Sai da frente!

O ciclista e cinegrafista norte-americano Lucas Brunelle lança filme sobre as alleycat races, perigosas corridas de bike messengers que acontecem nas cidades mais movimentadas do planeta – e diz que tudo não passa de pura diversão

Por Mario Mele


VOU DE TÁXI: Lucas pega carona em um "cab" de Nova York
(FOTOS: Benny Zenga)

PEDALAR NO TRÂNSITO DE UMA CIDADE movimentada é o que o norte-americano Lucas Brunelle mais gosta de fazer. Mas, ao contrário da grande maioria das pessoas que utiliza a bicicleta como meio de transporte, ele não está nem um pouco interessado em ser um defensor da causa. Há dez anos, esse ciclista urbano de 41 anos que cresceu com pouca grana em Martha’s Vineyard, uma ilha na costa leste dos Estados Unidos, usa câmeras presas ao capacete para filmar as alleycat races, como são conhecidas as competições totalmente informais organizadas por bike messengers. Nelas, os ciclistas-entregadores geralmente enfrentam o trânsito caótico de uma metrópole para cumprir uma série de tarefas – ganha quem fizer tudo em menos tempo.

No começo, Lucas, que quando criança pedalava BMX e antes dos 20 anos era ciclista amador dos bons, não sabia se filmava ou se apenas competia. Afinal, naquela época ele era um bike messenger em tempo integral. A dúvida acabou em 2003, quando foi a Nova York só para participar da Drag Race, uma famosa corrida alleycat (expressão que significa gatos de rua, sem dono). Seu amigo lembrou-o de ligar a câmera segundos antes da largada. “Claro que você deve filmar, isso será insano”, disse.

Depois de uma década exercitando o pescoço e se aperfeiçoando na arte de registrar as alleycat races, Lucas lançou, neste ano, o filme Line of Sight no aclamado Bicycle Film Festival, um evento internacional que privilegia filmes com temáticas ciclísticas. O DVD também está à venda em seu site pessoal (lucasbrunelle.com) por US$ 20. Dirigido pelo experiente cineasta Benny Zenga, Line of Sight é uma compilação das melhores cenas que Lucas filmou durante todos estes anos. Trata-se de uma completa imersão na vida de ciclistas-entregadores de 30 cidades de 20 países da Europa e da América do Norte.

Apesar de ser extremamente arriscadas – respeitar sinal vermelho significa perder tempo e se agarrar no para-lama de carros para economizar pedaladas é uma constante –, Lucas garante que as alleycat races não são tão mortais quanto parecem. Para ele, são um resultado natural da evolução técnica desses profissionais. Em entrevista à Go Outside, ele fala a seguir sobre o filme e sobre o que é ser, simultaneamente, ciclista e cinegrafista, dois trabalhos que não pretende abandonar tão cedo.

(Assista, após a entrevista, a um filme que ele fez em 2004, pelo trânsito de Nova York)


RISCO MÁXIMO: Cena do filme, rodada em Nova York

GO OUTSIDE Você não advoga pelas bikes como meio de transporte sustentável. O que de fato quer mostrar com as filmagens que recentemente viraram o filme Line of Sight?
LUCAS BRUNELLE Isso que eu disse de não defender a bicicleta como meio de transporte foi parte de uma brincadeira, era um outro contexto. Na verdade, queremos mostrar, com essas gravações, que as pessoas podem e conseguem sobreviver tendo a bicicleta como fonte de renda. É um filme sobre competições de bike messengers nas mais excitantes e exóticas cidades do planeta. E existe muita diversão em pedalar no trânsito.

Há alguma outra razão para as corridas alleycat existirem?
Certamente elas melhoram as habilidades técnicas e físicas desses ciclistas. Isso acontece porque tanto as entregas quanto as competições demandam um grande esforço. Pedalamos sempre no limite, especialmente em emergências. Quem assistir ao filme verá manobras que os bikers muitas vezes têm de fazer para salvar a própria vida.

Você já leu o livro Diários de Bicicleta, do músico David Byrne?
David quem? Ah, o cara do Talking Heads. Acho que já ouvi falar, mas não me lembro agora. Certamente vou ler algum dia.

Ele relata como é se locomover de bicicleta por grandes cidades como Londres, Berlim e Nova York. Você não acredita que a bicicleta pode melhorar a vida das pessoas nas metrópoles?
Sim, em Amsterdã, Eindhoven e em toda a Holanda, por exemplo, isso já acontece. Copenhague, na Dinamarca, também é um dos lugares onde já estive e em que a bicicleta melhorou os hábitos dos cidadãos.

Você não acha que essas corridas podem ser tão perigosas quanto saltar de BASE jump ou surfar ondas gigantes?
Com certeza elas têm seus riscos. Mas a maioria dos competidores sabe como pedalar na cidade. Por isso, considero as alleycat races muito seguras. Quase sempre os ciclistas são nossos conhecidos, sabemos sobre suas habilidades com a bicicleta e o trânsito. Bike messengers formam uma comunidade mundial muito unida. Essas competições representam, de fato, uma profissão e acontecem em lugares comuns, onde geralmente esses ciclistas pedalam todos os dias.

Além de arrancar alguns retrovisores, você já se acidentou em alguma corrida?
Propriamente na corrida, não. Já tive alguns pequenos acidentes durante entregas, pedalando bem mais devagar do que numa competição. Acho que durante as corridas a atenção é maior, porque quando você pedala forte a endorfina liberada intensifica sua consciência sobre as situações mais extremas. Meu pior acidente foi na época em que eu era ciclista de estrada amador. Certa vez, em uma competição organizada pela United States Cycling Federation, vários ciclistas se chocaram de repente e, quando percebi, já estava deslizando no asfalto e ralando minha pele até o osso. Mas em menos de um mês eu já estava de volta aos treinos.

Os ciclistas costumam ter problemas com a polícia durante as competições alleycat?
Não, normalmente não há problema porque o que fazemos não é ilegal. Também não levantamos uma grande bandeira ou paramos o trânsito por conta de uma manifestação, como o pessoal da Massa Crítica [evento mundial em que bikes, skates e patinadores ocupam o espaço dos carros para protestar em favor dos veículos movidos a propulsão humana]. Apenas brincamos em segurança.

Mas se agarrar em carros para pegar carona não é permitido pelo código de trânsito. Como os motoristas costumam reagir?
Quase sempre eles estão prestando atenção em outra coisa. Eu sei quando um motorista me verá. Por exemplo, motoristas cautelosos dirigem carros mais antigos. Já motoristas de van ou SUV quase sempre estão falando no celular ou checando seus computadores portáteis.

Qual é a cidade mais difícil para a bicicleta que você já esteve?
Há muitos lugares em que os motoristas não parecem ter muita consciência. Vejo no mundo inteiro gente guiando carros incrivelmente velozes, passando dos 100 km/h em um trecho urbano. Acho que Berlim, na Alemanha, e Bruxelas, na Bélgica, são muito perigosas. Outra cidade bem casca para se pedalar no trânsito é Las Vegas, onde é comum pessoas embriagadas ao volante. Nunca estive no Brasil, mas já vi uns vídeos de ciclistas em São Paulo, e me pareceu desafiador pedalar por aí.

Você tem carro? Em que situação você usa um?
Tenho, mas o uso raramente. Na verdade, é um carro de polícia antigo, uma peça de colecionador. Até para viajar, nas férias, eu uso minha bicicleta. Na maioria das vezes pedalo meu modelo de estrada, com 20 velocidades e quadro de fibra de carbono.


SIM, É SÉRIO: O ciclista curte um downhill nas águas de Anavyssos, na Grécia

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2012)







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