No dia 9 de agosto, o corredor africano David Rudisha levantou o público presente do Estádio Olímpico de Londres ao quebrar o primeiro recorde mundial do atletismo nessa edição dos Jogos. David, do Quênia, levou a medalha de ouro com o tempo de 1min40s91 na prova dos 800 metros, esmirilhando a marca anterior, que também era sua (1m41s01).
A revista Go Outside foi até o Quênia, berço dos principais corredores do planeta, para descobrir a arma secreta deles. Leia abaixo o resultado desta viagem, em reportagem publicada na revista de agosto.
PADRE NOSSO DE CADA CORRIDA
Fomos até o Quênia, berço dos principais corredores do planeta, para descobrir a arma secreta deles: um padre irlandês de 63 anos cujo método de treinamento tem transformado jovens locais nos maiores medalhistas de todos os tempos
Por Ed Caesar
AOS 23 ANOS, o corredor queniano David Rudisha, um imponente filho do povo masai com 1,90 metro de altura e salientes maças no rosto, já cravou seu nome na história dos 800 metros. Até o fechamento desta edição, ele reinava absoluto como recordista mundial da modalidade, detentor da melhor marca registrada até hoje na distância (1min4s01). Desde que começou no esporte, ele conhece apenas uma forma de vencer: assume a liderança o mais cedo possível e depois destrói seus adversários voando baixo, em pura velocidade. Os rivais de David até que tentam frear sua estratégia. O maior oponente dele nas Olimpíadas de Londres, um afável sudanês de dentes separados chamado Abukaker Kaki, contou-me recentemente que, para conseguir o ouro nos Jogos, ele teria que se impor nos primeiros 200 metros, aprisionando David no pelotão de trás. O queniano derrotou-o muitas vezes usando a mesma estratégia de sempre, e a final olímpica seria a melhor oportunidade para Abukaker tentar algo diferente. “Se você continua sendo golpeado na cara, eventualmente a culpa é sua, e não de quem te golpeia”, diz Ibrahim Aden, treinador de Abukaker. Na verdade, não há muito o que Abukaker ou qualquer outra pessoa possa fazer para evitar um nocaute. Como o jamaico Usain Bolt nos 100 metros, David Rudisha impera nos 800 metros. Ele possui um estilo lindo – a passada de uma criança correndo sem medo colina abaixo. Quando está em sua melhor forma, geralmente só vê seus adversários no pódio, quase sempre do lugar mais alto. Nome favorito no esporte hoje e no futuro próximo, David deve ganhar ainda incontáveis títulos mundo afora, mas será raro ter perto de si, durante as comemorações de vitória, quem o treinador há anos. Principal responsável pelo poderoso estilo do queniano, o padre irlandês Colm O’Connell, de 63 anos, prefere ficar no Quênia ao lado dos novos pupilos. Sentado em um banco do bar do hotel Kerio View, em Iten, uma vilazinha queniana encravada na região oeste do Grande Vale do Rift, o Irmão O’Connell, como é chamado, gosta de assistir às competições pela televisão mesmo. “Não sou tão aficionado a ponto de precisar viajar para longe para vê-los ganhar corridas”, diz ele, referindo-se não apenas a David Rudisha como a outros atletas que treina, incluindo as promessas de meio-fundo Augustine Choge e Isaac Songok.
Era março e estávamos sentados no hotel onde O’Connell me disse que pretendia assistir aos Jogos de Londres. Atrás dele, vejo uma cena sensacional: inúmeras sombras de nuvens pontilhando o terreno do vale. O padre então descreve o estilo dele de treino – uma forma livre e instintiva, absurdamente incomum entre os modernos profissionais do esporte, mas comprovadamente bem-sucedida em competições. O’Connell, que não recebe nenhum dinheiro por seu trabalho como treinador, abomina o culto às análises que ditam os treinos da maioria dos atletas de elite atualmente – odeia termos como “VO2 máximo” e “freqüência da passada”. “Meu jeito tem funcionado bem, né? Por que é preciso analisar tudo?”, questiona. O’Connell prefere treinar seus atletas baseado em sensações, e não em números – parece bizarro, mas é difícil contra-argumentá-lo diante dos ótimos resultados. Desde que ele começou a trabalhar no Quênia, em 1976, seus programas de treinamento renderam 25 títulos mundiais e quatro medalhas olímpicas de ouro, tornando-o, de maneira praticamente incontestável, o mais bem-sucedido treinador de corrida da história. É um recorde que parece não corresponder com a pessoa sentada na minha frente: um homem baixinho e barrigudo vestindo uma malha azul com estampa de losangos e manchada com algum resquício do café da manhã. Como esse padre irlandês se transformou no guru dos corredores quenianos? Ele que me desculpe, mas vou tentar analisar um pouco as coisas.
A IMPROVÁVEL ENTRADA DE O’CONNELL no mundo do atletismo começou 36 anos atrás, quando, segundo conta o padre, ele teve um tipo de epifania. Nascido em 1949 na cidade rural de Cork, na Irlanda, ele ingressou no sacerdócio aos 20 e poucos anos. Logo depois começou a trabalhar meio-período como professor de geografia e treinador de corrida na Newbridge School, em County Kildare. Em 1976, O’Connell estava de pé na lateral do campo em um campeonato gaélico de futebol numa triste e chuvosa tarde irlandesa quando um professor lhe perguntou se ele não teria vontade de ser voluntário no Quênia. Depois de dar uma olhada no tempo ao seu redor, ele respondeu que sim. Menos de quatro meses depois, O’Connell chegou a Saint Patrick, em Iten, uma notável escola da irmandade irlandesa Patrician Brothers, com uma forte reputação no atletismo. No dia seguinte, o padre foi arrastado até uma competição de pista nos arredores da cidade de Eldoret. Ele nunca tinha visto uma pista antes. O homem que o acompanhava era Peter Foster, um jovem de 21 anos de Newcastle, na Inglaterra, que trabalhava para uma organização de voluntariado chamada Voluntary Service Overseas. Peter era o responsável temporário pelas provas de pista e de cross-country da Saint Patrick, e estava procurando alguém para treinar a equipe quando sua estadia no Quênia terminasse. Ele cismou com o novo homem que acabara de chegar. “Ele era um rapaz tranquilo e despreocupado”, lembra Peter. “Com certeza não era fanático por esporte. E não sabia absolutamente nada sobre atletismo.”
Diz uma das lendas que existem sobre o Irmão que sua maneira intuitiva de trabalhar nasceu dessa ignorância inicial. Parece ser verdade. “Os atletas são minha única fonte de informação”, conta ele. No entanto, Peter insinua que, além de tentativa e erro, houve um “algo mais” que contribuiu com o aprendizado de O’Connell. Nos seis meses entre sua chegada ao Quênia e a partida de Foster, o inglês teve tempo de mostrar o caminho das pedras ao irlandês. O irmão de Peter, Brendan, ganhara o ouro nos 10 mil metros dos Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, e eles haviam treinado juntos quando garotos.
“Stan Long, o técnico do meu irmão, nos mandava fazer treinos intervalados, treinos de subida, corridas longas aos sábados e coisas desse tipo”, diz Peter. “Isso foi tudo o que fiz com os quenianos. E se mostrou um tipo de revolução, porque antes eles apenas tentavam correr sempre a mesma distância o mais forte possível, todas as vezes que saíam para treinar. Variar os treinos foi a melhor coisa que ensinei a eles. O’Connell aprendeu isso lá. Ele começou como um aluno cheio de disposição e se transformou em um grande expert.”
Imediatamente O’Connell mergulhou no atletismo da Saint Patrick. Sob sua supervisão, a escola se tornou uma das melhores, dominando todas as provas de pista durante os anos 1980 e atraindo alguns dos mais talentosos jovens atletas do país. Uma das paredes da sala de jantar da escola é abarrotada de fotografias de alunos com medalhas de ouro no peito, incluindo Wilson Kipketer, três vezes campeão mundial nos 800 metros, a quem O’Connell descreve como o atleta mais amável que já treinou na vida. Em 1986, a Athletics Kenya – a federação nacional de atletismo – pediu a O’Connell que selecionasse integrantes da equipe queniana para o campeonato mundial júnior de 1986. Ele escolheu nove estudantes da Saint Patrick, e todos voltaram com medalhas. Três anos mais tarde, O’Connell já havia construído uma reputação boa o bastante para expandir sua rede, e aí começou a organizar training camps (eventos de um ou mais dias inteiramente dedicados a treinamento) bianuais para crianças quenianas com talento para a corrida.
Naqueles tempos, Iten, que está a 320 quilômetros da capital Nairóbi e a quase 2.500 metros acima do nível do mar, ainda era uma cidadezinha no fim de mundo e pouco conhecida – “um pontinho no mapa”, como diz O’Connell. Hoje, principalmente devido ao sucesso dos atletas da escola Saint Patrick, Iten se transformou em um imã internacionalmente conhecido para corredores de elite de fundo e meio-fundo. Há na região dezenas de técnicos, acampamentos para corredores e grupos de treinamento. Milhares de jovens, homens e mulheres, provenientes de famílias pobres vêm bater com seus próprios pés a terra das intermináveis estradinhas empoeiradas da cidade, esperançosos de que seu suor possa levá-los a uma vida melhor.
O’Connell continua sendo uma das principais atrações de Iten. Em 1996, três anos depois de finalmente abrir mão de seu posto como diretor da Saint Patrick, ele começou a trabalhar com os atletas profissionais do Quênia pela primeira vez. Seu primeiro grupo incluiu Japhet Kimutai e Sally Barsosio, que já tinham subido ao pódio do Campeonato Mundial Júnior. (Barbosio levou o ouro nos 10 mil metros em Atenas, em 1997, e Kimutai ganhou os Jogos Africanos, mas falhou na final dos 800 metros nas Olimpíadas de Sydney, em 2000). Apesar de sua filosofia de treinamento permanecer inalterada, a mudança forçou-o a aprimorar o foco.
“Eu poli um pouco minha forma de treinar”, diz O’Connell. “Passei a conversar um pouco mais com outros técnicos experientes de atletas de elite.” De repente, ele estava consciente da solenidade de seu papel. “Quando se é uma criança na escola, há muitas opções na vida”, diz. “Mas se alguém vem até você e diz: ‘Eu quero ser um atleta profissional’, está deixando todas as outras opções de lado em nome do esporte.”
O’CONNELL DETESTA PENSAR e planejar a partir de dados, e também não dá muita ênfase à técnica. No entanto seus atletas, desde jovens, aprendem a fortalecer o core (região central do corpo) e treinam os princípios básicos do pilates e a importância de uma passada bem ritmada. Então o que, exatamente, ele oferece de diferente? Afinal, graças a uma peculiar combinação entre genética, dieta equilibrada e afinidade cultural com o esporte, o vale do Rift está abarrotado de corredores talentosos.
O que separa todas essas promessas das superestrelas, segundo O’Connell, não é talento, mas força mental. E isso, talvez, seja o dom de desse irlandês: a habilidade para localizar os raros atletas que possuem a matéria-prima necessária para vencer, e para depois ajudá-los a aperfeiçoá-la. Ele descreve isso como “trabalhar com o homem”, mais que “trabalhar com o atleta” – ou seja, desenvolver a confiança e a personalidade de cada corredor, mais que suas qualidades físicas.
Três meses depois de seus primeiros 800 metros, David Rudisha ganhou o ouro no Campeonato Mundial Júnior. Ele era apenas um estudante de 16 anos da Saint Francis, e O’Connell não esperava vê-lo progredir tão rapidamente. “Eu não queria pressioná-lo para se tornar logo uma estrela”, diz. Uma lesão no tendão de aquiles deixou David fora das Olimpíadas de Pequim, em 2008, mas o ano de 2010 foi uma temporada de vitórias históricas. Durante uma semana extraordinária – em Berlim, na Alemanha, e depois em Rieti, na Itália –, David quebrou o recorde mundial de Kipketer nos 800 metros duas vezes. No final da temporada, o garoto de 21 anos foi nomeado “atleta do ano” pela Federação Internacional de Atletismo, o mais jovem a receber tal distinção. A recompensa dada por O’Connell? Poucos dias depois, de volta a Iten, o Irmão colocou a nova estrela em um grupo de treinamento para adolescentes. A mensagem era clara: nada de tratamento especial. Essa atitude reflete bem a percepção de O’Connell sobre os corredores quenianos: o grande obstáculo que eles têm que superar não está na pista de treinamento. “Normalmente os atletas vêm de pobres áreas rurais. Uma vez que o dinheiro entra na jogada, pode se transformar em uma questão problemática para eles”, diz. Sammy Wanjiru, por exemplo, era um prodígio queniano que ganhou a maratona nas Olimpíadas de Pequim e, aos 20 e poucos anos, já havia faturado vários milhões de dólares. Em maio de 2011, depois de uma noite de bebedeira – uma de muitas, de acordo com alguns conhecidos – e uma discussão com a mulher, ele despencou para a morte da varanda de casa. Sammy tinha 24 anos quando morreu, e sua história não é incomum. A principal vantagem do que O’Connell chama de seu sistema “holístico” é que ele pode captar sinais de perigo antes que o conflito se instale de vez.
APESAR DA REPUTAÇÃO SANTA do Irmão O’Connell no Quênia, ele não está livre dos críticos. Renato Canova, um italiano que se instalou em Iten e que treina muitos dos melhores maratonistas do mundo (e é amigo de O’Connell), cuidadosamente sugeriu que, enquanto os resultados do irlandês em provas de meio-fundo são inquestionáveis, ele ainda não chegou ao mesmo nível em provas de longa distância.
“Eu acho que não teria terminado o ensino médio se não fosse por O’Connell”, diz Peter Rono. “Ele me deu a oportunidade de explorar meu talento. Ensinou-nos que não podemos ganhar apenas com força – que temos que ganhar também com a cabeça e com o coração, espiritualmente. Isso é mais que treinamento técnico. É a razão pela qual ele produziu tantos ótimos atletas.” Ele faz uma para buscar as palavras certas. “David tem uma presença incrível na corrida, não apenas por seu tamanho, mas pela personalidade. Ele é hipnotizante. Você sente isso?”
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2012)
PRATA DA CASA: O recordista mundial David Rudisha, pupilo do padre Colm O’Connell
correndo nas ruas de Iten, no Quênia
SANTO HOMEM: Padre O’Connell com seus atletas em Iten
Depois da mudança, O’Connell estabeleceu um conjunto de regras que ainda prevalecem em sua rotina. Ele jamais treina um jovem em idade escolar que não esteja estudando. “Quem abandona os estudos cai fora do meu programa.” Ele não treina mais de quatro ou cinco profissionais de cada vez, e apenas atletas que vêm de seus programas júnior. E é ele – não a Athletics Kenya, nem nenhum dos inúmeros empresários europeus e norte-americanos que inundaram o vale do Rift em busca de dinheiro com corridas lucrativas e jovens talentos – que decide o cronograma de competições de seus pupilos. Quando pergunto se essa postura já causou algum conflito entre ele e os empresários dos corredores, O’Connell sorri e balança a cabeça. “Eu deixo isso bem claro desde o princípio”, enfatiza. “Todo empresário que quer trabalhar comigo sabe que sou assim. Se há choque de interesses, o jovem esportista tem que fazer uma escolha. Não vejo nenhum problema se um atleta não concorda e vai embora.” Poucos corredores fizeram isso.
CORRAM, MENINOS, CORRAM: Quenianos treinam nas poeirentas estradas de Iten
Como exemplo, O’Connell me contou sobre como descobriu David Rudisha. A primeira vez que viu o queniano correr foi em 2004, no estádio Kamariny, em Iten, numa pista suja de excêntricos 408 metros, com uma arquibancada dilapidada em um dos lados e um empoeirado campo de futebol no meio. David tinha 14 ou 15 anos, e O’Connell não reparou muito nele. “Era mais um entre tantos outros”, recorda. “A única razão que poderia ter para escolhê-lo era sua altura e elegância.”
A segunda vez que O’Connell colocou os olhos no garoto foi em um encontro escolar no ano seguinte. David estava competindo no decathlon, e para isso viajara quase 200 quilômetros de sua cidade natal, no distrito de Trans Mara. O’Connell fez algumas perguntas discretas e descobriu que não havia equipe de pista na escola de David. O então adolescente não apenas havia ensinado a si mesmo, com sucesso, salto com vara, salto a distância, arremesso de disco e assim por diante, como tinha mostrado uma considerável determinação viajando até tão longe para competir.
O’Connell convidou David para juntar-se, naquelas férias, a seu training camp de pista. O jovem queniano se desenvolveu muito naquele ambiente, e seu novo treinador encontrou um lugar para ele na Saint Francis, uma escola de Iten que, como a Saint Patrick, tem um bom programa de atletismo. David não se negou a mudar para tão longe de casa, nem protestou quando o novo treinador o convenceu de que – apesar de preferir os 400 metros – seu futuro estava nos 800 metros. Muitos técnicos poderiam não ter tido essa sacada, classificando imediatamente David como um corredor de 400 metros por causa de sua estatura e constituição – eles não estariam necessariamente errados, já que David corre 400 metros em 45 segundos e 50 milésimos, um tempo que teria lhe garantido um lugar nas semifinais das Olimpíadas de 2008. Em abril de 2006, no entanto, O’Connell pediu que David corresse 800 metros em uma classificatória em Kamariny. Naquele dia, ele viu sinais da potência e do estilo do corredor que destruiria praticamente todos os seus adversários.
CRAQUE: Rudisha competindo em uma prova de 800 metros, em Londres, em 2011
Durante uma viagem de carro até Ngong Hills, nos arredores de Nairóbi, Renato me contou que O’Connell “não tem a mentalidade da longa distância” e que ele algumas vezes envia atletas a campeonatos com muito pouco endurance de velocidade. Ele mencionou o caso de Augustine Choge, uma das promessas da safra atual de O’Connell e vencedor de um punhado de mundiais júnior e eventos para jovens. Apesar das conquistas, ele não conseguiu, segundo Renato, causar impacto entre os atletas mais velhos. Augustine levou recentemente a medalha de prata nos 3 mil metros do Campeonato Mundial Indoor, mas, segundo insiste Canova, “deveria ser campeão mundial”.
Ainda assim, a maioria dos técnicos e observadores com os quais falei admira o trabalho de O’Connell. O queniano Patrick Sangé foi medalha de prata na corrida de obstáculos nas Olimpíadas de Barcelona de 1992. Agora com 48 anos de idade e mechas brancas no cabelo, ele treina corredores de meio-fundo e de fundo. Em teoria, é um rival do Irmão O’Connell. Enquanto segura o cronômetro para pegar o tempo de seus atletas na pista de Chepkoilel, perto de Iten, Patrick diz que a falta de métodos sofisticados no trabalho de O’Connell é uma coisa boa: uma proposta rígida poderia tirar o encanto de alguns quenianos. “Se David Rudisha fosse treinado por um sistema certinho para ser um atleta perfeito, talvez isso pudesse destruí-lo”, diz. “Os supertécnicos olham apenas para dados e resultados, e costumam ver os atletas como um produto. O Irmão O’Connell vai até a raiz, pois entende as pessoas e de onde elas vêm.”
Seus ex-atletas concordam. Peter Rono, medalha de ouro nos 1.500 metros nas Olimpíadas de Seul e agora diretor da franquia da New Balance de Nova Jersey (EUA), diz que foi o espírito livre de O’Connell que fez a diferença para ele. Peter, que quando adolescente era uma grande promessa, mas cuja família era muito pobre para pagar as taxas da escola Saint Patrick, conta que O’Connell levantou pessoalmente fundos de doadores estrangeiros para que ele pudesse continuar os estudos ali. Dúzias de outros atletas, diz ele, podem contar a mesma história.
O’Connell raramente fala sobre sua própria fé ou espiritualidade. O mais perto que chegou disso foi quando lhe pedi que explicasse por que considerou David Rudisha um “atleta daqueles que a gente encontra uma só vez na vida”. Em vez de descrever o corredor com uma série de elogios, ele me contou a história da prova na qual o jovem quebrou pela segunda vez o recorde mundial, em Rieti, na Itália. O’Connell estava ao lado da pista durante a corrida, e sua descrição tem um ponto de vista meio místico. “Mesmo eu sendo seu técnico, a velocidade da passada dele nos últimos 200 metros me deixou atônito”, lembra. “Você não pode imaginar um ser humano…”.