O caiaquista mexicano Rafael Ortiz quer descer as maiores quedas d’água do planeta, incluindo as cataratas do Iguaçú, no Brasil Por Mariana Mesquita
DO ALTO DA CACHOEIRA DE PALOUSE, no estado norte-americano de Washington, o mexicano Rafael Ortiz joga um pouco de água gelada no rosto para esfriar os nervos. Depois de analisar bem o fluxo da correnteza dessa impressionante queda de 56 metros, ele coloca o caiaque na posição de largada. A concentração é tanta que nem o barulho da força da água parece atormentá-lo. Alguns segundos depois, o canoísta extremo não estaria apenas descendo a mais alta corredeira já vencida pelo homem atualmente como também se tornaria a segunda pessoa do mundo a realizar a proeza. A aventura, ocorrida em maio deste ano, não pôde se igualar ao recorde mundial do norte-americano Tyler Bradt, batido em 2009 no mesmo local – já que, devido ao impacto, Rafael acabou sendo lançado para fora do caiaque, o que invalida o feito. Mas nada que manche a reputação de coragem que esse mexicano de 25 anos vem conquistando nos últimos tempos. Em um esporte marcado pela audácia frente à força da natureza, Rafael ganha fama pelo “atrevimento”: em seu grande projeto pessoal, batizado de Chasing Waterfalls (Caçando Cachoeiras), ele cismou de descer as maiores quedas d’água do planeta. As expedições serão filmadas para um documentário mostrando todos os perrengues e perigos enfrentados pelo caminho. O projeto ainda está em fase inicial e vai depender não apenas de suas habilidades, mas da boa vontade de patrocinadores e governos (que precisam muitas vezes autorizar a descida de caiaque em determinada cachoeira). Se tudo der certo, ele planeja vir ao Brasil ainda este ano para explorar as cataratas do Iguaçu, no sul do Brasil e divisa com a Argentina, área que reúne mais de 275 quedas violentas. O lugar se tornou uma espécie de El Dorado para os amantes desse esporte. “É um sonho que espero realizar logo”, diz. Recentemente, em seu mais novo desafio, Rafael embarcou em uma expedição de 35 dias pelas ilhas da Nova Zelândia, ao lado de grandes atletas da modalidade, como o americano Rush Sturges, parceiro do mexicano na produção do documentário. Juntos, aventuraram-se por 17 rios, nos locais mais remotos e exigentes do país.
Mesmo nascido em um país sem grandes tradições no caiaque extremo, não demorou muito para Rafael perceber que sair pelo mundo em busca de aventuras seria sua maior paixão. Quando garoto, adorava as viagens em família pelo estado de Veracruz, onde costumava praticar rafting e outros esportes radicais. No aniversário de 14 anos, recebeu de presente dos pais um caiaque. “Eu ficava na sala de aula ansioso esperando o fim de semana chegar para eu viajar com meu pai. E, óbvio, para levar o novo ‘brinquedinho’ com a gente. Era demais!”, conta Rafa, como é chamado pelos amigos. Mas foi só quando se viu arrumando as malas para embarcar para a Austrália, onde disputaria o Campeonato Mundial de Caiaque Freestyle, que ele percebeu como já estava envolvido com a modalidade até a alma. “Aquele momento marcou o início de um estilo de vida que perdura até hoje”, conta. Na época, o garoto de 18 anos se tornou o primeiro mexicano a competir no evento. Terminou em 22º lugar na categoria junior, resultado nada mal para um iniciante. Foram mais de dois anos aperfeiçoando a técnica em voos e cambalhotas com o caiaque até que uma proposta do norte-americano Ben Stookesberry mexeu profundamente com ele. Experiente canoísta, Ben carrega na bagagem aventuras inesquecíveis na Ásia, Américas e África – era um dos que estavam com o sul-americano Hendrik Coetzee quando este foi devorado por um crocodilo no Congo em 2010, tragédia que resultou no filme Kadoma. Ciente da capacidade e da coragem de Rafa, o amigo chamou-o para dropar algumas das maiores cachoeiras do mundo a seu lado. “Foi irrecusável. Ao aceitar o convite, conheci a combinação perfeita da vida: ar, água e doses cavalares de adrenalina.” Com isso, visitou países asiáticos como a Índia e o Paquistão, além de desbravar rios ferozes da África e do Brasil, onde realizou uma expedição pela selva amazônica em 2009. Depois de se especializar em descidas verticais, em 2010 Rafa fez história no México. Tornou-se o primeiro canoísta a descer a lendária cachoeira de Big Banana, de 40 metros de altura (que leva esse nome devido ao grande número de plantações da fruta na região). “Para conseguir dropá-la, precisei ficar preso em uma árvore como um abacaxi antes de cair na água”, lembra, tirando sarro da situação.
FORMADO EM ENGENHARIA MECÂNICA, Rafa insiste em dizer que possui uma rotina “comum”. Quando não está na água, ele trabalha em sua Escuela Kayak Mexico, na qual oferece aulas de canoagem. Mas sempre que pode dá escapadelas rumo ao perigo – não sem antes tomar todas as precauções necessárias para evitar acidentes graves. “É preciso estar atento. Não posso dizer que gosto das alturas. Mas sou viciado no sentimento de desafiar meus próprios limites e ultrapassar minha zona de conforto”, diz Rafa. Mesmo assim é quase impossível não se machucar vez ou outra. Em uma expedição recente no México, Rafa precisou da ajuda de amigos para sair da água, depois de bater forte com as costas em uma pedra. “Felizmente sofri apenas um espasmo muscular. Precisei ficar um mês longe do caiaque para me recuperar. Mas faz parte do esporte.” Como uma forma de dividir com o mundo suas conquistas esportivas, Rafa mantém atualizado um diário virtual (rafaortiz.com). Além de textos, é possível conferir vídeos e fotos do atleta. “Para o futuro, minha missão é relativamente simples: buscar aventuras emocionantes que me tirem o sono por algumas noites”, diz. Se seu projeto Chasing Waterfalls se concretizar logo, uma boa dose de insônia certamente vai se instalar nas noites de Rafa – quem sabe aqui pertinho, nas Cataratas do Iguaçu.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2012)
SEGURA A ONDA: Rafael Ortiz se esforça entre à força da natureza
PAR PERFEITO: Rafa em seu caiaque pouco antes de se
lançar pelo rio Kohatahi, na Nova Zelândia
PARA POUCOS: O mexicano desce os 56 metros da cachoeira de Palouse, em Washington