Febre amarela

Sangue, escândalos, choro, rivalidades… o Tour de France 2012 já começou. Eis aqui algumas razões para acompanhar de perto a 99ª edição da prova, que acontece de 30 de junho a 22 de julho

Por Aaron Gulley


RUEDAS DE SANGRE: Como uma boa novela mexicana, o Tour tem
ótimas perseguições (como esta na edição de 2011, em Saint-Flour) e drama adoidado (como a queda de Johnny Hoogerland, no ano passado)

> Não há um favorito definido em 2012. Na época de Lance Armstrong, praticamente não havia suspense sobre qual seria o resultado final, lembra? A estrela norte-americana do ciclismo ganhava o prólogo e, depois, sua equipe passava por todo mundo como um rolo compressor nos primeiros estágios nas montanhas, rumo ao pódio. Para nossa alegria de telespectador, este ano será um grande suspense – quem, afinal, chegará nas primeiras colocações da prova? Com o tricampeão Alberto Contador banido após ser pego no teste antidoping durante a prova de 2010, o pelotão ficará sem um líder claro quando largar de Parc d’Avroy, em Liége, na Bélgica. O australiano Cadel Evans, campeão do Tour de 2011, é apenas um entre meia dúzia de possíveis favoritos. Isso significa que teremos certamente vários dramas se desenrolando nas estradas francesas: muitos ataques, várias trocas de líder e, provavelmente, um campeão inédito. Talvez alguém como Juan Jose Cobo, o vencedor-surpresa da Volta da Espanha de 2011. Juan de quê? Não se preocupe, também não o conhecemos direito – o que torna tudo ainda mais emocionante.

> Carnificina das boas. Não somos aquele tipo de gente que fica torcendo por desastres, mas um acidentezinho de vez em quando anima as coisas. É só lembrar o que aconteceu em 2001: Bradley Wiggins, capitão da equipe Sky, quebrou a clavícula em um acidente que envolveu 25 ciclistas. Uma derrapada em alta velocidade em uma descida íngreme derrubou o capitão da Omega Pharma-Lotto, Jurgen Van Den Broeck, deixando-o com um pulmão perfurado, e o capitão da Astana, Alexandre Vinokourov, com um fêmur fraturado. Um carro de TV bateu em Juan Antonio Flecha, da Sky, e em Johnny Hoogerland, da Vacansoleil-DCM, jogando-os em uma cerca de arame farpado. Os comentaristas disseram que essas confusões foram ocasionadas por ventos e chuvas fortes, mas Contador, cuja chance de conquistar mais uma camisa amarela foi derrubada por três quedas, culpou a falta de um líder para o pelotão. “Muitos ciclistas acharam que podiam ganhar, por isso todo mundo queria estar na frente”, disse o espanhol. “Em estradas pequenas, isso não é possível, e aí acabam acontecendo os acidentes.” Sem favoritos definidos, podemos esperar muito caos em 2012.

> Supermáquinas em forma de bikes de estrada. O design das bicicletas de ciclismo de estrada chegou a um nível tão elevado que as equipes precisam acrescentar lastro aos quadros para que seja alcançado o peso mínimo de 6,79 quilos autorizado pela UCI, a confederação internacional do esporte. Resta a aerodinâmica como arma para se ganhar vantagem, e os engenheiros usam e abusam dos túneis de vento para aperfeiçoar tubos de quadro finos e achatados que oferecem um mínimo de resistência ao ar. A estrela deste ano é o modelo S5, da Cervélo. Fina como uma lâmina de canivete, é a primeira “aerobike” a romper a barreira do peso mínimo da UCI e a pioneira em empregar freios hidráulicos – uma combinação que ajudará os ciclistas a poupar esforço nas etapas iniciais. “Essa bike deixará os atletas com energia de sobra para encarar as montanhas”, diz Jonathan Vaughters, um antigo companheiro de equipe de Lance Armstrong e hoje diretor da Garmin-Barracuda, patrocinada pela Cervélo. Bikes aerodinâmicas como a S5 também podem oferecer uma boa vantagem durante etapas em que o vento forte gera diferenças de tempo decisivas, como a etapa 4, na qual os ciclistas percorrerão a costa ao longo do canal da Mancha.

> É uma “corrida da verdade”. Essa é a terminologia usada pelos ciclistas do Tour para designar os contra-relógios individuais, etapas nas quais os atletas correm contra o cronômetro e não dá para se esconder atrás de estratégias de equipe – ou seja, ganha quem for mais rápido e ponto final. O percurso deste ano tem três desses contra-relógios, totalizando uma distância de 101 quilômetros, a maior desde 2007. Isso será ótimo para os ciclistas especializados nessa modalidade, como o alemão Tony Martin e o suíço Fabian Cancellara, e deverá favorecer o campeão do ano passado, Cadel Evans, além de Bradley Wiggins, considerados dois dos melhores “contra-relogistas” do mundo. E como ficam aqueles que gostam de subidas, como o vice-campeão de 2011, Andy Schleck (leia entrevista com ele na página XX), e seu irmão Fränk? Para eles, a verdade vai doer, para dizer o mínimo.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2012)