Doa a quem doer

Cientistas e treinadores de ponta alertam: preocupar-se demais com a recuperação após o treino pode fazer mais mal que bem. A solução: deixe seu corpo sentir dor e se adaptar naturalmente – isso te fará mais forte do que você imagina

Por Alex Hutchinson


ALVINA BEGAY: A maratonista norte-americana sabe que fazer seu corpo
se adaptar direito às adversidades é a chave para o sucesso

NO OREGON PROJECT, DA NIKE, um programa de treinamento para corredores de longa distância dos EUA, os atletas têm acesso a praticamente todos os métodos de recuperação que se pode imaginar: criossauna de nitrogênio líquido, esteira de corrida antigravidade, tubo de compressão inflável pneumático, entre outras geringonças. Diante desse parque de diversões do pós-esforço, não é de se estranhar que a corredora norte-americana Jackie Areson, de 24 anos, tenha ficado tão ansiosa pouco antes de se unir ao seleto grupo da Nike, em 2011. Ela mal podia esperar para sentir na pele as vantagens das técnicas de ponta do Oregon Project em sua rotina de treinos.

Em vez disso, seu novo treinador no Orgeon, o fisiologista do exercício Steve Magness, mandou-a fazer exatamente o oposto do que sonhava. “Toda vez que eu mencionava métodos de recuperação que costumava seguir no passado, ele dizia: ‘Não faça mais isso’,” conta Jackie, que está competindo pelos Estados Unidos por uma vaga olímpica nos 5 mil metros. Como explica o próprio Steve, “o que você precisa é que seu corpo aprenda a se recuperar sozinho”.

Essa teoria vai contra os hábitos da maioria dos atletas amadores, que adoram pílulas, gelo e massagens. Nós nos viciamos em métodos de recuperação e ficamos obcecados em apagar, o mais rápido possível, a dor, a fadiga e a inflamação decorrentes dos treinos duros. Mas alguns cientistas e treinadores de ponta estão adotando uma nova linha de pensamento: o estresse é algo bom, pois força o corpo a se adaptar, se reparar e encarar novos treinos de um jeito mais forte.

As raízes dessa nova tendência remontam a 2006, quando pesquisadores da Universidade de Chukyo, no Japão, publicaram um pequeno estudo mostrando que voluntários que fizeram banho de gelo após os treinos ganharam menos força do que aqueles que não optaram por esse método. “Essa pesquisa forçou todo mundo a pensar que, talvez, muita banheira gelada pudesse, na verdade, inibir a recuperação”, diz Trent Stellingwerff, fisiologista do Centro Esportivo de Pacific Victoria, na Columbia Britânica, Canadá.

Se isso for verdade, será que outros métodos pós-treino também podem causar mais mal do que bem? O pior é que sim. O problema é que os treinadores vêem a inflamação causada pelo exercício como um inimigo a ser eliminado quando, na verdade, ela é parte crucial do processo natural de recuperação. O estresse resultante do exercício físico, o dano aos tecidos e a inflamação que surge depois são causados em parte pelos glóbulos brancos que correm para a região afetada para ajudar no processo de recuperação. Ao mesmo tempo que o ibuprofeno (um conhecido antiinflamatório muito usado por atletas) ou os banhos de gelo reduzem a fadiga e o inchaço a curto prazo, eles podem também inibir a capacidade natural de adaptação do seu corpo a longo prazo. É o que defende Jonathan Leeder, fisiologista no Instituto Inglês do Esporte: “Você precisa que os danos e as inflamações do corpo recuperem-se sozinhos”.


DOR AMIGA: Cientistas provaram que o estresse físico é bom para o corpo

Uma situação semelhante acontece em relação aos suplementos antioxidantes. Atletas de endurance usam muito oxigênio durante os treinos e geram altos níveis de “oxigênio reativo”, potencialmente danoso, explica Jeff Coombes, professor na Universidade de Queensland, na Austrália. A visão convencional é de que os antioxidantes podem ajudar a neutralizar essas moléculas, limitando os danos. Mas, quando Jeff revisou a literatura médica sobre esse tema, encontrou 23 estudos sugerindo que os antioxidantes podem, na verdade, interferir no processo natural de adaptação do corpo. Uma pesquisa revelou que um coquetel de antioxidantes retardou a recuperação muscular em canoístas de elite.

Treinadores e cientistas alertam, porém, que a conclusão final não deve ser a de que todo método de recuperação é mau. Em vez disso, trata-se de uma questão de permitir que os processos de recuperação do corpo tomem seu curso natural, sem acelerá-los tanto de forma a comprometer sua eficiência. Isso significa aprender quais técnicas são mais úteis, e quando cada uma delas é mais eficiente.

Trent Stellingwerff, Steve Magness e Jonathan Leeder costumam orientar seus atletas de que, dependendo do estágio de treinamento em que eles se encontram, o melhor é “periodizar” a recuperação. Durante as fases de treino pesado, o maior objetivo é pressionar o corpo ao limite. Nessa época, portanto, qualquer coisa que interfira na adaptação ao treinamento deve ser evitada. À medida que se aproxima uma competição, o foco muda: em vez de ganhar preparo, a intenção é se sentir bem – e é aí que se deve estimular a recuperação.

A maratonista norte-americana Alvina Begay usou a criossauna high-tech da Nike apenas duas semanas antes da seletiva para a maratona olímpica, em janeiro deste ano, após sua última sessão de treinos. “Quando uma prova se aproxima, eu e minha equipe não estamos muito preocupados em perder as adaptações naturais do corpo. O foco passa a ser apenas a competição.”

É claro que até mesmo durante treinos pesados há momentos em que seu corpo precisa de uma mãozinha. Forçou demais? Nesse caso, os benefícios de um banho de gelo podem vir a calhar. No fim das contas, o truque é aprender quanta ajuda você necessita na recuperação. E isso vale o dobro para os guerreiros de fim de semana, que frequentemente são mais obcecados com a recuperação do que os atletas de elite. “Existe recuperação demais para um remador olímpico que treina três vezes por dia? Acho que não”, diz o fisiologista Trent Stellingwerff. Mas para atletas recreacionais, a recuperação (e o medo do overtraining) tem virado um fantasma feio demais. “Se você está correndo três vezes por semana, não precisa se preocupar tanto com a recuperação. Você pode estar dolorido e cansado, mas isso não é sinônimo de overtraining.”

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2012)