Senhor da guerra

Correspondente internacional, cineasta, escritor e “quase militar”, o canadense Robert Young Pelton só viaja para lugares onde a principal atração é o perigo constate

Por SAM MOULTON


DURÃO: Robert em Bornéu, em 1992


QUANDO O LIVRO do canadense Robert Young Pelton, The World’s Most Dangerous Places (Os Lugares Mais Perigosos do Mundo) foi publicado em 1996, não havia nada parecido – não à toa o New York Times cravou na época: “Uma das publicações de viagem mais estranhas e fascinantes a surgir em muito tempo”. Agora em sua quinta edição, a obra tornou-se uma espécie de guia dos lugares mais casca grossa da Terra. Sem ser amedrontador, traz histórias agradavelmente francas e divertidas tiradas das muitas viagens de Robert – que, segundo os próprios cálculos, já enfrentou “14 guerras e 130 países”.

Atualmente, quando não está de férias em Cabul, no Afeganistão, o escritor, cineasta e de vez em quando free-lance do exército está preparando uma revista chamada Dangerous (Perigoso). Fora isso, Robert basicamente divide seu tempo cuidando da DPx Gear, uma empresa que produz facas de estilo militar, e do Somalia Report, um website que fundou para cobrir atos de pirataria e conflitos. Ele também é a única pessoa que já conheci cujo cartão de visitas vira um canivete. O finíssimo pedaço de metal tem bordas perfuradas que se separam para formar uma pequena lâmina – e ainda não foi confiscado pela equipe de segurança de nenhum aeroporto.


OUTSIDE Você vai voltar pra Somália amanhã. Para quê?

ROBERT YOUNG PELTON Vou para Eyl, uma cidade pirata da costa do país, para fazer uma avaliação urbana para o Somalia Report. Procuramos os locais onde ficam os reféns e os grupos piratas. Queremos criar mapas GIS, aí voltar três meses depois e ver se houve mudanças. As pessoas sempre falam sobre as coisas estarem ficando melhor ou pior, mas queremos medir isso direito.


Quantas vezes você já esteve lá?

Vou para lá desde 2008 e já fiz 20 e poucas viagens. No ano passado, viajei a bordo de um navio de carga dos Emirados Árabes até Bosaso, no norte da Somália. Dá para ouvir os ataques piratas pelo rádio, os capitães conversando e o pessoal da Marinha dizendo: “Estamos a um dia daí, chegaremos daqui a pouco”. Estou tentando entender melhor o que está realmente acontecendo, para não falar besteira quando comentar esse assunto.


Se piratas atacassem seu barco, quem você gostaria de ter ao seu lado?

É bom ter alguém com um rifle de caça, para acabar com os motores deles. Os pobres piratas têm cerca de 800 a 100 quilômetros para nadar até a costa, e a maioria deles não sabe nadar.


Quanto do conteúdo do The World’s Most Dangerous Places mudou ao longo dos anos?

Ninguém acredita em mim, mas não existem mais guerras. Quando escrevi o livro, havia guerras de verdade, com tanques atirando uns nos outros. Agora há mais democracias e menos ditaduras. A primeira edição tinha 26 países, e agora vai ser difícil ter 12 países na próxima edição.


O que foi tirado?

A maior parte da Europa Oriental. Uma boa parte da África. Lugares como a Colômbia, onde as Farcs estão quase no fim. Até mesmo o Peru, que pode ser um pouquinho perigoso, mas não está envolvido em nenhuma guerra propriamente dita. Muitos dos países que costumavam ser um inferno resumem-se hoje a lugares onde o único porém é não sair à noite sem tomar cuidado.


Então o mundo está mesmo se tornando um lugar mais seguro.

É, e isso está acabando com meu negócio [risos].



PROFISSÃO PERIGO: O correspondente no Afeganistão, em 2009

Mas isso é bom para as outras pessoas.

É claro. Quando comecei a trabalhar com isso, se você quisesse descobrir quais lugares eram perigosos, tinha à disposição apenas os alertas de viagem de governos como o dos EUA, que eram uma porcaria, pois se resumiam a umas três linhas mais ou menos. Não serviam para nada. Então surgiu a Internet. Agora todo mundo é expert em tudo. Outro fator é que os jovens de hoje simplesmente não ligam para nada. Essa geração do novo milênio prefere comprar um iPhone novo e pronto. A coisa mais exótica que fazem é mudar o tipo de café que pedem no Starbucks.

Alguns anos atrás, você começou a oferecer viagens de turismo para zonas de guerra.

Eu e um cara na Suíça organizamos excursões para encontrar com grupos rebeldes. A ideia era visitar ambos os lados de um conflito. Nada de hotéis, nada de trekkings. O plano era simplesmente andar até a linha de frente, com as pessoas atirando na gente. Mas ninguém topou. As únicas perguntas vieram da imprensa.


Não somos mais uma sociedade muito aventureira.

Verdade. Eu costumava dizer que a aventura era o perfume barato dos anos 1990, já que todo mundo se vestia como correspondentes de guerra. Agora nem sequer é “cool” ir a lugares exóticos, porque você pode ser sequestrado, morto ou explodido. Perdemos o senso de magia que motivou os exploradores do século 18.


E como você transformou seu fascínio pelo perigo em uma carreira?

Até os meus 30 e tantos anos, eu trabalhava para empresas de criação e participava de lançamentos de produtos. Mas todo ano eu tirava um mês de férias, encontrava os lugares mais isolados do mapa e me jogava em Bornéu ou na África. Encontrava jornalistas nessas expedições, e aí acabei intrigado pela ideia de que ainda havia lugares onde você podia acabar morto se viajasse até lá.


Você passou um bom tempo trabalhando com militares, mas não tem um passado militar. Como desenvolveu uma relação tão forte com eles?

Os militares que encontrava por aí diziam: “Ei, quando eu era moleque li seu livro”. Por isso eu tinha muito fãs. Além disso, a guerra é um ambiente bem informal para mim. Acho que eles se sentem confortáveis com o fato de que (a) eu respeito o que fazem e (b) eu sei o que estou fazendo.


Você já entrou em pânico alguma vez?

As coisas podem ficar bem assustadoras, mas acho que sou do tipo de pessoa que sabe lidar com isso. É o que eu chamo de “complexo de bombeiro”. Se há um prédio em chamas, algumas pessoas saem correndo para longe e outras saem correndo para dentro. Se você é uma dessas pessoas que correm para dentro, então ficará de boa em uma situação tensa de guerra. Mas, se você é um dos que correm em círculos gritando, está fora do seu hábitat.


Tem algum jeito de saber se alguém está armado?

É preciso sacar uma arma para usá-la, e eles não querem que você agarre-a em hipótese alguma. Então, se conhecer alguém que tenta sempre ficar a uns seis metros de distância, esse é um sinal vermelho. Melhor cair fora.


Você anda armado?

Não carrego armas, mas ando com homens que carregam. E esse é o segredo. É como nos filmes de bangue-bangue mexicano. Você pode apontar uma arma para mim, mas, se 24 caras apontam a arma para você, não conseguirá me matar. Parece coisa de cinema, mas funciona.


Tem alguma coisa que você ainda queira fazer?

Nunca consegui visitar o Sri Lanka, que dizem ser muito bonito. Sempre quis ir para Comoros, na costa de Madagáscar. A coisa mais irada é que ainda existem lugares selvagens. Lugares onde há tubarões e as pessoas saltam no mar do alto de penhascos. Como a Somália. Quando estou numa praia na Somália, geralmente não há ninguém por perto em um raio de 200 quilômetros.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2012)