O grupo britânico The Adventurists organiza rallies inusitados nos quais a única regra é dirigir os piores veículos já construídos – e rir adoidado
Por Mariana Mesquita
QUE O MUNDO ANDA MEIO CHATO, ninguém duvida. A boa notícia é que já existe até organização de aventureiros lutando por um planeta menos sério. Criado no Reino Unido, o grupo The Adventurists: Fighting to make the world less boring vem chamando a atenção por onde passa com uma proposta um tanto quanto bizarra: sua missão é organizar, em diferentes países, corridas malucas de veículos que vão de latas velhas caindo aos pedaços a riquixós (em que uma pessoa a pé ou de bike puxa uma espécie de pequena carruagem). Tudo para se divertirem, viverem momentos intensos e espantarem qualquer marasmo outdoor. “Queremos tornar o mundo menos chato e menos seguro. O objetivo é viajar em busca do desconhecido, do imprevisível e do improviso. É perigoso, porém ao mesmo tempo gratificante”, diz Dan Wedgwood, que integra o The Adventurists. No próximo dia 20 de setembro, o grupo dá partida a mais um de seus projetos inusitados, a 6ª edição do Mototaxi Junket. Por estradas isoladas do Peru, a cena se repetirá mais uma vez: centenas de pessoas atravessarão o norte do país em uma competição de 3.500 quilômetros que cruza a imponência da cordilheira dos Andes e a beleza da floresta amazônica. O feito já é impressionante por si só, mas ganha contornos ainda mais fantástico pela principal característica da prova: os competidores guiam os “piores veículos já construídos”. E ficam sem apoio algum durante duas longas semanas. Segundo os The Adventurists, a única regra na competição é não ter regras. Não existe uma rota programada, e se perder é quase uma obrigação. Para dificultar o desafio, os carros precisam ser pequenos e “inadequados”. Além disso, é necessário que eles tenham menos de dez anos de uso, pois no fim do evento todos os veículos são vendidos e o dinheiro, convertido em doações para organizações não-governamentais do país sede da competição. “Desde 2004, já arrecadamos mais de 4 milhões de libras. É importante que a prova tenha um impacto positivo e duradouro, principalmente na região que recebe o evento”, explica Dan.
Diferentemente das competições convencionais, o prêmio principal, o “Legend of Adventure” (Lenda da Aventura), não é dado para a equipe mais rápida ou de melhor desempenho, mas para aquela que, durante o trajeto, reunir as melhores histórias e se tornar a mais popular. “Para nós, a ‘melhor equipe’ dorme no carro, não carrega mapas e só escreve algumas dicas no braço um pouco antes de partir. Muito louvável, não?”, afirma.
EM 2001, DURANTE UM INTERCÂMBIO de estudos na República Tcheca, o britânico Tom Morgan, que na época tinha 21 anos de idade, se deu conta de que, depois de beber algumas (muitas) cervejas, ele e seu parceiro de quarto haviam comprado um carro Fiat 126. Diante da nova aquisição, a dupla resolveu viajar com o veículo para o lugar mais incomum que cogitaram na hora – no caso, a Mongólia. Sem documentos, bagagem e com apenas alguns charutos no porta-luvas, eles foram barrados na fronteira do país. Mas a vontade de concluir o desafio não saiu da cabeça de Tom. Em 2004, ele convenceu um pequeno grupo de pessoas de que era possível realizar a proeza e, em equipes, todos embarcaram na viagem sem ter ideia do que iria acontecer. A aventura ficou conhecida como Mongol Rally e foi um sucesso, o que animou Tom a criar o Institute of Adventure Research, que lidera o grupo The Adventurists. “Meu objetivo é simples: planejar aventuras. Penso em competições perigosas em lugares pouco prováveis e, por isso mesmo, inesquecíveis”, diz Tom, formado em artes e aficionado por alpinismo e mountain bike. O processo de criação de uma prova parte sempre do quão divertida ela pode ser, principalmente para seus organizadores. Depois de pensar em um percurso ou lugar, Tom reúne um grupo de pessoas que toparia se lançar na expedição de uma maneira experimental. Se o teste render boas histórias com grandes níveis de dificuldade, a prova é aberta ao público. No site oficial dos The Adventurists (theadventurists.com), é possível obter mais informações sobre como participar.
Em 2012, o Mongol Rally aconteceu durante o mês de julho. Mais de 800 pessoas participaram, e apenas 60% das equipes concluíram a prova. Durante o trajeto, os inscritos percorreram 16 mil quilômetros por montanhas, desertos e alguns dos lugares mais remotos do planeta. Partiram do Reino Unido até a Mongólia dentro de carros mal ajambrados, que incluíam Fuscas zoados e vans com pintura descascada. Assim como as risadas e as boas histórias, o perigo é um companheiro constante de viagem. “Quem embarca em uma aventura ao ar livre como as nossas precisa saber que está se expondo a acidentes e situações extremas”, explica Tom. Neste ano, por exemplo, a equipe Khan Khan Van, da República Tcheca, bateu o carro na estrada à noite e precisou abandonar o desafio. “Duas mortes já foram registradas em nossas provas, uma no Mongol Rally e outra no Mototaxi Junket. Além disso, lesões e acidentes acontecem. É importante que a equipe leia o regulamente para conhecer bem a nossa proposta.” Para os The Adventurists, o próximo passo para os verdadeiros aventureiros não é mais a Terra. “Precisamos ir além, para o espaço, desvendar novas fronteiras do desconhecido”, diz Tom. Entre seus futuros projetos mirabolantes, o The Moon tem a intenção de criar um foguete para, quem sabe, enviar um dia uma missão à Lua. “Não acho justo que só os governos e algumas corporações dominem as viagens espaciais. Nosso projeto demorará anos para se concretizar, por isso começamos agora”, completa. Ainda com os pés no chão, a equipe revela também o interesse em um próximo desafio, só que de caiaque. Cheios de energia, garantem que farão tudo que estiver a seu alcance para salvar o espírito aventureiro da pasmaceira.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2012)
ROUBADA OU AVENTURA?: Cenas da corrida de riquixás que o grupo The Adventurists
promove na América do Sul
(FOTO: Rick Shaw)
ATÉ NA NEVE: O The Adventurists ficou famoso por criar o Mongol Rally, que atravessa
parte da Europa e da Ásia