Socorro a jato

Roupas de mergulho que se inflam em situações perigosas estão ajudando os surfistas de ondas grandes a se lançar em riscos cada vez maiores – e a tomar vacas ainda mais cabeludas


POR MIL VACAS: O surfista brasileiro Ricardo dos Santos, o Ricardinho, toma um caldo histórico no Taiti, em agosto passado


Por Chris Dixon

NO DIA 5 DE JANEIRO DESTE ANO, o surfista brasileiro Danilo Couto, craque em pegar ondas enormes, chegou a Mavericks, o mítico pico californiano dos big riders, e encontrou um cenário de caos. Ventos de uns 30 km/h ajudavam a criar ondas de mais de dez metros de altura, e um helicóptero circulava sobre a água registrando cenas para Tudo por um Sonho (Chasing Mavericks, no título original), o mais recente filme de surf hollywoodiano. Barcos e jet-skis com câmeras se espalhavam como um enxame de abelhas perto das ondas, enquanto um coordenador de dublês tentava controlar um line-up cheio de surfistas profissionais de elite como Greg Long, Peter Mel and Shawn Dollar.

Era a primeira vez que Danilo, de 37 anos, surfava em Mavericks em quase um ano. Sua visita anterior, em março de 2011, não acabara bem. O amigo Sion Milosky, então com 35 anos, acabou engolido por uma onda gigante e afundou nas águas. Quando finalmente voltou à superfície, um jet-ski o levou correndo à praia, onde tentaram ressuscitá-lo, sem sucesso. Danilo assistiu a tudo de perto.

Ainda assim, em janeiro, Danilo sentia-se confiante, pois desta vez carregava consigo uma arma secreta – uma roupa de mergulho inflável inventada pelo surfista Shane Dorian. O wetsuit Billabong V1, ou Vertical Ascent 1, permite que o surfista arrastado para o fundo do oceano puxe uma cordinha instalada no ombro para inflar a vestimenta por meio de um reservatório de CO2. Isso cria uma espécie de bolsa de ar capaz de içar a vítima de volta à superfície como um torpedo.

Quando uma onda das grandes se formou na ponta oeste da Mavericks, Danilo remou como um louco. Só que, depois que ficou de pé em sua prancha, bateu em alguma coisa. A onda empurrou-o para dez metros abaixo da superfície, arrancando o ar de seus pulmões. O big rider tentou puxar a cordinha, mas não conseguiu encontrá-la. Uma segunda onda o empurrou ainda mais para o fundo. Finalmente, Danilo achou a corda e puxou-a com tanta força que ela arrebentou. “Mas o troço funcionou”, conta. “É difícil dizer o que aconteceria comigo se ela não tivesse funcionado.”

Enquanto Hollywood dá o melhor de si para vender o surf de ondas grandes para as massas, as novas tecnologias estão permitindo que surfistas encarem morras cada vez maiores. Além da V1, pelo menos duas outras roupas infláveis chegarão ao mercado em breve. E alguns surfistas já começaram a levar para a água reservatórios de ar de emergência.

Por um lado, isso é bom: os surfistas estão ganhando sua própria versão do air bag ABS e do Avalung, dois equipamentos de segurança que revolucionaram o esqui em áreas de neve remotas. Mas há quem se preocupe com a possibilidade de esses aparelhos causarem uma falsa sensação de segurança, principalmente em aspirantes a heróis de ondas grandes inspirados pelo filme Tudo por um Sonho – produção prevista para ser lançada no Brasil em 02 de novembro e vagamente baseada na curta vida de Jay Moriarity, um fenômeno norte-americano que morreu em um acidente de mergulho em 2001.

“Quando surfávamos nos recifes mais afastados do Havaí, a gente estacionava o carro perto da praia e ia remando até as ondas por uma meia hora. Não tinha saída de emergência”, lembra Danilo Couto. “A nova geração de surfistas não pode se empolgar e dizer: ‘Eu não preciso estar tão preparado, só preciso puxar uma cordinha’”, alerta. Jeff Clark, um dos pioneiros do surf em Mavericks nas décadas de 1970 e 1980, concorda: “Uma pessoa que se prepara mediocremente para pegar ondas de 15 metros não se sairá bem só porque está com uma roupa inflável ou conta com ar de emergência”, acrescenta. Jeff está projetando sua própria roupa equipada com CO2.


Onda high-tech

As quatro tecnologias que estão transformando a segurança no surf


Billabong V1 Wetsuit

Concebida pelo surfista Shane Dorian, a V1 é uma roupa de neoprene padrão equipada com uma bolsa de ar inflável nas costas, ativada ao se puxar uma cordinha presa no ombro. Atualmente disponível somente para surfistas profissionais.

PREÇO: Cerca de US$ 800; billabong.com


Oceanic Safety Systems SRV

Diferentemente do V1, este colete inflável foi criado para trazer surfistas inconscientes para a superfície. Antes de sair para pegar as ondas, o usuário programa um computador, instalado nas costas, para inflar uma bolsa de ar se afundar até uma determinada profundidade ou ficar submerso por um tempo específico. Disponível a partir de janeiro.

PREÇO: US$1.100; oceanicss.com


Spare Air Extreme Sport

Similar a um equipamento de mergulho, o Extreme Sport é um colete que vem com um recipiente recarregável de ar comprimido e um regulador miniatura. Usado no peito, permite aos surfistas submersos respirarem 15 vezes abaixo da superfície.

PREÇO: US$ 300; spareairxtreme.com


Emergency Integrated Life Saving Lanyard

Espécie de lancha elétrica, a EMILY pode ser pilotada por controle remoto para salvar um nadador em perigo (velocidade máxima de 40 km/h), que se prende a ela por meio de uma corda.

PREÇO: US$ 10 mil; emilyrobot.com


OS PRIMEIROS SURFISTAS DE ONDAS GRANDES, como o lendário Greg Noll, contavam somente com a força de seus braços e pernas para se safar em caso de perigo. Foi só por volta de 1970 que Pat O’Neill – filho do inventor da roupa de neoprene, Jack O’Neill – lançou o primeiro leash para prancha, que não passava de uma corda tosca presa ao pulso ou tornozelo. Nos anos 1990, surfistas como Laird Hamilton começaram a equipar jet-skis com pranchas de resgate para tirar surfistas feridos das águas turbulentas. Coletes salva-vidas específicos para a modalidade vieram logo em seguida: Sion Milosky estava usando um quando se afogou em 2011, sob o olhar do amigo Danilo Couto.

Apesar das preocupações com a proliferação de surfistas despreparados, a nova tecnologia de segurança é particularmente necessária em Mavericks, onde desde 2008 o departamento local de monitoramento do mar e da atmosfera permite a entrada de jet-skis de resgates apenas nos dias mais agitados (um foi usado para resgatar o ator Gerard Butler, astro do Tudo por um Sonho, quando ele tomou um caldo durante as filmagens). Shane Dorian projetou o V1 para uso pessoal, depois de levar uma vaca quase fatal em 2010. Mas desde que a roupa passou a ser vendida para um grupo seleto de profissionais no final de 2011, ela gerou um enorme interesse. No ano passado, durante um dia agitado em Jaws, na ilha havaiana de Maui, mais de metade dos 40 surfistas presentes estava usando o equipamento de US$ 800.

Embora o V1 tenha atraído a atenção da maior parte dos surfistas, é um produto concorrente que pode mudar as regras do jogo para valer. Na última década, o californiano Terry Mass, um cirurgião-dentista aposentado e mergulhador consagrado, vem trabalhando em um colete inflável ativado eletronicamente chamado SRV, que funciona como um “sistema de resgate inconsciente”, como explica seu inventor. Enquanto o V1 precisa ser ativado pelo surfista por meio de uma cordinha, o SRV pode puxar de volta à superfície até mesmo um surfista desmaiado. O usuário programa o computador para acionar o resgate a uma determinada profundidade ou depois de um tempo específico sob a superfície – por exemplo, 10 metros ou 60 segundos.

Muito brevemente, o line-up em Mavericks poderá ser composto inteiramente de surfistas com roupas e coletes infláveis com garrafas de oxigênio presas no corpo. “Eu me sinto meio idiota com todas essas coisas penduradas em mim”, comenta Shawn Dollar. “Mas o que vai acontecer quando Mavericks estiver com ondas de 25 metros e as pessoas tentarem encará-las? E nós vamos fazer isso. Seres humanos não podem tomar uma vaca em uma onda assim e sobreviver.”


Marolas cinematográficas

O autor do livro The Encyclopedia of Surfing explica por que Hollywood só sabe produzir filmes fracos de surf


CAÇADOR DE EMOÇÃO: Gerard Butler em cena de Tudo por um Sonho


Por Matt Warshaw*


Tudo por um Sonho, o drama de surf lançado neste mês pela 20th Century Fox inspirado na história de um big rider gente fina chamado Jay Moriarity, chegará aos cinemas sem nem uma marolinha de repercussão, e sairá de cartaz algumas semanas depois deixando só prejuízo ao estúdio. Essa é a previsão de um surfista velho de guerra como eu.

Hollywood não sabe fazer filmes de surf. Tenta isso há uns 50 anos, desde produções como Maldosamente Ingênua (Gidget), de 1959. A maior indústria cinematográfica do mundo sempre erra a mão quando investe nesse tema. Abusa demais do dramalhão. E só investe em personagens sem graça. Adora cenas de ação caríssimas (que, preciso admitir, ficam bem na telona), mas quase sempre acompanhadas de roteiros sem pé nem cabeça. Mar Raivoso (Ride the Wild Surf, de 1964), Os Três Amigos (Big Wednesday, de 1978), A Onda dos Sonhos (Blue Crush, de 2002), Coragem de Viver (Soul Surfer, de 2011) – todos são, na melhor das hipóteses, uma pálida imitação da vida real no surf.

O problema é que o surf não tem muito apelo para o cinema. Você vai lá e surfa – até obsessivamente – e, em termos de trama, de história, é só isso. Pegou uma onda gigante? Ganhou uma competição importante? Ótimo. Mas uma semana depois você está de volta ao mar, com todo mundo, tentando pegar as mesmas ondas. E na semana seguinte também, e na seguinte, no ano seguinte, para sempre. Esse esporte tem seus momentos românticos e empolgantes, mas no geral é bem básico e simples. Fica difícil ter uma ideia genial para um filme só com isso.

Tudo por um Sonho não vai mudar a trajetória de Hollywood nesse sentido. Nem precisei assistir o trailer do filme para saber, só precisei ouvi-lo. O riff de guitarra ao estilo Top Gun… É o velho som da 20th Century Fox tentando me convencer a assistir mais um filminho bobo para adolescentes.

Lembra de Tá Dando Onda (Surf’s Up, de 2007)? Trata-se de um desenho animado com pinguins surfistas, lembra? Sem brincadeira, esse foi o único filme em que Hollywood acertou na mosca. Não leve o esporte tão a sério. Em outras palavras, mais pinguins, menos drama.


* Matt Warshaw é o autor de The Encyclopedia of Surfing.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2012)