Duros de quebrar

Qual é o segredo da força e da resistência das equipes que subiram ao pódio do Ecomotion Pro 2012, uma das provas de corrida de aventura mais difíceis das Américas? Realizada em maio deste ano, a 9ª edição da competição contou com quase 600 quilômetros de percurso, dividido entre remo, bike, técnicas verticais e trekking. No mês de junho na revista Go Outside (ed.85), você conferiu com exclusividade o treinamento dos atletas campeões. Veja a seguir algumas dicas e estratégias reveladas pelos melhores colocados deste ano:

Por Maria Clara Vergueiro

>> Columbia Vidaraid (Espanha/Brasil) – 1º Lugar


(FOTO: Bruno Posnik)

Vivendo do treino, por Jon Ander
“Tenho muitos anos de treinamento e experiência porque trabalho como personal trainer. É importante aperfeiçoar a técnica de todas as disciplinas e saber dosar as longas distâncias e a intensidade durante a fase de preparação. Não se exceder para não sobrecarregar a musculatura e as articulações é essencial. Aprender a aguentar o sofrimento e participar de pequenas provas para conhecer os próprios limites também faz a diferença. Como trabalho com esporte, treinei durante toda a semana nos meses que antecederam o Ecomotion. Um dia era reservado para um treino bem suave, de descanso. Fazia também aulas de spinning para soltar as pernas. Treinava mountain bike três vezes na semana (dois pedais de distância média ou curta, de 40 a 80 quilômetros, e um longo, entre 100 e 140 quilômetros), corrida outras três vezes (um treino de curta distância, outro de distância média e um terceiro longo, que podia chegar a 50 quilômetros). Poderia ter remado mais, porém só consegui fazer um treino por semana de caiaque. Paralelamente, fiz trabalhos de estabilização de pernas e tornozelos, musculação e alongamento, que considero fundamental. Pelo menos três vezes na semana eu alongava quase uma hora. Para agüentar todo esse volume de treino, eu me alimentei bem: fazia de quatro a cinco refeições por dia e usei suplementos como aminoácidos, glutamina e proteína.”

>> Quasar Lontra Kailash (Brasil) – 2º Lugar


(FOTO: Alírio de Castro)

Capitão do mato, por Rafael Campos
“Antes da prova, não treinei muito mais volume do que já estava habituado. Minha semana se dividia em três treinos de bike, dois de corrida, dois de remo e dois de treinamento funcional. Para dar conta disso, era preciso treinar duas vezes ao dia. Ainda assim, nunca me exercitei mais do que duas horas diárias. Nesses 12 anos de experiência em corridas de aventura, ficou bem visível para mim que os resultados das equipes estão relacionados, principalmente, à capacidade de trabalhar em conjunto. O fato de ser o navegador e o capitão me deixa sobrecarregado. Como tenho muito sono quando escurece, conto com o Erasmo para me ajudar com o mapa nessas horas. Antes do Ecomotion, fizemos três provas para treinar: a Chauás, de 65 quilômetros, em Itanhaém (SP), o Adventure Camp, de 50 quilômetros, em Mogi das Cruzes (SP), e a Brou Aventuras, de 80 quilômetros, na Serra do Cipó (MG). Também treinamos com os caiaques da prova com a Canoar, empresa especializada em rafting que deu consultoria para a organização do Ecomotion e sugeriu esse modelo de barco rígido. Acredito que os treinos funcionais ajudaram na explosão, no equilíbrio e na agilidade. Mas destreza, concentração e trabalho em equipe vêm só com a prática mesmo.”

>> Unimed Terra de Gigantes (Brasil/Argentina) – 3º Lugar


(FOTO: Alexandre Cappi)

Playground de luxo, por Philipe Campello
“Com exceção do Fernando, que é argentino, vivemos muito perto uns dos outros, no Rio. Eu e a Mariana somos casados, e o André mora ao lado de casa. Isso ajuda bastante na hora dos treinos, porque nem sempre estamos todos animados para fazer força. Além disso, o Rio de Janeiro é perfeito, porque permite a prática de esportes em qualquer condição climática e terreno. Só não temos corredeiras na cidade. Nos seis meses que antecederam o Ecomotion, fizemos treinos longos com transição de modalidades para simular a dinâmica que acontece nas provas de aventura e preparar a musculatura para receber estímulos diferentes. Nos finais de semana, íamos para a região serrana do Rio remar por cinco horas e, logo na sequência, pedalar três horas. Durante a semana, procuramos respeitar os limites de cada um, para que ninguém deixasse de evoluir dentro do próprio potencial. Ao mesmo tempo, sempre puxávamos e incentivávamos uns aos outros. No período de pico de treino, chegamos a nos exercitar até 3h30 por dia, combinando bike e corrida duas vezes por semana, remo e corrida, bike e remo e um dia só de corrida leve. Nos treinos longos, que duravam de seis a oito horas, fazíamos pedais longos, canoagem com corredeiras e trekking subindo montanha para desenvolver o ritmo.”

>> BMC Brasil Máquinas (Brasil) – 4º Lugar


(FOTO: Alexandre Cappi)

Camaleão urbano, por Sergio Zolino
“Meu irmão costuma dizer que o treino para uma prova começa no dia em que você decide se tornar atleta. Portanto, como tenho 44 anos, posso dizer que há três décadas me preparo para esta edição do Ecomotion. Três meses antes da largada, eu e o Felipe decidimos montar nossa equipe. Ele ficou encarregado de descolar o patrocínio, e eu de selecionar uma mulher e um garoto forte para rebocar o tiozinho aqui quando necessário. Assim que soube que os trechos de corredeiras seriam feitos em caiaques rígidos, tratei de incluir um treino de natação na minha semana, calculando que iríamos virar diversas vezes. Meus treinos aconteceram integrados à minha rotina: pedalei todos os dias de casa para o trabalho, corri até a Polícia Federal quando precisei retirar meu passaporte, pedalei para buscar meu filho na escola e remei na hora do almoço entre uma reunião e outra. Em meus deslocamentos, carregava sempre a mochila, testando a hidratação e a alimentação, mesmo dentro da cidade. O Felipe, que é empresário, fez 1.000 agachamentos dentro do avião para otimizar as 12 horas de vôo até a Coréia. Acredito que fracionar o treino ao longo do dia, e assim ir acumulando o cansaço, ajuda a adaptar o corpo de maneira mais eficiente que treinar de uma vez pela manhã, por exemplo. No fim do Ecomotion, eu estava mais inteiro que os mais novos da equipe.”

>> Papaventuras Orientista/Ultrasport


(FOTO: Nina Jacob)

Cabeça e coração, por Valmir Luis
“Como somos absolutamente fascinados pelo universo da aventura, fazemos provas curtas uma vez por mês, o que acaba nos deixando sempre bem treinados. Assim que divulgaram as distâncias do Ecomotion, comecei a me focar nos desafios dessa competição, especificamente. Durante a semana, meus treinos eram curtos. Entre segunda e sexta-feira, fazia três corridas de uns dez quilômetros e pedalava 50 quilômetros duas vezes. Aos sábados, intercalei um pedal longo, de sete ou oito horas, com treinos de remo. E, aos domingos, fazia corridas mais longas, porém nada além de 25 quilômetros. A equipe se encontrou em três ocasiões, na região de Três Coroas (RS), para fazer trekking de montanha e canoagem em corredeiras com barcos rígidos, parecidos com os que usaríamos na prova. Para ser franco, não gosto muito de treinar, amo mesmo é participar das provas. Por isso atribuo grande parte da capacidade física que possuo a habilidades genéticas nascidas comigo. Minha cabeça funciona muito bem e me permite seguir em frente mesmo quando estou cansado. Não costumo ficar preocupado em alcançar um volume de treinamento que se pareça com os percursos de provas longas, pois não acredito que seja possível alinhar os treinos à dimensão das exigência de uma competição como o Ecomotion.”

(Trecho da reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2012)