Os aventureiros Rob Lilwall e Leon McCarron acabam de completar uma jornada épica: percorreram, a pé, os 5 mil quilômetros que separam a Mongólia de Hong Kong
Por Mariana Mesquita
DÊ UMA OLHADA NO MAPA da Ásia que mostramos na página a seguir. Repare na linha traçada entre Ulan Bator, capital da Mongólia, até Hong Kong, na China. Agora imagine percorrer esses milhares de quilômetros a pé, sem ao menos um táxi ou bike para te dar uma mãozinha. Difícil? Não para o irlandês Leon McCarron e o britânico Rob Lilwall, que caminharam, durante o rigoroso inverno, os 5 mil quilômetros que separam as duas cidades até chegar à casa de Rob, em Hong Kong. Depois de enfrentar frio extremo – recorde: 25°C negativos – e desafios físicos que extenuariam qualquer ser humano, a dupla completou no dia 12 de junho a expedição, que eles batizaram de Walking Home From Mongólia (Andando de casa, da Mongólia). O objetivo da aventura era simples, e por isso mesmo irresistível: viver boas histórias para contar aos netos. Partindo em novembro de 2011, a dupla atravessou a pé o famoso deserto de Gobi, que se estende por ambos os países. De lá, seguiram pela emblemática Grande Muralha até as águas turbulentas do rio Amarelo, o segundo mais longo da China, com 5.300 quilômetros de extensão. Então seguiram para a parte central do território, repleta de montanhas cobertas de neve. Sete meses e cinco botas inteiramente gastas depois, Rob e Leon finalmente chegaram sãos e salvos a Hong Kong. Aventureiro por essência, Leon possui um sólido histórico esportivo. Antes de propor essa empreitada ao amigo, ele já havia embarcado em duas outras expedições de bike. Em uma delas, a The Cycling Reporter, percorreu sozinho 23 mil quilômetros de Nova York a Hong Kong e registrou essa experiência para elaborar um documentário sobre as histórias adquiridas no percurso. O filme deve estrear até o final do ano no canal National Geographic. A seguir, eles contam à Go Outside como foi a saga.
GO OUTSIDE Você optou por um trajeto rumo a sua casa, algo um tanto diferente para quem se lança em uma grande expedição. Como surgiu essa ideia?
LEON MCCARRON Nós gostávamos da ideia de começar em um lugar longe e, em vez de ver o quão distante poderíamos ir, rumar para casa. Nosso objetivo também era dissecar a China, então decidimos fazer tudo andando para conhecer bem de perto as pessoas, as paisagens e as curiosidades do país.
Como foi a preparação física para a expedição?
LEON Tivemos apenas seis meses para nos preparar. Além de caminhadas longas, fizemos muitos treinos de força na academia. Cada mochila pesava cerca de 30 quilos, por isso precisávamos estar bem preparados fisicamente para completar a viagem.
Qual foi a situação de maior desconforto durante os mais de 200 dias de expedição?
LEON Percorremos a vastidão do deserto de Gobi durante os 13 primeiros dias da viagem. Estávamos fortes, mas lidar com o frio mostrou-se uma verdadeira luta. Era difícil até segurar a câmera. Foi, de longe, o maior desconforto.
ROB LILWALL Para mim, o mais complicado era andar por uma estrada, geralmente de forma lenta e dolorosa, vendo que o lugar era ideal para um pedal.
Foram mais de cinco milhões de passos. Durante o desafio, vocês sofreram algum tipo de lesão?
LANCE Senti muita dor nas costas, mas nada que comprometesse o desafio.
ROB Por cerca de um mês, sofri com bolhas e um machucado que não curava. Até pensei que a lesão iria me impedir de continuar. Mas improvisei um curativo que me possibilitou seguir em frente.
Durante 200 dias vocês tinham apenas um ao outro. Como se mantiveram motivados em condições tão extremas?
LEON Pode parecer ridículo, mas criávamos gírias com base em nosso chinês, que não era dos melhores, e buscávamos escrever novos roteiros de cinema. Desespero é uma coisa engraçada [risos].
Li que vocês não gostaram de ter que comer tanto macarrão instantâneo. Como era a alimentação?
LEON O pão de batata doce roxa, típico do país, foi um ponto baixo em nosso cardápio, mas não era tão ruim quanto macarrão instantâneo. Vou demorar a comer de novo. Mesmo assim o mais difícil era nossa falta de vocabulário para pedir comida. Era fácil falar “bolinho de arroz”, que apesar de saboroso perde a graça depois de um tempo. Estamos felizes em voltar para uma dieta mais variada.
Sem falar chinês, como vocês se comunicavam?
LEON O mais difícil foi na Mongólia. Nenhum de nós fala uma única palavra do idioma de lá. Tentávamos nos expressar com uma linguagem corporal. Na China, foi mais tranquilo, porque sabíamos um pouco de mandarim e, com o passar do tempo, fomos aperfeiçoando a língua. Hoje até já conseguimos estabelecer uma conversa razoável. Durante toda a viagem, vocês atualizaram o site oficial da viagem (walkinghomefrommongolia.com) e o Facebook (facebook.com/walkinghomefrommongolia). Mas as redes sociais são proibidas na China. Como vocês conseguiram isso?
LEON Adoro as mídias sociais para compartilhar minhas aventuras pelo mundo. Desta vez foi um pouco mais complicado, já que o Facebook e o Twitter, entre outros, são proibidos na China. Para atualizar as páginas, enviávamos as informações para a esposa de Rob, que estava em Hong Kong, onde a censura não é tanta, e ela publicava em nosso nome.
Além de contribuir com a organização Viva, que ajuda crianças pelo mundo inteiro, qual foi o objetivo da expedição?
LEON Aprendemos muito mais sobre a China. Encontramos no caminho belas paisagens, áreas remotas e pessoas inesquecíveis. Também documentamos toda a aventura para tentar apresentar um relato sincero de nossas experiências nestes últimos meses. O documentário está sendo produzido e deve estrear no fim de 2012 no canal National Geographic.
Vocês fariam isso de novo?
LEON É uma pergunta difícil de responder. Estou feliz que tenha acabado. Foi tudo muito desgastante, principalmente o inverno no deserto. Mas o conhecimento adquirido e os momentos inesquecíveis fizeram valer a pena. Posso dizer por nós dois que, sim, faríamos isso de novo. Definitivamente, sim.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2012)
INVERNO SEM FIM: Rob enfrenta frio extremo, com recorde de temperatura de 25º negativos
BARBA E BIGODE: A dupla posa para foto ao chegar à China; ao lado, no fim da expedição, em Hong Kong
ONDE EU FUI ME METER?: Leon caminha na imensidão gelada do deserto de Góbi