Xi, sujou!

Fazer testes antidoping em atletas amadores é justo? Saiba por que muita gente que organiza provas nos Estados Unidos acha que sim


Por Ian Dillie


FESTA DA UVA: Nos EUA, 18 entre cada 20 ciclistas testados positivamente para doping
são amadores


A NORTE-AMERICANA ELIZABETH MORSE HILL é engenheira civil e ciclista nas horas vagas. Ela competiu em centenas de provas amadoras e semiprofissionais nos últimos 14 anos. Durante todo esse tempo, nunca fez um só exame antidoping – afinal, a moça pedala por diversão. Mas, depois de terminar em terceiro lugar numa competição chamada Twilight Criterium, na Flórida, Elizabeth foi abordada por um supervisor da Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA). Ele disse que a atleta precisava fazer um exame para checar se havia ingerido substâncias banidas pela organização.

“Você deve estar de brincadeira”, disse Elizabeth ao tal homem. Só que não se tratava de nenhuma piada. O que estava acontecendo ali era o resultado de um grande esforço para supervisionar todas as competições da Associação de Ciclismo de Estrada da Flórida ocorridas em 2012. A USA Cycling, que cuida das provas de ciclismo dos Estados Unidos, e a Clean Ride, uma organização criada na Flórida em janeiro deste ano “para assegurar que todos os competidores pedalem sem a ajuda de drogas que potencializam a performance”, pagaram para a USADA conduzir testes em inúmeros eventos, incluindo a Tampa Twilight. Sendo membro da USA Cycling, Elizabeth estava sujeita às mesmas regras que os atletas profissionais.

Como muitos amadores, Elizabeth sabia pouco sobre o que constituía de fato uma substância banida. Será que seu complexo multivitamínico da marca GNC, seu suplemento de cálcio ou até mesmo suas pílulas anticoncepcionais poderiam lhe render dois anos de suspensão? “Eu poderia ter usado um remédio para nariz entupido que contém substâncias consideradas ilegais sem ter a mínima noção disso”, diz ela.

Ao longo dos últimos anos, a USADA tem feito cada vez mais testes em atletas amadores – e gerado muita polêmica. Desde setembro de 2010, 18 entre 20 ciclistas de estrada que entraram na lista da organização por violações às regras antidoping eram amadores quando seus testes deram positivo. E não é algo que ocorre apenas no ciclismo. O circuito de atletismo adotou as medidas mais restritivas da USADA para o Campeonato Nacional Máster de 2011 depois que, no ano anterior, o teste do campeão da categoria de 52 anos deu positivo para testosterona. A organização USA Triathlon começou a fazer exames antidoping também nas categorias por faixa etária (ou seja, fora da elite) nas provas do campeonato nacional de 2010. Até mesmo o popular circuito Spartan Race, que atrai quase meio milhão de pessoas para suas competições que mesclam lama e obstáculos que lembram treinamento militar, passou a examinar os competidores.

Ainda que seja impossível saber quantos “atletas de fim de semana” têm se dopado, é certo que isso acontece. A Clean Ride foi estabelecida devido à suspeita de diretores de várias provas de que a queda no número de participantes se deva, em parte, ao fato de que muita gente compete dopada – essa queda é uma tendência oposta ao crescimento geral do esporte nos Estados Unidos. “Quando perguntamos a alguns atletas da Georgia porque eles não competiam mais na Flórida, eles responderam que haviam deixado de ir porque lá até mesmo os juniores se dopam”, conta Jared Zimlin, da Clean Ride.

Claro que o novo foco no doping amador gera questionamentos sobre se a participação das pessoas diminuirá ainda mais por causa dos testes. Milhões de amadores que competem sob as normas da USADA como membros de organizações como a USA Triathlon e a USA Track and Field (de atletismo) não têm a menor ideia de quais medicamentos – mesmo os que em nada ajudam a melhorar a performance – poderiam levar a uma suspensão. Forçar todo mundo a seguir as mesmas regras que os profissionais poderia desanimá-los, principalmente pela inconveniência dos exames.

Os que criticam os testes em amadores defendem que, mais do que pegar uma minoria de competidores inescrupulosos, o que essas medidas da USADA fazem de fato é constranger atletas desprevenidos, como os que tomaram, por exemplo, uma cápsula de anti-alérgico ou beberam alguma bebida enérgica que contém estimulantes banidos. Segundo Rob Kane, fundador e presidente da Associação de Competições de Bicicleta do Texas, “o benefício de livrar os eventos esportivos de drogas que melhoram a performance não supera o preço de penalizar atletas amadores por substâncias tomadas inadvertidamente. Realmente não vale o tempo e a energia que esse esforço demanda”.

E não espere que a USADA escutará, simpática e atentamente, aos casos divergentes. “Se alguém assina um documento e paga uma taxa para se tornar membro de uma organização esportiva, ele precisa saber qual é o regulamento que a rege”, diz Travis Tygart, chefe da USADA. Jared Zimlin, da Clean Ride, insiste que a educação dos atletas é um dos principais objetivos de seu trabalho.

Para atletas que reconhecidamente tomam alguma substância banida por razões médicas, a USADA proporciona isenções por uso terapêutico (conhecidas como TUEs). Mas os esportistas vêem o processo para se conseguir essa isenção como algo burocrático e oneroso, para dizer o mínimo.

O norte-americano James Smith, um competidor de ciclismo de nível intermediário, pediu uma TUE à USADA em 2008 depois de ser diagnosticado com distúrbio de déficit de atenção aos 35 anos. Ele descobriu que tomar duas doses diárias de 10 miligramas do psicoestimulante Adderall o ajuda a manter o foco em seu trabalho como arquiteto. A receita médica com os detalhes sobre seu estado físico estava no formulário de pedido da TUE, mas quando a USADA pediu mais evidências sobre a condição de James, incluindo uma avaliação mental, ele decidiu interromper o processo. “A probabilidade de ser escolhido para fazer um teste antidoping é tão pequena que decidi arriscar e continuar competindo”, diz ele.

Depois de ter que fazer um exame antidoping para a Clean Ride, Elizabeth deu uma olhada mais atenta na lista de substâncias banidas. Ela também entrou em contato com a USADA para esclarecer uma dúvida sobre o Claritin-D, que ela toma de vez em quando para combater alergias. O e-mail de resposta do representante da USADA citava uma “presença na urina limitada a 150 ug por ml”, o que a deixou ainda mais confusa. “O representante nunca diz se está tudo certo com você ou não”, conta Elizabeth. Apenas no dia 14 de junho deste ano Elizabeth recebeu o resultado do teste feito em março, colocando um fim em seus três meses de ansiedade. Finalmente ela pode confirmar aquilo que já sabia, mas nunca havia precisado provar: estava limpa.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2012)