Esquenta e esfria

Aquecer em movimento e, depois do treino, relaxar o corpo de forma adequada pode ser o ajuste que estava faltando para dar um gás na sua performance

Por Maria Clara Vergueiro


SÃO ALONGUINHO: Alongamentos estáticos como

este da foto, são indicados para depois do treino e
devem ser realizados com cuidado

EM 2010, A UNIVERSIDADE DA FLÓRIDA (EUA) publicou uma pesquisa demonstrando que corredores de longas distâncias ficavam 5% menos eficientes e diminuíam em 3% o percurso percorrido quando faziam alongamentos estáticos (aqueles clássicos, em que buscamos aumentar a amplitude articular e flexibilidade dos músculos nos esticando ao máximo e mantendo a posição por alguns segundos) antes do treino. Recentemente, os mesmos pesquisadores apresentaram resultados de novos testes, desta vez realizados com alongamentos dinâmicos (em que a flexibilidade e amplitude são trabalhadas por meio de movimentos fluidos) antes da corrida.

Embora os estudos não tenham revelado grandes alterações nos resultados que mediam distâncias percorridas, os alongamentos dinâmicos ajudaram a melhorar a flexibilidade de forma menos agressiva que os estáticos. Outras conclusões: corredores medianos tiveram melhor rendimento quando não se submeteram a nenhum tipo de alongamento, enquanto os corredores de elite melhoraram suas marcas com os dinâmicos. “Atletas de elite precisam de um aquecimento de maior intensidade e duração do que os corredores amadores iniciantes”, analisou um dos pesquisadores.

Com base em pesquisas como essas, atletas e médicos do esporte estão se convencendo de que a melhor maneira de preparar o corpo para receber estímulos intensos, independentemente da modalidade, é aquecer o corpo reproduzindo gestos e movimentos que serão executados durante a prática do esporte, deixando o alongamento estático da musculatura para depois do treino – e sem exageros. “As pessoas tendem a achar que, se não estiver doendo, não está alongando”, observa Kim Cordeiro, treinador da assessoria esportiva BK Sports e atleta de triathlon de São Paulo. “Mas não é bem assim. A dor jamais deve ser o parâmetro de um alongamento bem-feito.”

O médico do esporte e do exercício Gustavo Magliocca, que acompanha a equipe brasileira PRO-16, de atletas de natação como Cesar Cielo e Thiago Pereira, alerta que exagerar no estica-e-puxa pode ser, inclusive, arriscado. “Os típicos alongamentos estáticos estão comprovadamente relacionados à perda de performance quando executados antes da prática esportiva. Após a atividade, tudo bem, principalmente em atletas que precisam aumentar as amplitudes articulares. Mas é de suma importância não abusar ou forçar demais os músculos, pois isso pode ser um gatilho para lesões”, alerta.


TOTAL FLEX: Para escaladas duras, Janine Cardoso sempre aquece e alonga
muito bem o corpo

OS BENEFÍCIOS DO AQUECIMENTO SÃO MUITOS, como melhor do aporte sanguíneo na musculatura e da lubrificação das articulações, explica Gustavo. A elevação da temperatura corporal e um “sintoma” dessas benvindas alterações fisiológicas que preparam o corpo para o esporte. Em geral, as atividades de aquecimento não devem ultrapassar de 10% a 15% do tempo total previsto para o treino, diz Gustavo, mas a forma de melhor aproveitar esses minutos reservados ao início das atividades físicas varia de acordo com os objetivos e características de cada atleta.

A escaladora Janine Cardoso, por exemplo, costuma alongar estaticamente cada um dos dez dedos das mãos, o antebraço, peito, costas e ombros, para depois começar um aquecimento dinâmico na rocha ou na parede do ginásio. “Quanto mais alto o nível do atleta, maior a variedade de movimentos que ele vai poder fazer nessa parte pré-treino. Passo cerca de dez minutos fazendo movimentos mais suaves, me deslocando pelas paredes mais horizontalmente que verticalmente, antes de seguir para as vias mais difíceis”, explica a atleta, que também indica uma corrida de 20 a 30 minutos depois do treino para liberar o ácido lático acumulado.

Salvador Lamas, ex-surfista profissional e professor de educação física, incentiva o aquecimento dinâmico para seus atletas, e desenvolveu um método para uma session de surf produtiva e sem lesões. “Inicio com uma corrida leve na areia, abdominais, trabalho de estabilização da região do core e movimentos dinâmicos com rotação nas principais articulações”, ensina o treinador, que às vezes também usa alguns acessórios como o fitball (aquelas bolas grandes em que se pode deitar em cima e fazer diversos tipos de exercícios). O surfista de ondas grandes Carlos Burle “acorda” o corpo usando ensinamentos do Iso Stretching, uma técnica de alongamento criada há 30 anos na França em que se trabalha com expiração exagerada para promover o fortalecimento da musculatura abdominal e da caixa torácica, ao mesmo tempo em que se alinha a coluna. “O aquecimento ideal depende de cada indivíduo, mas considero muito importante para todos despertar os músculos antes de qualquer atividade mais forte”, diz o big rider.

Ciclistas e corredores costumam seguir um padrão similar nos treinos: começam com pedal ou trote leve, progridem gradualmente o esforço, e finalizam com uma etapa de desaceleração correndo ou pedalando. Assim como é preciso preparar o corpo no início, desligar aos poucos também é fundamental, de acordo com os especialistas. “O desaquecimento é importante para uma melhor recuperação dos músculos esqueléticos e do sistema imunológico”, afirma o médico esportivo Gustavo, que sugere para esse momento do treino um trabalho de intensidade correspondente a 55% da freqüência cardíaca máxima do atleta, por um período igual ao do aquecimento.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2012)