Por Maximo Kausch, do Alta Montanha
Cada ano que passa o montanhismo fica mais e mais popular, e um número maior de resgates precisa ser realizado. A questão é: quem realiza resgates nas grandes montanhas? Empresas de seguro realmente incluem resgates em seus serviços quando diz que fazem isso? Passo o ano todo trabalhando como guia de montanha e muitas vezes encontro-me em países que nos obrigam a contratar seguro de resgate. Depois de um tempo, comecei a pensar no verdadeiro sentido dessa "ilusão" que muitos chamam de ‘resgate". E resolvi dividir aqui a verdade sobre isso.
Na maioria dos países alpinos, existe um serviço de resgate extremamente eficiente que inclui times de resgatistas e helicópteros.
Nos Andes, o mesmo acontece em montanhas onde os alpinistas pagam por uma permissão, como o Aconcágua. Nas demais montanhas da cadeia andina, não está muito claro se o helicóptero militar local pode ou não realizar um resgate.
Resgatistas estão restritos a meia dúzia de montanhas. A maioria dos Andes, porém, está desprovida de qualquer tipo de resgate. Em muitas cadeias montanhosas maiores, como o Himalaia e Karakoram, resgates simplesmente não existem. Muitas vezes os resgatistas para os que estão em apuros na montanha resumem-se a nós mesmos. Eis a necessidade de um guia no Himalaia estar treinado em resgates e primeiros socorros. Já estamos em 2012 e a tecnologia mudou tudo. Hoje existem muitos aparelhos como o Spot, um GPS que envia regularmente a posição do alpinista para um site, assim a família e amigos podem acompanhar a expedição. Este equipamento também possui um botão de SOS.
A questão é: quem aparece se você apertar o botão vermelho? Não existe uma empresa ou instituição que faça esse tipo de serviço. O que existem são guias e escaladores experientes de outras expedições que se oferecem como voluntários. Nas montanhas do Tibete, por exemplo, não só não existe resgate como aeronaves são proibidas de voar. Muitas vezes quando há uma vítima ou um cadáver para ser resgatado é solicitada uma mula de emergência. Imagine que você gaste milhares de dólares para escalar uma dessas grandes montanhas e, quando pede um resgate, chega uma mula. Esta custa em média 500 dólares, e o dono alega se tratar de uma "super-mula" — que não é teimosa e se mostra mais rápida que o normal.
Muitos dos meus clientes às vezes aparecem com aparelhos de GPS ou telefones satelitais com um botão de SOS. Lembro de uma ocasião, a 6.500 metros de altitude, numa dessas montanhas remotas: tínhamos três dias de aclimatação pela frente, não havia jogos de cartas para passar o tempo, nem xadrez. No segundo dia, estávamos extremamente entediados e decidimos brincar com o botão de SOS do telefone satelital. Segundo a empresa, o serviço de resgate pode chegar a custar 20 mil dólares e demora algumas horas. Sabendo bem da realidade dos resgates no Himalaia, decidimos apertar o botão e ver o que aconteceria.
Apreensivos como crianças nas primeiras horas, esperamos e esperamos, porém nada aconteceu. Fiquei com certo receio de tomar um sermão de um possível time de resgate. A verdade sempre esteve diante de nossos olhos: éramos os únicos na região e isso não iria mudar por causa de um botão vermelho. O "resgate" demorou 14 horas e apareceu, na forma de SMS, no meu telefone satelital. Uma empresa em Dubai me mandou um SMS confirmando meu nome e perguntando se eu poderia resgatar uma pessoa. Eles não sabiam, mas se tratava do meu próprio cliente, que, aliás, estava lendo o SMS junto comigo. Eles até ofereceram uma recompença, porém não falaram em valores. Mal sabiam eles que se tratava apenas de um cliente e um guia entediados numa barraca sem nada para fazer. Alegamos que fora um engano e o cliente nem teve que pagar multa!
Nas montanhas do Nepal, a realidade dos resgates está mudando aos poucos. Os helicópteros estão cada vez melhores e hoje já podem resgatar pessoas acima de 7000 metros de altitude (leia reportagem especial da Go Outside sobre o tema aqui). Diferentemente de outros países, no entanto, no Nepal nenhum piloto voará se não for pago antes. No país, é comum que escaladores deixem seu cartão de crédito com senha numa agência local, assim em caso de resgate o piloto pode ser pago sem perder tempo.
Um resgate acima de 6.000 metros normalmente custa entre 15 mil e 25 mil dólares, dependendo de onde for. Com poucas nuvens e vento, um helicóptero pode pousar em qualquer lugar plano para resgatar uma vítima. Mas e nos lugares de difícil acesso como encostas montanhosas? Bom, aí a coisa muda. Além de mais dinheiro, é preciso um piloto mais corajoso e uma técnica chamada "human sling". Na teoria é fácil: um helicóptero, um cabo de várias dezenas de metros e um resgatista preso na ponta do cabo. O resgatista treinado é solto na área onde está a vítima, e o cabo é solto até ele achar a vítima. Após encontrar a vítima, prendê-la numa caderinha e sinalizar para o helicóptero, o piloto volta para buscar os dois.
Parece simples, mas é extremamente complicado e arriscado resgatar alguém nessas condições acima de 6.000 ou 7.000 metros de altitude. Não foi à toa que, na segunda tentativa de resgate no país usando a nova técnica, um piloto e co-piloto perderam a vida tentando resgatar um alpinista na face norte do Ama Dablam (Nepal), em 2010. Eu estava lá quando a tragédia aconteceu. A nova técnica de resgate está sendo aperfeiçoada, e menos de meia dúzia de resgates já foram realizados. Estamos, no entanto, bem longe de poder chamar um helicóptero apenas apertando um botão vermelho. O site Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao tema do montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.
S.O.S: O que vem depois de apertar o botão?
HELP!: Montanhistas e guias que realizam o resgate na alta montanha
Lamentamos muito na época, pois o país tinha acabado de perder seus melhores piloto e co-piloto.