim, ainda, comenta o encontro que teve com ele em seus momentos finais de vida. Leia a seguir:


Carlos Zaith * 27/1/1959 + 17/12/2012

Carlinhos,

A minha já meio afetada cabeça pode me trair, mas senão me engano, faz mais de 20 anos desde o dia que te conheci na Serra dos Órgãos, quando iniciamos a nossa amizade e parceria. Lembro que a sua paixão pelas cordas e cachoeiras e a sua forma didática e apaixonada de explicar as coisas logo me cativaram. Depois vieram as suas fotos. Não tinha como não me apaixonar pelo seu SER, e torná-lo uma referência para meu caminho.

Também logo de cara me chamou a atenção a sua coragem em falar o que pensa, sem demagogia ou traições com os seus princípios.

Tivemos o privilégio de conhecermo-nos ainda no momento de juventude, onde ainda tínhamos cabelos e planos de dividir o amor e o respeito com a natureza e nossos esportes de aventura com os outros. Os cabelos se foram, mas o restante permaneceu, graças a Deus.

Estivemos juntos em momentos marcantes, entre eles o mais difícil da minha vida, quando quase desisti da Canoar. E você estava lá, ao meu lado, me dando todo o apoio para seguir em frente. Isto foi em janeiro de 1995, há quase 20 anos atrás.

Suas imagens ilustraram as primeiras publicações da Canoar, registrando o início de um lindo e árduo caminho, que nós da família Canoar trilhamos até hoje.

Após anos juntos, você foi para Brotas e decidiu deixar as fotos de lado, e acabamos nos desconectando do lado profissional, mas nunca do lado espiritual. Continuamos com aquele respeito e admiração mútuos.

Quis o destino, que já te reservava outras missões mais nobres no plano espiritual, que agente pudesse se reencontrar este ano, e juntos compartilhamos novamente desejos e projetos. Você foi ao Sítio Canoar, pôde sentir aquela energia novamente, e nos presenteou com mais imagens, com aquele seu olhar todo especial das coisas.


SEMPRE EXPLORANDO: Carlos (à esq.) no Petar com os amigos, em julho deste ano (FOTO: Acervo pessoal)

Neste reencontro, como sempre acontece com os queridos amigos que guardo no coração e o mundo acaba impondo distância, pudemos comprovar o amor e o respeito mútuo, pois parecia que agente nunca havia se afastado.

Semana passada, você me deu mais uma lição de humildade, dignidade e amor. Foi muito duro te encontrar ali no HC, com aquele pijama de hospital e caçando um lugar para agente ter uma privacidade e poder conversar, já que você estava em quarto coletivo. Assim que a gente sentou pra falar, suas palavras foram tirando o sentimento triste de te ver ali, doente, e um tanto quanto só. Logo aquela compaixão que estava sentindo, transformou-se em orgulho! Não escutei nenhuma reclamação, apenas palavras doces, corajosas, sábias e humildes, que transformaram o meu sentimento, e saí de lá feliz em poder considerar um cara como você meu amigo, e ainda poder continuar aprendendo contigo.

Ontem o Clemar me ligou dizendo do agravamento da situação de sua saúde, e me preparando o que estava na eminência de acontecer. E hoje ia saindo para o hospital te ver, tentando encontrar as palavras certas para dividir contigo. Estava dura a angústia…

Liguei para o Italiano (Massimo) para dividir a minha dor, e em seguida ele me retornou falando da notícia que já corria pelo Facebook. E você acabou me poupando deste momento, que seria sem dúvida, muito difícil.

Hoje sou uma pessoa muito mais espiritualizada, e posso entender o quanto esta nossa passagem pela terra é pequena perto do nosso processo de evolução. Chegou o seu momento de cumprir uma nova etapa em sua trajetória e a nós cabe a felicidade de ter feito parte da sua vida, e de tudo que pudemos aprender com você, querido VÉIO!

Seus ensinamentos vão perdurar para sempre no coração daqueles que tiverem, como eu, o privilégio de serem os seus aprendizes. O Canionismo brasileiro não tem mais fisicamente a presença do seu mentor. Mas tem agora uma lenda, chamada Carlos Zaith. Um cara que sem nenhum recurso financeiro tornou-se um pioneiro e um estudioso de um dos mais lindos esportes de aventura da terra.

Carlinhos, segue em paz amigo. Desligue-se de tudo que deixou aqui para poder seguir seu caminho rumo à evolução no plano espiritual. Que todos nós, seus amigos, parentes, alunos e admiradores possamos nos contentar em ficar contigo em nossos corações, com os seus ensinamentos em nossas mentes, e tenhamos a lucidez para te deixar partir sem apego. Que possamos sentir a sua presença com o soprar do vento pelos cânions, sem, no entanto, te querer de volta. Respeitando a sua evolução. Que possamos nos momentos difíceis e nas enrascadas que nós aventureiros sempre nos metemos, lembrar-nos das suas lições de humildade e segurança, e o respeito que você sempre teve pela natureza.

Agora o Canion da Cassorova [em Brotas, SP] mudou de nome, chama-se Canion do Carlos Zaith! (Zé Pupo)